terça-feira, fevereiro 14, 2012

Campo minado ILIMAR FRANCO

FERNANDA KRAKOVICS - Interino


O racha na bancada do PT se aprofundou depois que o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), suspendeu a votação do Funpresp. Maia acusa o grupo do líder do governo, Cândido Vaccarezza (PT-SP), de ter vazado sua insatisfação com a perda de um cargo no Banco do Brasil. Já o grupo de Vaccarezza bota a culpa no presidente do BB, Aldemir Bendine, com quem os petistas estão em pé de guerra. Reclamam que ele não os atende e que estaria querendo tomar o controle da Previ.

Sindicalismo e Copa do Mundo
A CUT quer incluir na Lei Geral da Copa autorização para ambulantes cadastrados nas prefeituras trabalharem nas imediações dos estádios, e garantia de que o trabalho voluntário durante o torneio não vai substituir empregos com carteira assinada. A central quer incluir ainda a expressão "trabalho decente" no tema social do evento, que será "Por um mundo sem armas e sem drogas". A intenção do governo é votar hoje a Lei Geral da Copa na comissão especial da Câmara, mas há preocupação com o quorum às vésperas do Carnaval. Outra preocupação é com a ameaça de greve, feita pela CUT, nas obras do torneio.

"Ele é bem-vindo” — Fernando Haddad, pré-candidato petista à prefeitura de São Paulo, sobre a presença de Gilberto Kassab no aniversário do PT

É CARNAVAL. Mesmo com o fim da greve da PM, a ordem é para que a Força Nacional de Segurança permaneça na Bahia. Para alívio do governador Jaques Wagner (BA), na foto, Brad Pitt, Sharon Stone, Jennifer Lopez e Ronaldo Fenômeno confirmaram presença no Carnaval de Salvador. A Casa Civil e o Ministério da Justiça discutem alternativas à PEC 300, que cria um piso nacional para policiais militares e bombeiros.

Queridinho
A preferência da Fifa para mascote da Copa é o tatu-bola. O ministro Aldo Rebelo (Esporte) quer o saci. Há resistência à onça pintada, porque um felino já foi o símbolo do torneio na África do Sul, e à arara por causa do filme "Rio".

Primeira missão
Evangélico, o novo ministro das Cidades, Aguinaldo Ribeiro, foi escalado pelo Palácio do Planalto para tentar acalmar esse setor, irritado com declaração do ministro Gilberto Carvalho sobre sua influência nas classes C, D e E.

Governadores x professores
Na posse de Maria das Graças Foster na presidência da Petrobras, ontem, os governadores Sérgio Cabral (RJ), Jaques Wagner (BA), Antonio Anastasia (MG), Cid Gomes (CE) e Renato Casagrande (ES) pediram ao presidente da Câmara, Marco Maia, para colocar em votação projeto que reduz o piso nacional dos professores. O reajuste em 2012 será de 22%. Os governadores querem que o parâmetro seja o INPC, que daria um aumento de 6%.

Degelo
Em encontro com a presidente Dilma, na sexta-feira, o presidente da Câmara, Marco Maia, sacou uma foto de quando ele era bebê. A presidente saiu mostrando para todo mundo. Dilma ficou uma arara com Maia por causa do Funpresp.

Propaganda
O Itamaraty serviu carne de porco no almoço para o vice-primeiro-ministro da China, Wang Qishan. O Brasil quer certificar frigoríficos para exportar carne suína para lá. Mas o que fez mais sucesso na comitiva foi o figo em calda.

VIP. Além de ter recebido convite por escrito, o prefeito Gilberto Kassab recebeu telefonema do presidente nacional do PT, Rui Falcão, para que fosse ao aniversário do partido.

INSATISFAÇÃO. O líder do PR na Câmara, Lincoln Portela (MG), e no Senado, Blairo Maggi (MT), conversam hoje com a ministra Ideli Salvatti (Relações Institucionais). Querem derrubar o ministro Paulo Sérgio Passos (Transportes).

OUTRO LADO. A direção da Caixa Econômica afirma que desde dezembro as disputas políticas no banco, entre PT e PMDB, estão pacificadas. 


As metamorfoses em 32 anos de PT - EDITORIAL O GLOBO


O Globo - 14/02/12


Ser convidado especial de parte da cúpula do PT à festa dos 32 anos do partido, na sexta, em São Paulo, não livrou o prefeito Gilberto Kassab, artífice e presidente do PSD, de ser saudado por sonora vaia pela militância. E, na presença do candidato de Lula à sua sucessão, Fernando Haddad, para quem o ex-presidente quer o seu apoio, ainda teve de ouvir Rui Falcão, mais elevado dirigente do partido, discursar que o importante é não sucumbir "à tentação das alianças fáceis, que quebram a nitidez dos compromissos". Para completar: "O PT não pode se deixar levar pelo pragmatismo exagerado." Ora, mas é tudo o que a legenda tem feito nos últimos dez anos anos. Lançado como partido classista — opção feita pelos sindicalistas do ABC na década de 80, a esquerda católica que os apoiava e egressos da luta armada —, o PT precisou ser derrotado em três eleições presidenciais para se abrir a alianças à direita. Mas exagerou na dose e nos métodos. Tanto que não passa de hipocrisia vaiar Kassab e o PSD, nascido de várias costelas do DEM, enquanto adula coronéis patrimonialistas do Norte e Nordeste, abrigados no PMDB, de frente da oposição à ditadura convertido em federação de interesses regionais.
A formação acadêmica do sociólogo Fernando Henrique Cardoso já o fizera entender que, num país como o Brasil, politicamente conservador, seria impossível a esquerda chegar ao poder pelo voto sem aliados. Daí a aliança do PSDB com o PFL, depois batizado de DEM, e frações do PMDB — as que sempre estão do lado do Planalto, não importam os inquilinos. Foi um acordo partidário bem-sucedido, porque permitiu reformas essenciais para o Brasil dar um salto: privatizações, responsabilidade fiscal, fim de monopólios, entre outras. Lula e grupo só perceberiam a fatalidade de um partido classista, de esquerda, ser minoritário no Brasil depois da terceira derrota em eleições presidenciais, duas delas consecutivas para FH e tucanos. Foram, então, em busca de alianças, um avanço diante do retrógrado sectarismo petista. Mas erraram ao negociar, nas alianças, o inegociável: acesso franco ao Tesouro, empreguismo, aparelhamento da máquina pública, olhos cegos para a corrupção, a ponto de a própria cúpula do partido trabalhar na montagem da "organização criminosa" do mensalão. O partido que tanto pregou obediência a "práticas republicanas" fez o oposto e deixou uma herança pesada para o governo Dilma Rousseff.
Obrigada a gerenciar num ciclo de crise mundial, muito diferente daquele de que se beneficiou Lula, a presidente precisa lidar com uma estrutura burocrática ineficiente, inchada de indicações políticas, incapazes de dar qualidade à gestão pública.
Bem ou mal, porém, o partido demonstra ter metabolismo para aprender com os erros.
Mesmo que demore. Foi assim no primeiro governo Lula (2003-06), quando o Palácio adotou princípios pétreos de política econômica (meta de inflação, equilíbrio fiscal, câmbio flutuante), já sinalizadas na Carta ao Povo Brasileiro, divulgada na campanha, e, com isso, evitou uma hecatombe econômica. Outro caso exemplar da capacidade de aprendizado petista é a privatização — ou licitação, tanto faz — de aeroportos.
Mas este processo evolutivo enfrenta tensões, demonstra a vaia emblemática a Kassab.

Hobbes na Bahia - JOÃO PEREIRA COUTINHO


FOLHA DE SP - 14/02/12


A ausência do Estado, esse velho sonho de anarquistas, pode jogar-nos de volta para uma selva de medo?



Sazonalmente, o Brasil arruína-me. Acontece quando a desordem se instala nas ruas do país e eu passo horas ao telefone a falar com amigos ou colegas sitiados em suas casas. Anos atrás, quando o Primeiro

Comando da Capital tomou literalmente conta de São Paulo, minha conta de telefone furou a estratosfera.
O mesmo sucedeu agora com a greve policial na Bahia, que permitiu o velho cortejo de crimes e pilhagens que fazem parte do circo. Telefonei, confirmei. Todos os meus amigos estão bem, obrigado.

Eu é que não estou: primeiro, já pensei seriamente em enviar a conta do telefone para os grevistas do Estado. Eles que paguem a despesa dos meus cuidados.

E, depois, porque sou obrigado a concordar com Thomas Hobbes (1588-1679), um filósofo político inglês com quem mantinha uma relação de amor e ódio. Não mais.

O ódio era compreensível: sempre que lia "Leviatã" (1651), a minha costela libertária tremia um pouco. Não que tenha uma visão otimista sobre a natureza humana.

Deus me livre e guarde. Essa, curiosamente, é a minha principal discórdia com os libertários puros e duros: eles têm uma insensibilidade ao "problema do mal" que os remete para companhias ideológicas pouco recomendáveis.

Mas, apesar de tudo, a ideia hobbesiana de um poder soberano indivisível e indiscutível, que exige uma submissão quase total dos seus súditos, sempre me pareceu a receita perfeita para a tirania.

Como é evidente, leituras apressadas geram conclusões apressadas. É possível ler Hobbes com umas lentes ligeiramente mais "liberais".

Para começar, entender a vida de Hobbes é entender parte da sua filosofia política: nascido em Londres, ele testemunhou a Guerra Civil Inglesa que levou à execução do rei Charles 1º. Não admira que a paz, a segurança e a ordem tenham sido suas preocupações permanentes.

Aliás, não apenas dele: partindo da sua experiência pessoal -ou, melhor dizendo, das suas "sensações" pessoais-, Hobbes chegou rapidamente à conclusão de que a primeira paixão dos homens é a mais lúgubre de todas: temos medo da morte. O que significa que a preservação da vida deve ser a base de qualquer "contrato social".

No "estado de natureza", a vida é "solitária, pobre, sórdida, brutal e curta". Não porque exista uma malignidade metafísica na alma da raça; mas porque, muitas vezes, a minha paz exige um estado permanente de guerra. Eu mato para não ser morto. Eu roubo para não ser roubado. Etc.

O Estado é esse agente supremo que os indivíduos resolvem dar a si próprios para protegerem a sua vida e, nos casos em que a lei é omissa, a sua própria liberdade.

É o Estado -a força do Estado- que modera as vaidades, as ambições e os orgulhos dos homens; é ele quem garante esse mínimo de ordem sem o qual a liberdade natural dos indivíduos tem pouco ou nenhum valor substancial.

Hobbes está certo: quando olhamos para zonas de conflito no mundo, podemos debater as causas econômicas e sociais que explicam os morticínios; ou podemos, no caso brasileiro, discutir a duvidosa legalidade das greves policiais ou os falhanços da política nacional de segurança pública.

Mas existe uma discussão prévia que nos remete para Thomas Hobbes: poderá existir vida em sociedade sem que o Estado detenha o "monopólio da violência" (expressão do sociólogo Max Weber) de forma a impedir a metastização da violência pela sociedade?
Ou, pelo contrário, a ausência do Estado, esse velho sonho de anarquistas e libertários, pode jogar-nos de volta para uma selva de medo e abuso?

A resposta de Hobbes é clara: sem Estado, a selva é o nosso destino. E, se é verdade que o Estado foi, muitas vezes, um agente de violência ilegítima e desumana sobre os cidadãos, não era esse o Estado que
Thomas Hobbes pretendia.

Lendo os seus textos, encontramos os instrumentos básicos para pensar um Estado democrático, legítimo, defensor da vida humana -e, pormenor fundamental, respeitador da intimidade dos indivíduos.
Desprezar Hobbes só é possível por deficit de conhecimento e excesso de segurança. Mea-culpa.

Questão de Estado - MERVAL PEREIRA


O GLOBO - 14/02/12
A PEC-300, que trata da questão salarial dos policiais militares, aprovada em primeiro turno por unanimidade há um ano e meio devido à atuação do governo federal e dos partidos aliados, agora está sendo firmemente combatida pelos mesmos personagens, que de repente descobriram os malefícios de uma lei que já foi tida como virtuosa e rendeu muitos votos na eleição presidencial de 2010.
Ela passou por unanimidade no Congresso, o que indica também que os partidos de oposição não tiveram força para assumir a posição mais correta, que era votar contra a aprovação da PEC. Seguiram o arrastão governista e avalizaram uma decisão que agora se evidencia inviável.
Essa reviravolta e suas consequências — a greve de Salvador e a tentativa de levá-la a outros estados como o Rio de Janeiro, às vésperas do carnaval —, além de exibir a maneira irresponsável e populista com que certos assuntos prioritários são tratados no Congresso, mostram que o tema é uma questão de segurança nacional, e o governo federal deveria assumir a coordenação de uma política salarial para os policiais a ser adotada pelos estados.
A ideia original da PEC-300, que definia plano salarial nacional, não era factível, já que não é razoável que se queira pagar o mesmo salário a policiais do Acre e de São Paulo, que têm orçamentos tão diferentes.
Também o Distrito Federal não pode ser o parâmetro, nem mesmo para decretar um piso nacional, já que os salários são pagos com base no Orçamento da União.
Estamos nessa situação no momento, com os governadores fazendo pressão sobre suas bancadas e sobre o governo federal para que não seja colocada em votação a PEC-300 em segundo turno.
É preciso haver uma discussão mais séria sobre o assunto, a comissão que está encarregada da PEC-300 diz que somente oito dos 27 estados enviaram respostas às perguntas feitas, como, por exemplo, qual seria o piso aceitável para cada um deles.
Já os governadores, através de seus secretários de Fazenda reunidos no Confaz, dizem que o Congresso está querendo legislar sobre um tema que é estadual, no que têm razão.
Aliás, o governo federal sempre tratou a questão da segurança pública como sendo da alçada dos governos estaduais, como se pudesse se eximir de responsabilidades com argumentos burocráticos.
Essa é uma discussão em que não chegaremos a uma solução se o governo federal não assumir de vez que tem de ser o coordenador de um amplo debate nacional.
A questão permanecerá aberta, pendente como uma espada sobre a democracia brasileira. Volta e meia temos greves de PMs que criam problemas institucionais graves, seja em que estado for.
Essa é uma tarefa que deve ser prioritária para o governo federal e os estados tratarem conjuntamente, pois, quando estoura uma greve de PMs, é o governo federal que tem de enviar tropas para a repressão ao movimento ilegal. Logo, não há mais como transferir as responsabilidades unicamente para os estados.
O deputado federal Chico Alencar (PSOL-RJ), mesmo diante das gravações em que a deputada estadual de seu partido Janira Rocha aparece aconselhando os grevistas a não fazer acordo em Salvador para não esvaziar uma eventual greve dos policiais e dos bombeiros no Rio, garante que os parlamentares do PSOL "buscam mediar a urgente e necessária negociação entre os representantes dos servidores e o governo, nem substituindo aqueles nem coonestando postura intransigente destes, autoproclamados monopolizadores da lei e ordem".
A mobilização da segurança pública por melhores condições de trabalho e salário não é "um raio em céu azul", lembra Alencar, nem "orquestração" de "dirigentes interessados na agitação social".
Ele diz que, liminarmente, cabe separar vandalismo e promoção da sensação de insegurança generalizada de mobilização reivindicatória com pauta e negociação com as autoridades. "Quem delinque, aproveitando-se da situação, é inimigo não só da população como do próprio movimento", afirma Alencar, para quem estão postas em debate "a desmilitarização e a unificação das polícias, para dar conta das novas realidades, entre as quais, os mecanismos de exercício de poder".
Ele considera "naturalíssimo" que os profissionais da área se aproveitem dos megaeventos que ocorrerão no Rio — refere-se à Copa e, sobretudo, às Olimpíadas — para fazer suas reivindicações salariais.
A necessidade da imagem exemplar a ser mostrada ao mundo tem como pilar importante, por óbvio, a segurança, como se reitera à exaustão, ressalta Alencar, para quem essa conjuntura ajuda a que os PMs se indaguem: se somos tão importantes para a segurança dos eventos, por que continuamos a receber salários tão baixos? Ele não concorda que piso nacional para essas categorias seja inviável e "quebraria o país". Argumenta que o salário mínimo é um piso nacional, e os profissionais da educação também já o têm, ainda que em implementação.
Chico Alencar acha que a PEC-300, que define um piso, sem fixar valor, e um fundo contábil para provê-lo, tem condições de ser aprovada, pois todas as definições sobre os custos serão tomadas em iniciativa posterior do Executivo, a ser enviada ao Congresso Nacional seis meses depois de promulgada a emenda constitucional.
Já o deputado federal Alfredo Sirkis, do Partido Verde, acha que o governo tem culpa no cartório, pois o PT, "por razões eleitoreiras", votou a PEC-300 em 2010 e, em 2011, "descobriu" que não tinha como pagá-la. Para ele, deveria haver um horizonte para sua aplicação gradual, mediante um fundo nacional, como o da educação, que complementasse os salários nos estados.
Seria implementada de forma escalonada, junto com a instituição da dedicação exclusiva dos policiais à segurança pública, com o fim do duplo emprego institucionalizado que temos hoje, "o mal chamado de "bico"".
"Não basta aumentar o salário ruim dos policiais", diz Sirkis. É preciso fazê-lo num contexto de melhoria da qualidade dos policiais, e, isso, ele considera incompatível com a atual rotina de trabalho descontínua, "o policial servindo à polícia duas vezes por semana e quase sempre ganhando mais na sua outra ocupação remunerada, nos dias de suposta folga".

No chão de outrora - JANIO DE FREITAS

FOLHA DE SP - 14/02/12

Quem faz aquele tipo de reintegração de posse do Pinheirinho não é de dar informações de seus atosObrigação do jornalismo raras vezes praticada pelos jornalistas, o retorno ao fato "encerrado" para verificar seus seguimentos (todos o têm, com menor ou maior interesse) fez com que Laura Capriglione e Marlene Bergamo recuperassem, pairando sobre os escombros do Pinheirinho, as muitas dívidas que as autoridades e nós outros temos com as 9.000 vítimas da brutalidade tsunâmica naquela falsa "recuperação de posse".
Os escombros das vidas vividas no Pinheirinho estão largados nos "abrigos" de quem, roubada sua moradia pela violência que se utiliza do nome da Justiça, espera pela prometida.
A anterior, cada família a fez com as próprias mãos. A próxima, se houver, será obra de uma empreiteira que aí colherá lucros extraídos de impostos pagos ao governo paulista. Inclusive pelos próprios desintegrados na reintegração do Pinheirinho. A engrenagem é diabólica.
E o que foi feito até agora do prometido? Não se sabe. Quem faz aquele tipo de reintegração de posse não é de dar informações de seus atos e compromissos públicos.
Nisso, porém, proporcionam uma oportunidade de quitarmos alguma coisa da nossa dívida: no papel de intermediários, dos cobradores chatos que ajudam a corroer, por muito pouquinho que seja, o esquecimento com que os grandes devedores querem acobertar os seus compromissos e as suas dívidas.
Há 22 dias, numerosos meios de comunicação exibiram a façanha policial de espancamento, a cassetete, de um homem sozinho, desarmado, mãos erguidas ao ver o grupo dos que andavam em direção oposta, paramentados como astronautas armados.
Geraldo Alckmin, acossado pela repercussão das imagens, prometeu investigação imediata do ocorrido. A investigar, mesmo, só havia a identidade do homem derrubado a porretadas e a dos facinorosos que o atacaram.
Mais de três semanas para fazê-lo -e nada. Diante disso, vale a pena questionar as investigações mais gerais? Aquelas que, no dizer de Geraldo Alckmin, começariam por um inquérito imediato sobre a ferocidade policial, e seus chefes, entre o ataque de surpresa às 6h da manhã e o último pedaço de casa ou de móvel a ser estraçalhado.
À falta do que dizer sobre a tal investigação, sobra o que dizer sobre a própria falta. Não se soube de providência alguma de Geraldo Alckmin, e também nada se soube da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência, cuja secretária, Maria do Rosário, manifestou seu horror ao ocorrido e comprometeu-se publicamente com as providências adequadas às suas obrigações.
Nada, porém. E nada das demais secretarias da Presidência também prontas a aparecer com as críticas óbvias e as medidas respectivas.
Uma providência, a rigor, uma houve. Laura e Marlene saíram do território de destroços informadas de que, a parir de ontem, os ex-moradores estão proibidos de voltar aos seus restos para garimpar uma ou outra coisinha.
Quem sabe até um brinquedinho de plástico ou uma peça de roupa, entre aqueles pedaços de suas vidas que logo vão ajudar a preencher o solo da especulação imobiliária.

Preços predatórios - CELSO MING


O Estado de S. Paulo - 14/02/12


Depois de passar nove anos defendendo religiosamente o achatamento dos preços dos combustíveis no Brasil, José Sergio Gabrielli, ainda na condição de presidente da Petrobrás, passou a admitir que essa política é "insustentável".

Em entrevista ao jornalista Fernando Dantas (Estadão de 12/2), Gabrielli acabou por reconhecer os prejuízos desse jogo. No entanto, ao denunciar publicamente o problema, não foi tão fundo quanto deveria ter ido.

Essa é uma política populista, à Argentina, suicida a longo prazo, sustentada com o caixa da Petrobrás. O governo determina o represamento dos preços dos derivados de petróleo (em especial, gasolina, óleo diesel e querosene de aviação) supostamente para não provocar irritações no consumidor e, assim, facilitar o jogo político. Com isso, provoca graves distorções.

A primeira delas é o aumento artificial do consumo, graças ao pagamento de parte da conta do consumidor pela Petrobrás. Como está no último Relatório da Petrobrás, ao longo de 2011, o consumo (vendas) de gasolina no Brasil cresceu 20%; o do óleo diesel, 9%; e o do querosene de aviação, 12% (Veja o Confira). Enquanto isso, o PIB avançou apenas 2,7%, como apontam as estimativas.

O próprio Gabrielli menciona uma segunda distorção: o desvio desses produtos subsidiados para o exterior – e não se trata aqui só das cidades de fronteira, onde o consumidor estrangeiro prefere se abastecer nos postos brasileiros. "Se a Petrobrás continuar com essa política e o preço internacional continuar nesse patamar" – disse Gabrielli –, "vai haver um processo irracional e ilógico de alguns distribuidores comprando derivados da Petrobrás e exportando."

Uma terceira distorção é a necessidade de importar derivados a preços cada vez mais altos para completar o suprimento nacional e, ao mesmo tempo, a revenda desses mesmos derivados no mercado interno a preços mais baixos. Esse foi, no último trimestre, um dos principais fatores que explicam os maus resultados da Petrobrás.

Os problemas não param aí. Além de provocar consumo artificial, essa política está solapando as bases de outro setor promissor no Brasil, o do etanol. Com queda da produção por dois anos consecutivos, o setor do açúcar e do álcool está se descapitalizando, porque a tecnologia flexfuel embutida nos veículos leva o consumidor a optar pela gasolina cada vez que o preço do álcool ultrapassa 70% do preço da gasolina. Mais uma vez, elevam-se artificialmente o consumo de gasolina e as perdas da Petrobrás.

Não fosse preciso fazer caixa para enfrentar investimentos totais de US$ 224,7 bilhões até 2015, a Petrobrás poderia continuar a pagar indefinidamente boa parte da conta do consumidor. No entanto, essa política predatória iniciada no governo Lula e mantida no governo Dilma está debilitando a Petrobrás, que já não vem dando conta de toda carga imposta pelo novo marco regulatório do pré-sal.

A nova presidente da Petrobrás, Graça Foster, empossada nesta segunda-feira com a missão de reforçar a "governança meritocrática"0 da empresa enfrenta agora o desafio de estancar essa hemorragia que a administração anterior não quis ou não teve forças para reverter.

Exame de consciência - CARLOS HEITOR CONY

FOLHA DE SP - 14/02/12

RIO DE JANEIRO - Não faz muito tempo, ouvi um cineasta declarar, mesmo sem pompa nem circunstância, que somente o cinema novo do Terceiro Mundo pode destruir o capitalismo, a globalização e os crimes ecológicos que estão destruindo o nosso planeta.
Já com alguma pompa e algumas circunstâncias, ouço, a cada dia, algum entendido declarar que o Brasil é a quinta, a quarta ou mesmo a terceira economia mundial, dependendo, é lógico, das citadas circunstâncias.
Como não entendo desses assuntos, faltam-me elementos para negar ou confirmar o grau de veracidade das duas afirmações. Quase nada conheço do cinema velho ou novo do Terceiro Mundo, admiro alguns filmes, mas não vejo neles nenhuma ameaça ao capitalismo. Pelo contrário: a produção e a distribuição, desde os tempos dos irmãos Lumière, são feitas dentro das regras fundamentais do regime capitalista.
Quanto ao ranking econômico, faço péssimo juízo da quase totalidade das nações que constituem o nosso mundo. Deve ser dramático o estado de miserabilidade de alguns países tidos como desenvolvidos (Suécia, Suíça, Reino Unido, Canadá, França, Alemanha etc.).
Em termos sociais e culturais, acredito que estamos na lanterninha ou perto dela. Não chego ao exagero de considerar que o nosso único fato realmente histórico foi o descobrimento (ou o achamento) do Brasil.
Numa visita a Berlim, levaram-me para conhecer uma biblioteca local. Consultei uma enciclopédia universal, fui diretamente ao índice, havia uma citação do Brasil com o número da página respectiva. Fui conferir. Havia realmente uma referência ao Brasil, a foto da nossa bandeira e cinco ou seis linhas, inclusive dando a latitude e a longitude do espaço que ocupamos neste mundo, vasto mundo.

As cidades e o sertão - LUIZ WERNECK VIANNA


O Estado de S. Paulo - 14/02/12



O diabo, ouve-se dizer, mora nos detalhes. A nomeação para o Ministério das Cidades do deputado federal pela Paraíba Aguinaldo Ribeiro (PP) não se pode perder no noticiário dos faits divers da política nacional, nem tanto pela falta de credenciais do indicado para exercer os papéis na direção de uma agência estratégica como essa - cabe-lhe, como se sabe, administrar o urbano, dimensão crucial da vida contemporânea -, menos ainda por já ter respondido em seu Estado a processos por improbidade administrativa, mas, sobretudo, pela sua linhagem política, a revelar de modo contundente o que há de reacionário na forma de imposição do nosso processo de modernização.

Certamente que atos dos nossos avoengos não nos comprometem - a responsabilidade por eles é puramente individual e não se transmite às futuras gerações. Contudo a sociologia já é uma disciplina científica estabelecida e há tempos fixou como critério na investigação social operações de escrutínio dos dados referentes às origens sociais dos atores sob sua observação. Na história recente da sociologia provavelmente ninguém melhor que Pierre Bourdieu, hoje no panteão da disciplina como um dos seus maiores, contribuiu para esclarecer o lugar do chamado capital social, conceito elaborado por ele, na produção e reprodução da hierarquia social numa dada sociedade.

Na sociologia brasileira, Sergio Miceli, ex-discípulo de Bourdieu, Leôncio Martins Rodrigues e Jessé de Souza, entre tantos autores relevantes, o primeiro na sociologia da cultura, os segundos na sociologia política, têm demonstrado em seus influentes trabalhos o papel explicativo, se bem que não determinante, da origem social a fim de dotar, ou de privar, os indivíduos do capital social que lhes vai demarcar, positiva ou negativamente, seus lugares em termos de poder ou de prestígio social.

O caso do deputado Aguinaldo Ribeiro, novo ministro guindado ao vértice de nossas instituições republicanas, é exemplar não por sua trajetória pessoal, mas pelo significado, digamos, macroestrutural de que se investe. Nele, por inteiro, se põe em evidência o segredo de Polichinelo da modernização brasileira, que, desde sempre, de Vargas a JK, passando pelo regime militar e que ora se renova, conquanto de modo velado, nos governos Lula e Dilma Rousseff, se radica no pacto implícito - quando necessário, explicitado - entre as elites modernas e as tradicionais, no caso em tela, dos seus setores vinculados social e politicamente à história do exclusivo da terra e ao sistema de controle autocrático que ele impôs no hinterland.

Com efeito, o deputado Aguinaldo Ribeiro é neto - como registra oportuna matéria do jornalista Raphael Di Cunto (Valor, 3/2) - do tristemente famoso usineiro Aguinaldo Velloso Borges, chefe de baraço e cutelo do agreste paraibano, acusado de mandar matar, em 1962, João Pedro Teixeira, uma das maiores lideranças dos trabalhadores do campo, então à frente da Liga Camponesa de Sapé, quando se destacou nacionalmente pela firmeza na defesa dos direitos da sua categoria social. Em 1983, o mesmo usineiro Aguinaldo foi, mais uma vez, apontado como responsável por mais um crime político, pois era disso que se tratava, com o assassinato sob encomenda de Maria Margarida Alves, símbolo das lutas feministas no País, cultuada na Marcha das Margaridas, que desde 2000, anualmente, desfila em avenidas de Brasília.

A saga de João Pedro Teixeira e de sua família foi objeto de um documentário, Cabra Marcado Para Morrer, obra-prima de Eduardo Coutinho, na época um jovem cineasta do Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes (UNE), surpreendido, em meio à filmagem no sertão, pelo golpe de 1964, salvos, depois de muita correria, ele e o filme, que esperou quase 20 anos para ser finalizado.

A matéria do jornalista Di Cunto informa ainda que a mãe do deputado Aguinaldo é prefeita de Pilar, pequena cidade paraibana, e Fábio Fabrini, repórter do Estado, em circunstanciada notícia (4/2) sobre a projeção na política regional da rede familiar do novo ministro, revela que sua irmã, hoje deputada estadual, é candidata à prefeitura da importante cidade de Campina Grande, sem contar outros membros da sua parentela em posições de comando na vida local e até na prestigiosa Embrapa, ponta de lança da moderna agricultura brasileira.

Está aí a mais perfeita tradução da quasímoda articulação, no processo de modernização capitalista do País, entre o moderno e o atraso, ilustração viva do ensaio de José de Souza Martins A Aliança entre Capital e Propriedade da Terra: a Aliança do Atraso (in A Política do Brasil Lúmpen e Místico, São Paulo, Editora Contexto, 2011) e que se vem atualizando por meio da conversão do imenso estoque de capital social, econômico e político do latifúndio tradicional, que se processa no circuito da política e mediante favorecimento da ação estatal, em que seus herdeiros se reciclam para o exercício de papéis modernos. Para quem é renitente em não ver, este é o lado obscuro do nosso presidencialismo de coalizão, via escusa em que os porões da nossa História se maquiam e mudam para continuarem em suas posições de mando.

De fato, num país com as heterogeneidades sociais e regionais que nos são características, o andamento para a conquista do moderno nas relações sociais e políticas, num contexto de democracia institucionalizada, não pode deixar de consultar sua História e as forças da sua tradição, a fim de ajustar, interpretativamente, seu movimento a elas. Mas isso não se pode confundir com a reanimação - como a que acaba de ocorrer -, sem princípios e em nome de razões instrumentais, procedida por políticas de Estado, das sedimentações socialmente recessivas que recebemos do passado, com as quais é preciso romper.

Está vendo? RENATA LO PRETE

FOLHA DE SP - 14/02/12


Munido de pesquisa feita para o PT, Fernando Haddad tentará convencer seus correligionários de que o Enem será, ao contrário do que apostam adversários, uma carta na manga do ex-ministro da Educação na disputa pela prefeitura de São Paulo. Segundo o levantamento, 51% da população da cidade considera o exame "positivo", a despeito dos seguidos problemas detectados. O resultado não chega a ombrear com o do ProUni (66% de aprovação), mas basta, no entender do candidato, para configurar uma vitrine de campanha.

Essa avaliação não é consensual entre petistas. Haddad acredita que a pesquisa reforçará seu argumento.

Paralelo Haddad martelará a tecla de que as restrições ao Exame Nacional do Ensino Médio seriam semelhantes às que oposicionistas faziam ao Bolsa Família antes de ficar claro o sucesso e, principalmente, o potencial eleitoral do programa.

Não na frente... Quem percorre as bases do PT na capital paulista atesta: a temperatura subiu vários graus depois da aparição de Kassab no aniversário do partido, na sexta-feira passada em Brasília. A turma do deixa disso acredita que a situação tem conserto, mas recomenda aos negociadores do casamento de conveniência um pouco mais de discrição.

...das crianças Do presidente do PT paulistano, Antônio Donato, sobre o correligionário Cândido Vaccarezza, que procurou minimizar as vaias ao prefeito, na festa do partido, lembrando episódios ocorridos no passado com o vice de Lula: " Não acho que contribua para o debate comparar as histórias políticas de José Alencar e de Gilberto Kassab".

Tudo a ver Haddad visitará amanhã o Sindicato dos Comerciários de São Paulo. O presidente da entidade, Ricardo Patah, comanda também a UGT, central fechada com o PSD de Kassab.

Pente fino A Controladoria Geral da União está auditando contratos de compra de Guardião -equipamento que armazena escutas telefônicas- firmados durante a gestão de Luiz Fernando Corrêa na Senasp (Secretaria Nacional de Segurança Pública). Ele, que depois dirigiu a PF, trabalha hoje no planejamento da Olimpíada.

Serviços gerais Foi o criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, mais conhecido como Kakay, quem operou a transferência de Christiane Araújo de Oliveira para o escritório Lacaz Martins, em São Paulo. A advogada teve de sair abruptamente do circuito brasiliense depois de relatar à PF contatos entre autoridades do governo Lula e Durval Barbosa, operador e delator do mensalão do DEM.

Pela boca 1 Na lista de contrariedades do governo com o leilão dos aeroportos, ocupa lugar de destaque uma declaração do vencedor de Viracopos deixando em aberto a possibilidade de não ser feita ali uma terceira pista, a depender da demanda.

Pela boca 2 Presidente da construtora Triunfo, líder do consórcio de Viracopos, Carlo Bottarelli logo em seguida disse que havia se confundido, mas o estrago no Planalto já estava feito.

Capital... Reunidos em SP, representantes de centrais (menos da CUT), Fiesp, Abimaq e dos setores do aço e têxtil fecharam calendário de atos contra a desindustrialização. O primeiro será em março no Rio Grande do Sul.

...e trabalho Em SP, a manifestação deve acontecer na primeira semana da abril na Assembleia. Trabalhadores e empresários reivindicam política industrial para os setores envolvidos.

Vem cá De volta ao trabalho, Miriam Belchior (Planejamento) sentará com o recém-indicado Aguinaldo Ribeiro (Cidades) para acertar ponteiros do Minha Casa, Minha Vida, programa que passa pelas duas pastas.

Tiroteio

Liguei para mamãe logo cedo e disse:

'Sou o homem mais poderoso da República. Derrubei o Zé Dirceu e agora vou derrubar o Mantega'.

DO PRESIDENTE DO PTB, ROBERTO JEFFERSON, ironizando avaliação do governo segundo a qual o denunciante do mensalão estaria por trás dos recentes boatos sobre a queda do ministro da Fazenda.

Contraponto

Escapou por pouco

Presente à posse de Graça Foster na presidência da Petrobras, Eduardo Paes contou a um amigo que, quando deputado oposicionista, fez duras cobranças à então diretora da empresa em visita dela ao Congresso. Tão duras que procurou-a dias depois para se penitenciar.

Brincando, o prefeito do Rio disse ontem:

-Já pensou se eu não tivesse pedido desculpas?

com FABIO ZAMBELI e ANDRÉIA SADI

Julgar juízes - LUIZ GARCIA


O Globo - 14/02/12


Sou do tempo em que a lei, pelo menos em tese e em princípio, era igual para todos, homens e mulheres, vilões e barões. E até agora pensava que essa norma igualitária continuava valendo. Por exemplo, no caso de julgamentos por júri, quando sete cidadãos votam pela punição ou absolvição dos réus. E a decisão é por maioria simples: sete a zero ou quatro a três, não faz diferença.
Santa ingenuidade. Na semana passada, o Supremo Tribunal Federal decidiu, por oito votos contra três, que juízes respondendo a processos disciplinares nas corregedorias dos tribunais e no Conselho Nacional de Justiça só serão punidos se a maioria absoluta dos seus julgadores concordar com uma determinada punição.
Como era antes, essa maioria era exigida apenas para determinar que os magistrados mereciam castigo.
E já existia uma extraordinária colher de chá: na decisão sobre a pena, se não existisse metade mais um dos votos, podia ser determinada a punição mais suave.
Mas era comum que não existisse castigo algum, quando as corregedorias que os julgavam não chegavam a um acordo sobre a pena.
O novo sistema é, em princípio, um tanto mais rigoroso. Mas o privilégio continua valendo: juízes acusados de algum delito disciplinar correm menos risco de serem castigados do que cidadãos comuns processados por delitos previstos no Código Penal. Por exemplo, um Zé Mané acusado de brigar com a lei pode ser preso preventivamente, mas um juiz em situação equivalente não pode mais ser afastado de suas funções antes de começar a responder a um processo administrativo. Ou seja, a suspeita de mau comportamento tem menos peso quando o acusado veste toga.
Uma boa decisão do STF foi manter o prazo de 140 dias, com uma prorrogação, nos processos disciplinares contra juízes. A Associação dos Magistrados Brasileiros — uma espécie de sindicato dos juízes, coisa que com certeza não existe na maioria dos países, digamos assim, mais antigos — tentou derrubar o prazo, alegando que ele seria inconstitucional. O que permite a desconfiança de que não é um mau prazo.

Se não é guerra, o que é? - ANTONIO DELFIM NETTO


Valor Econômico - 14/02/12


Quando o ministro Guido Mantega referiu-se à existência de uma "guerra cambial", houve grande alvoroço e não lhe pouparam críticas. Algumas até ferozes, alimentadas pelo nosso velho "complexo de vira-lata".

Indignaram-se com a ousadia do representante de um país emergente, que, eles creem, superou suas dificuldades mais ajudado pela sorte (a expansão mundial) do que pelas qualidades da política que herdou e piorou. E mais, que não se cansa de piorá-la com intervenções no mercado cambial condenadas pela "boa teoria econômica".

Pois bem. Os fatos agora evidenciam que há sim uma "guerra cambial" entre as três maiores economias do mundo (os Estados Unidos, a eurolândia e a China) e que os países emergentes estão sendo constrangidos a aceitar o jogo sujo em nome de uma precária cooperação mundial.

É óbvio que a China mantém há mais de duas décadas uma inteligente política de desenvolvimento (estimulada pelos EUA para isolá-la da URSS no tempo da Guerra Fria), apoiada numa consistente taxa de câmbio superdesvalorizada.

A briga de cachorro grande é entre os EUA e a eurolândia

Não se trata de criticar a China. Pelo contrário, devemos cumprimentá-la (ou invejá-la?) por cuidar tão bem dos interesses do povo chinês. Mas devemos reconhecer que manter o câmbio superdesvalorizado e fingir que segue as regras do "bom e honesto comércio", definidas pela OMC, é uma manifestação hostil com relação aos seus parceiros.

No caso, por exemplo, da competição interna entre a produção nacional e os produtos chineses importados, podemos aceitar que a superdesvalorização do yuan, somada à supervalorização do real, não é tudo. É, entretanto, no mínimo uma tolice dizer que ela é devida exclusivamente à incapacidade competitiva da indústria nacional.

A luta entre os três parceiros é complicada. A China leva uma grande vantagem: adotou, sem vergonha e sem remorso, uma espécie de "dollar standard", com o yuan controlado num nível praticamente fixo com relação ao valor do dólar americano. A briga de cachorro grande é entre os EUA e a eurolândia. O primeiro beneficia-se do fato de ser uma federação fiscal com instrumentos redistributivos, ter uma única língua, ter facilidade migratória e ter um Banco Central que é "emprestador de última instância".

Para entender a situação, é preciso lembrar que o socorro ao setor financeiro, que produziu a crise de 2007-09, destruiu as finanças dos Estados Unidos e revelou as violações fiscais dos países da eurolândia, cuja correção exige um "aperto fiscal", ou seja, uma redução da demanda pública.

Para não diminuir a demanda global (e o crescimento do PIB) é preciso, portanto, aumentar a demanda do setor privado: o consumo (com menor taxa de juro e ampliação do crédito); o investimento (com juro baixo e cooptação da confiança dos empresários) e a exportação (com a desvalorização da moeda).

É por isso que o Federal Reserve (Fed) e o Banco Central Europeu (BCE), com suas políticas monetárias, estão criando uma desvalorização competitiva entre o dólar e o euro.

Os emergentes (com exceção da China) veem as suas taxas de câmbio valorizarem-se, e seus mercados predados pelo uso da capacidade de produção ociosa dos três gigantes.

Tomemos o caso da Itália para facilitar o entendimento. Não há dúvida que: 1) suas finanças nunca foram de boa qualidade e que nas últimas duas décadas aplicou vários "planos de salvação" nacional (um pelo próprio novo presidente do BCE, Mario Draghi); 2) acumulou uma dívida imensa (com relação ao PIB); 3) foi enormemente beneficiada pela entrada na zona do euro, que produziu uma convergência da taxa de juros que paga, à taxa da dívida alemã, porque os mercados anteciparam que ela iria cumprir as condições do Tratado de Maastricht (déficit estrutural abaixo de 3% e redução da relação dívida/PIB para 60%); 4) a evolução da política italiana e a falta de continência salarial valorizou "virtualmente" a moeda italiana (a lira), que está apenas nominalmente fixada com relação ao euro; 5) isso produziu um déficit em conta corrente, que foi financiado de forma inconsequente pelo sistema financeiro internacional com a conivência das "notas" das agências de risco para os papéis italianos; e 6) quando chegou o momento da verdade (que chegaria de qualquer forma, mas foi antecipado pelo constrangimento do crédito produzido pela crise americana), ela teve de submeter-se a um regime de economia "forçada", que criou uma pressão recessiva que torna duvidosa a solução do problema.

Se não estivesse comprometida com o euro, a Itália desvalorizaria a sua moeda (a lira, como fez várias vezes no passado). O aumento das suas exportações e a diminuição de suas importações compensariam parte da queda da demanda pública pelo aumento da demanda privada. Como é evidente, esse caminho não existe mais.

Qual é a solução mais razoável para a Itália e seus parceiros dentro do euro? A desvalorização do próprio euro com relação ao dólar! Ela não terá nenhum efeito sobre o comércio dentro da eurolândia, mas será equivalente a uma desvalorização das suas moedas, aumentando as exportações e diminuindo importações para fora da eurolândia.

Pois bem. Um pouco mais da metade das exportações italianas e de seus parceiros é para países fora da eurolândia, o que significa que a desvalorização do euro é uma ajuda para compensar parte da queda de atividade interna produzida pela política de aperto fiscal.

A grave embrulhada é que a política do Fed também estimula a desvalorização do dólar frente ao euro, o que já produz resultado visível a olho nu nos saldos em conta corrente (excluído o petróleo) dos Estados Unidos...

Que tenham sucesso - BENJAMIN STEINBRUCH


FOLHA DE SP - 14/02/12

Os ganhadores dos leilões dos três aeroportos são instituições que acreditam na economia brasileira


Foi uma demonstração de força do capital nacional. Ninguém tira esse mérito do evento da semana passada, quando a administração dos três maiores aeroportos do país foi concedida à iniciativa privada com o compromisso de pagamento de R$ 24,5 bilhões à União, na primeira grande operação de privatização do governo petista.
A avaliação equilibrada desse evento permite comemorações, mas também exige cuidados. Não se justificam as observações críticas sobre a ausência, nos consórcios ganhadores, de operadores de aeroportos de países desenvolvidos.
No aeroporto de Cumbica, que serve à região metropolitana de São Paulo, faz parte do consórcio a administradora de aeroportos da África do Sul, inclusive o de Johannesburgo. No de Brasília está uma companhia argentina e, em Viracopos, uma francesa com forte presença na África e em um aeroporto de menor porte na própria França.
Não se poderia imaginar que as maiores operadoras do chamado Primeiro Mundo pudessem ter grande ímpeto para participar do leilão brasileiro neste momento pela obvia razão de que há uma crise brutal no Primeiro Mundo. É razoável, portanto, imaginar que essas empresas tenham pouco apetite para assumir maiores riscos enquanto persistir a indefinição dos rumos da atual crise. Algumas até participaram do leilão, inclusive uma alemã e outra suíça.
Outra avaliação crítica diz respeito à presença dos grandes fundos de pensão brasileiros no negócio. Do consórcio vencedor em Cumbica, cuja concessão vai custar R$ 16,2 bilhões por 20 anos, participam os fundos de previdência do Banco do Brasil, da Petrobras e da Caixa Econômica Federal.
Nada diferente se pode esperar de instituições como essas, cuja obrigação é administrar recursos que serão exigidos no longo prazo pelos beneficiários dos fundos.
Ao adquirir participação na operação de um aeroporto como o de São Paulo, pelo qual passam 30 milhões de passageiros por ano e 160 mil pessoas por dia, os fundos estão apostando num negócio que consideram rentável no longo prazo. E não há razão para não acreditar nisso. Qualquer beneficiário, em sã consciência, vai preferir que seu fundo de pensão dê prioridade a bons investimentos que permitam rentabilidade no longo prazo e não a operações de curto prazo, que podem dar lucros imediatos, mas não garantem a longevidade do fundo.
A terceira avaliação crítica refere-se ao fato de que o BNDES deverá financiar 60% das obras civis e 80% dos recursos necessários para a compra de equipamentos nacionais pelos grupos vencedores. Aqui a crítica é pueril, porque cabe ao banco apoiar o desenvolvimento e dele se espera que financie projetos como esses, vitais para modernizar a infraestrutura do país.
Pode dar errado? Pode. Nenhum negócio tem 100% de certeza, até porque o risco é inerente à iniciativa empresarial. E, nesse caso, caberia à autoridade pública e à Infraero, que terá 49% do negócio em cada uma das três concessões, intervir a tempo para que não haja deterioração dos serviços aeroportuários, dada sua natureza essencial.
Supõe-se, porém, que os ganhadores dos leilões tenham feito simulações aprofundadas sobre as receitas e os retornos de seus investimentos. Não são recomendáveis comparações que consideram os lucros atuais dos aeroportos insuficientes para pagar o investimento necessário para a obtenção da outorga.
Para refrescar memórias, observamos que, quando participamos da privatização da Vale, a companhia estatal lucrava anualmente
R$ 517 milhões. Esse foi o valor do resultado da mineradora em 1996, último ano como estatal, que era uma das mais bem administradas pelo Estado. Mesmo assim, três anos depois, em 1999, o lucro havia subido para R$ 1,3 bilhão, apesar de ter sido esse o período da "crise da Ásia". A mudança foi consequência das reestruturações e da eficiente administração privada.
Como nos anos 1990, os ganhadores dos leilões dos três grandes aeroportos são pessoas e instituições que acreditam na economia brasileira e no capitalismo nacional. Que tenham sucesso.

Rumo à estação Arena - DORA KRAMER

 O Estado de S.Paulo - 14/02/12



Vista assim do alto, a questão parece simples: a direção nacional do PT quer se juntar ao prefeito Gilberto Kassab na eleição de São Paulo. Parte dos dirigentes regionais e a militância em geral rejeitam a aliança e isso põe o partido no rumo da divisão irremediável.

Até faz sentido, mas o raciocínio parte de premissa errada e, portanto, chega a uma conclusão equivocada sobre um partido cujo projeto de poder funciona como firme amálgama e o acúmulo de vitórias cura todas as feridas.

O processo que levou à eleição de Dilma Rousseff e a "escolha" de Fernando Haddad para candidato a prefeito de São Paulo à revelia inicial de significativas correntes petistas são provas materiais.

Com a ascensão ao poder nacional, o PT deixou de lado a prática, ficando apenas com a veleidade de ser de esquerda.

Desde então, navega aqui e ali a bordo do discurso de antigamente enquanto radicaliza na "flexibilização" dos parâmetros de sua política de alianças.

Com isso, abandonou a tradição da divisão esquerdista em contraposição à propagada unidade de ação das forças classificadas como de centro ou de direita, seja lá qual for o significado dessa escala hoje em dia.

Em suma, vai errar quem apostar em racha no PT, assim como se equivocam os que fazem elucubrações sobre incompatibilidades políticas entre Lula e Dilma.

O plano de ocupação de todos os espaços disponíveis, possíveis e impossíveis no espectro político não abriga indisciplinas nem considera ideologias ou coerências. É puramente pragmático.

Por isso mesmo o minueto em cartaz entre Kassab e o PT tem dimensão muito mais nacional que propriamente municipal. Sintomático que o prefeito tenha escolhido ir à festa dos 32 anos do partido em Brasília e não à comemoração feita em São Paulo.

Revelador que sido vaiado pela plateia e aplaudido pelos que estavam no palco. Os revoltados consideravam a visita um acinte, mas raciocinavam a partir dos dados do cenário municipal.

Este, de fato, tende a ser desfavorável em função da existência de um fator determinante: a opinião do público.

Na festa, quem aplaudia olhava o visitante como quem mira uma peça preciosa no jogo de expansão e consolidação de hegemonia na política nacional.

Mal comparando, conforme funcionou na velha Arena a quem todos se rendiam por força do autoritarismo, aqui substituído pelo canto da sereia do puro e simples governismo.

Se ficar muito difícil fazer a aliança para a eleição de 2012 com Gilberto Kassab, o PT não fará. Tem condições de ganhar sem a companhia do prefeito e talvez até chegue à conclusão de que a união formal seja contraproducente.

Na questão imediata, Kassab também tem outras saídas. Mas no plano nacional ambos desenvolvem um interesse mútuo.

O PT no PSD de mais de 40 deputados e "plantado" em alianças com todos os partidos e em todos os Estados. Kassab em participar da onda expansionista para garantir um lugar ao sol quando - e se - não sobrar território fora da área de influência dos atuais donos do poder.

Música e política. Sai em maio, pela Nova Fronteira, o primeiro volume de Quem foi que inventou o Brasil, resultado de uma pesquisa de mais de 15 anos feita pelo jornalista e ex-ministro Franklin Martins sobre músicas que retratam circunstâncias, fatos, períodos e movimentos políticos no Brasil entre 1902 e 2002.

São dois livros (o segundo deve ser lançado em setembro) com 700 páginas e cerca de 400 verbetes cada um, acompanhados de um DVD com as gravações das canções, todas referidas na vida política do País.

O primeiro vai do início do século - com a música As laranjas de Sabina, de Arthur Azevedo, que relata revolta de estudantes pró-República em 1889 - até 1964, com a Marcha da Quarta-Feira de Cinzas, de Vinícius de Morais e Carlos Lyra, composta em 1963 e considerada premonitória do clima que tomaria conta do Brasil com o golpe militar.

Angústias de um colarinho-branco - ARNALDO JABOR


O Estado de S.Paulo - 14/02/12


"Doutora, eu procurei a psicanálise porque ando com um estranho sintoma: estou com o que vocês chamam de 'sentimento de culpa'... Tive essa ideia quando vi aquele seriado na TV, Os Sopranos, com o chefão da Máfia de New Jersey chorando para uma psicanalista de lindas pernas. Como a senhora...

Tenho tido pesadelos: sonho que morri assassinado por mim mesmo, que estou preso com traficantes estupradores. Não mereço isso, eu, que sempre assumi minha condição de corrupto ativo e passivo... (sem veadagem... claro).

Não sou um ladrão de galinhas, mas já roubei galinhas do vizinho e até hoje sinto o cheiro das penosas que eu agarrava. Há há há... Mas hoje em dia, doutora, não roubo mais por necessidade; é prazer mesmo. Estou muito bem de vida, tenho sete fazendas reais e sete imaginárias, mando em cidades do Nordeste, tenho tudo, mas confesso que sou viciado na adrenalina que me arde no sangue na hora em que a mala preta voa em minha direção, cheia de dólares, vibro quando vejo os olhos covardes do empresário me pagando a propina, suas mãos trêmulas me passando o tutu, delicio-me quando o juiz me dá ganho de causa, ostentando honestidade e finge não perceber minha piscadela marota na hora da liminar comprada (está entre 30 a 50 mil dólares, hoje), babo ao ver juízes sabujos diante de meu poder de parlamentar e fazendeiro rico.

Como, doutora? Se me sinto superior assim? Bem, é verdade... Adoro a sensação de me sentir acima dos otários que me 'compram', eles se humilhando em vez de mim. Roubar me liberta. Eu explico: roubar me tira do mundo dos 'obedientes' e me provoca quase um orgasmo quando embolso uma bolada. Desculpe... a senhora é mulher fina, coisa e tal, mas, adoro sentir o espanto de uma prostituta, quando eu lhe arrojo mil dólares sobre o corpo e vejo sua gratidão acesa, fazendo-a caprichar em carícias mais perversas.

É uma delícia, doutora, rolar, nu, em cima de notas de cem dólares na cama, de madrugada, sozinho, comendo chocolatinhos do frigobar de um hotel vagabundo, em uma cidade onde descolei a propina de um canal de esgoto superfaturado. Gosto da doce volúpia de ostentar seriedade em salões de caretas que te xingam pelas costas, mas que te invejam pela liberdade cínica que te habita. Suas mulheres me olham excitadas, pensando nos brilhantes que poderiam ganhar de mim, viril e sorridente - todo bom ladrão é simpático. A senhora não tem ideia, aí, sentada nessa poltrona do Freud, do orgulho que sinto, até quando roubo verbas de remédios para criancinhas, ao conseguir dominar a vergonha e transformá-la na bela frieza que constrói o grande homem. E, agora, este sentimentozinho de 'culpa' tão chato...

Sei muito bem os gestos rituais da malandragem brasileira: sei fazer imposturas, perfídias, tretas, sei usar falsas virtudes, ostentar dignidade em CPIs, dou beijos de Judas, levo desaforo para casa sim, sei dar abraços de tamanduá e chorar lágrimas de crocodilo... Sou ótimo ator e especialista em amnésias políticas. Eu já declarei de testa alta na Câmara: 'Não sei nem imagino como esses milhões de dólares apareceram em minha conta na Suíça, apesar destes extratos todos, pois não tenho nem nunca tive conta no exterior!' Esse grau de mentira é tão íntegro que deixa de ser mentira e vira uma arte.

Doutora, no Brasil há dois tipos de ladrões de colarinho-branco: há o ladrão 'extensivo' e o 'intensivo'.

Não tolero os ladrões intensivos, os intempestivos sem classe... Faltam-lhes elegância e finesse. Roubam por rancor, roubam o que lhes aparece na frente, se acham no direito de se vingar de passadas humilhações, dores de corno, porradas na cara não revidadas, suspiros de mãe lavadeira.

Eu, não. Eu sou cordial, um cavalheiro; tenho paciência e sabedoria, comecei pouco a pouco, como as galinhas que roubei na infância, que de grão em grão enchiam o papo... Eu sou aquele que vai roubando ao longo da vida política e, ao fim de décadas, já tem Renoirs na parede, iates, helicópteros, esposas infelizes (não sei por que, se dou tudo a ela), filhos estroinas e malucos... (mandei estudar na Suíça e não adiantou).

Eu adquiri uma respeitabilidade altaneira que confunde meus inimigos, que ficam na dúvida se me detestam ou admiram. No fundo, eu me acho mesmo especial; não sou comum.

Perto de mim, homens como PC foram meros cleptomaníacos... Sou profissional e didático... Considero-me um Gilberto Freyre da corrupção nacional...

Olhe para mim, doutora. Eu estou no lugar da verdade. Este País foi feito assim, na vala entre o público e o privado. Há uma grandeza insuspeitada na apropriação indébita, florescem ricos cogumelos na lama das maracutaias. A bosta não produz flores magníficas? O que vocês chamam de 'roubalheira', eu chamo de 'progresso'. Não o frio progresso anglo-saxônico, mas o doce e lento progresso português que formou nossa tolerância, nossa ambivalência entre o público e o privado.

Eu sempre fui muito feliz... Sempre adorei os jantares nordestinos, cheios de moquecas e sarapatéis, sempre amei as cotoveladas cúmplices quando se liberam verbas, os cálidos abraços de famílias de máfias rurais... A senhora me pergunta por que eu lhe procurei?

Tudo bem; vou contar.

Outro dia, fui assistir a uma execução. Mataram um neguinho no terreno baldio. Ele implorava quando lhe passaram o fio de náilon no pescoço e apertaram até ele cair, bem embaixo de uma placa de financiamento público. Na hora, até me excitei; mas quando cheguei em casa, com meus filhos vendo High School Musical na TV, fui tomado por este mal-estar que vocês chamam de 'sentimento de culpa'...

Por isso, doutora, preciso que a senhora me cure logo... Tem muita verba pública aí, muita emenda no orçamento, empreiteiros me ligando sem parar... Tenho de continuar minha missão, doutora..."

Lula e suas criaturas - ELIANE CANTANHÊDE


FOLHA DE SP - 14/02/12

BRASÍLIA - Gilberto Kassab está para José Alencar assim como Fernando Haddad está para Dilma Rousseff na eleição paulistana.
Lula viveu uma vida de disputas e de desafios, até chegar à Presidência e sair dela com estonteantes 80% de popularidade. Mas ainda quer mais. Sua nova disputa é para derrotar o PSDB no seu último grande reduto, São Paulo. Seu novo desafio é reproduzir suas criaturas Dilma e Alencar no nível municipal.
Kassab, como Alencar, começou na direita, deu um passo à frente aliando-se ao PSDB de José Serra e se transformou num parceiro suprapartidário que tem vários interesses complementares com o PT. Se a principal construção de Alencar foi a sua empresa, hoje multinacional, a de Kassab é o PSD, que já nasce como terceira bancada da Câmara.
Kassab precisa de Dilma como Alencar precisou de Lula para "subir na vida" política, mas Lula, Dilma e o PT precisam de Kassab tanto quanto precisaram de Alencar. A diferença é de proporção: uma eleição é municipal, a outra foi presidencial.
Eis o cálculo de Lula: o PT -como ele próprio- tinha um teto nacional e tem um teto paulistano. Nos dois casos, só ampliaria horizontes, financiamentos, aliados e votos compondo à direita. Danem-se as diferenças.
Uma chapa Lula-alguém da esquerda não acrescentaria nada. Já Lula-Alencar mudou tudo. Uma chapa Haddad-esquerda bate no ranço anti-PT de parte do eleitorado. Já Haddad-indicado de Kassab...
Para Alencar, o céu era o limite. Para Kassab, também. Líder patronal, Alencar virou vice do líder sindical. Ex-malufista, Kassab deve emplacar o vice do petista Haddad.
Até o "début" no PT foi igual: tanto Alencar na convenção que fechou a chapa de Lula quanto Kassab na festa dos 32 anos do partido foram o centro das atenções, vaiados pela massa, aplaudidos pela cúpula. Sei não, mas essa aliança de Lula e Dilma com Kassab ainda vai longe.

Ueba! Antas do 'BBB' tem orgASNO! - JOSÉ SIMÃO


FOLHA DE SP - 14/02/12
Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador -geral da República! Direto do País da Piada Pronta: o novo presidente do Corinthians é um delegado. Rarará! Que contradição! Aliás, o Corinthians tá negociando os direitos do nome do estádio com o banco Itaú. Então sugiro: ITAUQUERÃO! Rarará!
E a piada pronta do século: "Juiz determina que morador de rua cumpra prisão domiciliar". Pensa que é só no Brasil? "Ministra da Saúde da França pede a sem-teto que evitem sair de casa". Por causa do inverno. Globalizaram a piada pronta.
E a advogada de defesa do Lindemberg, que está sendo julgado por homicídio: "Espero que o júri venha desarmado". E um leitor quer saber se aquelas antas do "BBB" tem orgasmo ou orgasno? Rarará! Já imaginou uma anta tendo um orgasno? NatGeo Wild. Animal Planet!
E o Carnaval? Manchete do Sensacionalista: "Carnaval ameaçado: vendedores de cerveja ameaçam entrar em greve". Rarará!
E a chuva de bundas na televisão? Nada contra. Ao contrário. Mas o que o brasileiro tem contra o resto do corpo? Rarará!
Uma amiga tem uma bunda tábua de passar roupa e vai passar o Carnaval na Dinamarca! Pediu asilo "bundístico" na Dinamarca. Aliás, um amigo meu passou o Carnaval na Dinamarca e a única bunda que ele viu foi a bunda vermelha de um orangotango no zoológico!
E uma amiga minha vai sair fantasiada de vaga-lume: coloca uma lâmpada no fiofó e sai rebolando!
E mais uma predestinada: sabe como se chama a bibliotecária da Câmara dos Deputados de Brasília? Antonia Memória. Já imaginou a cena? "Dona Antonia, 'Dom Casmurro' de Machado de Assis." "Corredor sete, estante três, 12º livro da esquerda pra direita." "Dona Antonia, 'Marimbondos de Fogo' de José Sarney." AMNÉSIA! Dona Memória ficou com amnésia.
Aliás, no Maranhão tem um bar chamado Pinguelo de Fora. Já imaginou o Sarney com o pinguelo de fora? É Carnaval! Rarará!
Carnaval! Blocos 2012! Direto de Belém do Pará: Filhos de Glande! A versão amazonense do Filhos de Gandhi. O bloco mais democrático do planeta. Porque todos são filhos de glande. Eles aceitam de tudo, até políticos. Tema deste ano: Chico Buarque. Pra ver a glande passar! Direto de Olinda: CUMERO MÃE! Nem a mãe sobra no Carnaval! Nóis sofre, mas nóis goza. Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

É poder de competição, estúpido! - RUBENS BARBOSA


O Globo - 14/02/12


Apesar dos níveis recordes em 2011, a preocupação sobre a evolução do comércio exterior é grande. A concentração das exportações em poucos produtos e a perda de mercados dos manufaturados aumentaram a vulnerabilidade do setor externo e mostraram os problemas do setor produtivo industrial.
O sucesso da política econômica e do comércio exterior, que quadruplicou em 10 anos, esconde os verdadeiros problemas da economia em geral e do setor externo em particular. A desindustrialização é um triste fato. A indústria, que já representou 25% do PIB, hoje está reduzida a menos de 15%. O consumo doméstico é atendido cada vez mais por importações (22,3%), fazendo desaparecer fornecedores nacionais e empregos.
O déficit na balança comercial industrial subiu a mais de US$ 90 bilhões. As exportações se reprimarizam (produtos primários representam 70% das exportações e 4 produtos, quase 50%).
"Os números de janeiro da balança comercial comprovam o descaso do governo brasileiro com o setor produtivo do país. Estamos diante de uma situação muito grave, que pode comprometer nossa capacidade de gerar riquezas e empregos. O governo não pode ficar parado e se limitar apenas ao discurso.
Há meses estamos alertando para o problema da avalanche de importados, que afeta severamente a nossa indústria. O Brasil não pode mais esperar, é preciso que as autoridades adotem imediatamente medidas eficazes que garantam a igualdade de condições para a produção nacional", afirmou dura, mas corretamente Paulo Skaf, presidente da Fiesp.
Na área da negociação externa, nos últimos dez anos, o aumento das exportações pouco teve a ver com a abertura de mercados por meio de acordos comerciais, pois somente acordos com Israel, Egito e agora com a Autoridade Palestina foram assinados, no âmbito do Mercosul. Uma nova estratégia de negociação de acordos de livre comércio é necessária.
Enquanto essa é a situação no Brasil, o presidente Obama, na mensagem anual ao Congresso ("State of the Union"), ofereceu um bom exemplo de como defender de forma vigorosa a indústria manufatureira com visão de futuro.
Procurando trazer de volta empregos para a economia, anunciou um ambicioso programa de apoio á indústria doméstica. O conjunto de medidas incluiu a aprovação de ampla reforma tributária, novos impostos para as multinacionais que se instalam no exterior e exportam empregos, e redução de tributos para as empresas de transformação e de alta tecnologia, além de programas de treinamento profissional especializado. Na área de comércio exterior, Obama reiterou a meta de dobrar as exportações em cinco anos, o avanço nas negociações de novos acordos de livre comércio e o reforço da promoção das exportações e da defesa comercial com a criação de uma unidade de acompanhamento da aplicação das regras comerciais, responsável pela investigação de práticas desleais de comércio em países como a China.
Por aqui, nos últimos dez anos, as medidas de apoio à indústria ignoraram a principal causa da rápida perda da competitividade da economia nacional.
O custo Brasil está tendo um efeito devastador na economia. De imediato, com a perda de mercado no setor exportador e a crescente saída de empresas brasileiras, e, a médio e longo prazos, com o aumento do desemprego e com a redução de investimentos.
A exemplo dos EUA, a desoneração tributária deveria encabeçar a agenda do governo para enfrentar a competição externa.
Defesa comercial apenas não melhora a competitividade. O custo da energia, a alta taxa de juros, a apreciação cambial que anula a proteção tarifária, as ineficiências burocráticas, a guerra de incentivos nos portos e seus altos custos operacionais, o descalabro da infraestrutura, o peso dos gastos com a corrupção e com a aplicação da legislação trabalhista poderiam, se atenuados, representar significativa redução dos mais de 35% no custo final dos produtos.
Em resumo, é a competitividade, estúpido. O setor privado já fez a sua parte com o aumento da produtividade das empresas. Se o governo não atacar de frente o custo Brasil, a reindustrialização brasileira ficará seriamente ameaçada.

Segurança Zero - MÔNICA BERGAMO

FOLHA DE SP - 14/02/12
O Estado de SP terá que indenizar em 150 salários mínimos a família de Giovane Batista de Lima, morto aos 27 anos por um colega de cela, em 1999, na extinta Casa de Detenção do Carandiru. O Tribunal de Justiça acolheu recurso da Defensoria pedindo aumento da reparação, inicialmente de 50 salários. Lima teve várias perfurações, traumatismo craniano e hemorragia.

QUEIJO SUÍÇO

O Estado foi responsabilizado por não ter zelado pela integridade de um preso sob sua custódia nem impedido que armas brancas chegassem à cela. Caberia recurso da decisão, mas a Procuradoria Geral do Estado não pretende contestar.

CASO RARO

A condenação do Estado pela morte de um detento por colega de cela é excepcional. A maioria dos casos semelhantes refere-se à atuação da polícia no massacre do Carandiru, em 1992. Há também alguns questionamentos por omissão de socorro durante rebeliões.

MEU IAIÁ, MEU IOIÔ

Jair Rodrigues fez uma homenagem ao cantor Wando, morto na semana passada, no aniversário de Augusto César Uzêda, diretor da área internacional da construtora OAS. Interpretou "O Importante É Ser Fevereiro", composta pelo ídolo romântico. Na plateia da apresentação, no sábado, o ex-ministro José Dirceu, o vereador Netinho de Paula e o marqueteiro Valdemir Garreta.

GIANE NA GALERIA

Reynaldo Gianecchini está de volta. No sábado, foi à exposição de Guga Szabzon na galeria Transversal. "É uma das primeiras vezes que saio. Estava trancado havia sete meses." Em março, o ator, que se trata de um câncer, retoma a peça "Cruel". No final de abril, faz turnê pela periferia de São Paulo nos CEUs.

NA GALERIA 2

Até lá, ele quer descanso. "Quero ir para a natureza, ver árvore, terra. No Carnaval, vou ficar quieto em casa. Preciso agora cuidar da minha alimentação, me desintoxicar." Sobre campanhas publicitárias, diz que não são prioridade: "Quero começar bem devagar".

ELÁSTICA
A atriz Maitê Proença, 54, diz à revista 'Contigo!' desta semana que 'posso passar meses sem fazer ou pensar em sexo, mas não sou frígida'; fala que 'normalmente faço pilates e musculação no Copacabana Palace, que é meu playground, e eventualmente faço botox, bem pouco'

BAILA COMIGO
As modelos Izabel Goulart, Fernanda Tavares, Luciana Curtis e Michelli Provensi foram ao Baile de Gala de Carnaval da "Vogue". As apresentadoras Ana Hickmann e Luciana Gimenez circularam pelo hotel Unique.

QUATRO MÃOS
O Itaú Cultural fará uma grande exposição sobre Lygia Clark em setembro. A família da artista está certificando cerca de 60 obras inéditas junto com o instituto.

TINTAS NO RIO
E a ministra Tereza Campello (Desenvolvimento Social) está organizando uma exposição de Candido Portinari para a Rio+20, conferência sobre sustentabilidade da ONU, em junho. A família do artista cedeu os direitos de uso de imagem ao programa Brasil sem Miséria, do governo federal.

MAMA ÁFRICA
A cantora africana Angelique Kidjo, vencedora do Grammy, se apresentará na abertura do Carnaval do Recife, na sexta.

ANTES DO OSCAR

Carlinhos Brown gravou "Jurupari", música-tema de "Tainá - A Origem", terceiro longa da série infantil, na semana passada. A letra, de Luiz Avellar, é em tupi-guarani. Brown concorre ao Oscar de melhor canção com a música do filme "Rio".

BABE, O PORQUINHO
Na madrugada de sábado para domingo, o chef Alex Atala foi visto saindo da galinhada do restaurante Dalva e Dito com um leitãozinho debaixo do braço. O animal foi presente de outro chef, o francês Eric Jacquin.

CAIXINHA DE JOIA
Um crucifixo de madrepérola que era de Cacilda Becker (1921-1969) foi usado pela cantora Virgínia Rosa na gravação do clipe da música "Cacilda", no Teatro Oficina, em SP. A joia foi emprestada pela atriz Cleyde Yáconis, irmã de Cacilda.

CURTO-CIRCUITO
A banda Doideca toca músicas de Luiz Tatit e Itamar Assumpção nesta quinta, às 20h30, no Sesc Vila Mariana. 12 anos.

Erika dos Mares Guia apresenta hoje, das 10h às 22h, prévia da coleção de inverno da M & Guia, em sua loja dos Jardins.

A boate The History terá programação de Carnaval de sexta até a próxima terça. Classificação: 18 anos.

O AfroReggae entrega hoje, às 20h, no Vivo Rio, o 12º Prêmio Orilaxé.

com DIÓGENES CAMPANHA, LÍGIA MESQUITA e THAIS BILENKY

Carta na mesa - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 14/02/12


A Grécia já passou do ponto de ser salva. Os credores foram longe demais; o país, também. Nem o remédio que os credores prescrevem é viável, nem os gregos estão dispostos a usá-lo. O país está há três anos em recessão, a apenas dois meses de uma eleição geral e com as ruas em chamas. Desse jeito, a Grécia caminha para uma moratória descontrolada. A Europa pressiona os gregos e já se preocupa com Portugal.

No domingo, com o povo enfrentando a polícia, o governo em crise pela demissão de seis ministros, com 40 deputados da coalizão votando contra, o parlamento aprovou as novas medidas de austeridade. Mesmo assim, ontem, a Zona do Euro começou a emitir sinais de que isso não era suficiente.

A troika - FMI, Banco Central Europeu e Comissão Europeia - quer uma carta aos gregos em que todos os partidos afirmem que cumprirão o que foi aprovado no domingo pelo parlamento. Muitos economistas europeus têm dito que é melhor deixar a Grécia à própria sorte e tentar fazer um cordão de isolamento para salvar o segundo da fila, que é Portugal.

A Grécia caminha para um cenário argentino. Nosso vizinho, como se lembram, na virada de 2001 para 2002 viveu um colapso político, seguido de uma mudança drástica na política de câmbio fixo. Com a explosão da dívida externa e nenhuma ajuda, a Argentina decretou uma moratória e impôs aos credores uma perda de mais de 70%. Depois, conseguiu se recuperar e crescer.

Não foi fácil para os argentinos. Eles tiveram uma grande recessão e perderam parte do dinheiro aplicado. Como tinham suas aplicações em dólar ou na moeda local com uma paridade fixa com o dólar, o governo arbitrou uma taxa de conversão que reduziu drasticamente o valor do que os argentinos tinham poupado. Além disso, não tiveram acesso ao próprio dinheiro por um bom tempo. Foi o "corralito".

Quem olha a sucessão de eventos dos últimos dois anos vê que a Grécia está andando em círculos e cada vez piora mais, repetindo velhos enredos. Já fez vários pacotes de ajustes que seriam salvadores. Mas não foram. O PIB teve recessão de 2% em 2009; 4%, em 2010; 5% em 2011; e o nível de atividade continua a cair. O desemprego é de 20,9%, e entre jovens é de 48%.

Agora, como remédio - e condição para emprestar uma nova parcela dos 130 bilhões prometidos à Grécia - a troika pediu mais demissão de funcionários públicos, corte de salários e pensões, o que vai deprimir mais ainda a economia.

Se tivessem perguntado aos latino-americanos, nós poderíamos dizer o que não dá certo. Esse remédio não dá certo. Ao mesmo tempo, é inevitável que o credor, para dar mais dinheiro, peça garantias. O erro foi cometido antes. No gráfico abaixo fica claro que desde 2001 o país ficou com uma dívida em torno de 100% do PIB, até que ela passou a aumentar mais fortemente depois da crise financeira de 2008. É preciso lembrar dois eventos: primeiro, o governo de centro-direita que governou até 2009 tinha manipulado os números, escondendo déficit e dívida; segundo, a Europa nada fez para exigir que a Grécia tentasse voltar ao nível exigido de dívida, que é 60% (vejam a linha pontilhada, no gráfico). E não exigiu porque países grandes também estavam fora do limite estabelecido. Em resumo, todos erraram. A Grécia vem mantendo um setor público gigante, que emprega 20% da população economicamente ativa do país. No Brasil, que tem 93 milhões aptos a trabalhar, seria como se o governo tivesse 19 milhões de funcionários.

A saída argentina, de simplesmente dizer que não paga e pular sem qualquer paraquedas, será mais difícil na Grécia, segundo a economista Monica de Bolle, da Galanto Consultoria:

- A Argentina tinha duas vantagens em relação à Grécia. Não fazia parte de uma união monetária e pegou o mundo em forte crescimento, a partir de 2003. A Grécia terá pela frente um mundo de crescimento baixo e poderá ser expulsa da União Europeia se deixar a Zona do Euro. O efeito contágio da Grécia é muito maior exatamente porque ela está numa união monetária.

O povo grego, explicou a economista, comprou há dois anos a ideia de que era o sacrifício ou o caos. E fez o sacrifício, viu o parlamento votar a favor da demissão de funcionários públicos, aumento de impostos, cortes de salários, redução de pensões e aposentadorias. Mas não viu melhora. Hoje, a Grécia é um país insolvente, e a redução do déficit não aconteceu como previsto porque as receitas do governo também ficaram menores com a retração econômica. Ou seja, para o povo grego, o esforço parece ter sido em vão.

Ontem, as bolsas abriram em alta, comemorando a aprovação pelo parlamento grego das medidas de ajuste. Mas para essa crise há apenas alívios temporários. Já é tarde.

Resposta a Vladimir Safatle - JOÃO PEREIRA COUTINHO


FOLHA DE SP - 14/02/12

Nada tenho contra a ignorância. Na melhor tradição socrática, sei que a ignorância é a base de qualquer conhecimento válido.

Coisa diferente é a ignorância atrevida; ou a má-fé intelectual de quem falsifica os factos para construir uma narrativa "apropriada".

Vladimir Safatle é um caso: dias atrás, escrevi nesta Folha que o seu texto sobre o conflito israelense-palestino revelava desconhecimento sobre aspectos básicos do problema, que qualquer um dos meus alunos aprende no 1º ano de faculdade.

Lendo a resposta de Safatle à minha resposta, vejo que me enganei --e devo um pedido de desculpa aos leitores.

Safatle não revela apenas desconhecimento; revela desconhecimento, desonestidade e um desagradável traço de grosseria.

Sobre a grosseria, digo apenas isto: no meu texto, em nenhum momento teço considerações pessoais sobre Safatle. Não há uma linha sobre a sua ascendência cultural; e nunca me passaria pela cabeça atribuir-lhe qualquer maleita psiquiátrica.

Que Safatle tenha evocado a minha condição de português para, alegadamente, eu não entender certas palavras (no fundo, um velho clichê racista) e levantado suspeitas sobre as minhas "alucinações negativas", eis uma postura que define a criatura.

Em condições normais, não haveria resposta ao texto de Safatle. Mas, por respeito aos leitores da Folha, gostaria de esclarecer alguns pontos sobre a "polêmica".

Em primeiro lugar, Safatle afirma que um "muro" é um muro e que eu, de forma demente, teria transformado o Muro (com maiúscula) em "barreira de segurança". Para que não restem dúvidas, mantenho o que disse: a parte em cimento da "barreira de segurança" da Cisjordânia constitui apenas 5% da totalidade dessa barreira (que, na verdade, é mais uma cerca que outra coisa).

Isto não é um pormenor; é uma forma de tratar as palavras (e a realidade) com um mínimo de decência. Bem sei que é mais dramático afirmar que Israel construiu um Muro ("o Muro da vergonha", "um novo Muro de Berlim" etc. etc.) para separar os israelenses dos palestinos. Lamento: Israel apenas construiu esse Muro quilométrico na retórica de Vladimir Safatle.

Uma vez estabelecidos os factos, convém lidar com as implicações: a "barreira de segurança" vai além das fronteiras pré-1967 e anexa território alocado aos palestinos? Verdade.
Mas não é a "barreira de segurança" (ou os assentamentos na Cisjordânia, já agora) que impede uma solução para o conflito e a existência de um estado palestino que inclua a totalidade de Gaza e a (quase) totalidade da Cisjordânia (já lá iremos).

Israel retirou de Gaza em 2005 e, para o efeito, evacuou povoações inteiras (Netzarim, Morag, Dugit etc.). Aliás, a evacuação não se limitou a Gaza; incluiu também outras povoações na Cisjordânia, como Ganim ou Homesh.

Nenhuma novidade. O mesmo já sucedera depois dos acordos de Camp David (em 1979) quando a paz com o Egito levou Israel a desmantelar a totalidade dos assentamentos no Sinai.
Dito de outra forma: nem os assentamentos, nem a "barreira de segurança", ambos removíveis por definição, são os verdadeiros obstáculos da paz.

E quando, mais acima, escrevi sobre a possibilidade de um estado palestino que inclua a totalidade de Gaza e a (quase) totalidade da Cisjordânia, nem esse "quase" é um obstáculo real: o

Plano Clinton já previa que os 94%-96% da Cisjordânia palestina seriam completados por 6%-4% de território israelense anexado a Gaza. Mas nem isso levou Arafat a aceitar um acordo histórico para os palestinos.

E Arafat não aceitou o acordo porque exigiu o regresso dos 4 milhões de refugiados palestinos (tradução: o regresso dos filhos dos filhos dos filhos dos refugiados originais) a Israel, e não ao novo estado palestino, como seria lógico.

Com imensa bondade, Safatle concorda que esse regresso em massa seria um suicídio demográfico e cultural para Israel. Mas depois pergunta por que motivo não se tenta encontrar uma solução de compromisso que passe pela "absorção de uma parte e a compensação financeira dos demais".

Se Safatle tivesse lido alguma coisa a respeito, ele saberia que "absorção de uma parte" e "compensação financeira dos demais" foi precisamente o que foi proposto por Ehud Barak em Camp David.

Para sermos precisos, Barak propôs absorver uma parte dos refugiados palestinos ao abrigo de um programa de reunificação familiar; e propôs também compensações no valor de 30 bilhões de dólares. Arafat recusou na mesma.

Por último, Safatle horroriza-se com a minha frase: "a existência de um Estado autônomo e respeitoso das fronteiras de 1967 tem sido sucessivamente proposto pelas lideranças israelenses desde 1967".

Não entendo o horror. Se esquecermos que, antes da Guerra dos Seis Dias, foram sempre os árabes a recusar a existência de um estado palestino junto a um estado israelense (1917, 1937, 1948), o que dizer depois da Guerra?

Depois da Guerra, ainda em 1967, quando Israel estava disposto a trocar a terra conquistada por paz, reconhecimento e negociação, a resposta árabe ficou célebre na Cúpula de Cartum, que a história registou para a posteridade como a "Cúpula dos Três Nãos": não à paz com Israel; não ao reconhecimento de Israel; e não à negociação com Israel.

Apesar de tudo, um estado palestino respeitoso das fronteiras de 1967 (embora, como referi, implicando "trocas de terra" em que Israel cederia parcelas do seu território para compensar perdas na Cisjordânia) voltou a ser oferecido em 2000, em Camp David; e retomado por Ehud Olmert, em 2008. A resposta árabe foi sempre a mesma: não, não e não.

É pena. Os palestinos, que Safatle me acusa de ignorar em tom melodramático, mereciam melhor destino.

Mereciam, por exemplo, que as lideranças palestinas não tivessem desperdiçado as várias oportunidades de alcançarem um estado palestino independente depois de 1967.

E mereciam que, antes de 1967, quando Gaza e a Cisjordânia estavam sob domínio egípcio e jordano, respectivamente, os "irmãos árabes" tivessem integrado os refugiados palestinos nas suas sociedades.

Exatamente como Israel integrou os milhares de refugiados judeus que, durante a Guerra da Independência de 1948, partiram ou foram expulsos dos países árabes da região.

Discutir o conflito israelense-palestino, ao contrário do que pensa Vladimir Safatle, é um pouco mais complexo do que soltar umas interjeições adolescentes ("um muro é um muro!", "há situações inaceitáveis sob quaisquer circunstâncias!" etc.) que talvez impressionem alguns alunos pós-púberes.

Infelizmente, senhor professor Safatle, não me impressionam a mim.