terça-feira, dezembro 18, 2012

Mais experimentos - JOSÉ PAULO KUPFER


O Estado de S.Paulo - 18/12


Avanços importantes na execução da política monetária, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa, foram anunciados, nos últimos dias. Talvez porque a crise econômica global, depois de tantas experiências, permaneça sem solução à vista, embora também sem sinais de rupturas, essas novas ações tenham em parte caído numa espécie de vala comum das decisões econômicas tomadas de 2008 para cá. Mas não é esse o caso.

Nos Estados Unidos, o Federal Reserve anunciou surpreendente adoção de "gatilhos" quantitativos, que deflagrariam alterações na política de juros, a partir de certos parâmetros. Em lugar de fixar um prazo para mexer nas taxas de juros, o banco central americano decidiu que manterá os juros próximos de zero até que o desemprego recue para 6,5% e a inflação esperada, no médio prazo, se contenha no limite de 2,5%. Na Europa, as lideranças políticas chegaram a um acordo sobre um sistema supranacional de supervisão bancária, a cargo do Banco Central Europeu (BCE), que envolveria uma centena de bancos da União Europeia, com perspectiva para vigorar a partir de 2014.

Com a novidade do "gatilho" para a ação da política monetária, a nova diretriz do Fed inclui uma maior tolerância diante de possíveis desvios inflacionários. Mesmo com uma meta de inflação de 2%, o BC americano aceitará inflação maior, de até 2,5%, se for necessário, antes de voltar a subir os juros.

Trata-se de mais um experimento, na série já longa de tentativas de impulsionar a economia, via política monetária.

Desde a implosão do banco Lehman Brothers, em setembro de 2008, o Fed tem liderado as muitas mudanças ocorridas no modo de conceber e executar a política monetária, mundo afora. As inovações introduzidas de lá para cá costumam surpreender o mundo das finanças, pouco afeito a ações não convencionais.

Além de redobrar os esquemas de compra de títulos do Tesouro e de papéis da dívida imobiliária, garantindo irrigação ao sistema financeiro até que a economia retorne ao leito do crescimento, o Fed avisa que, para induzir a expansão da economia, aceitará um pouco mais de inflação. Não é outra conclusão possível para a decisão de manter juros próximos de zero até uma inflação de 2,5% quando a meta está fixada em 2%.

No caso da Europa, a novidade da supervisão bancária supranacional também significa uma experiência nova e mais aprofundada de coordenação econômica. Ainda é cedo para saber como o mecanismo funcionará, mas, em princípio, em troca de recursos do BCE, os bancos terão limites mais estreitos para atuar de modo autônomo. Na prática, seus riscos serão diluídos e, se não romperem esses limites, poderão se financiar a custos menores.

As novas experiências, nos dois lados do Atlântico, avançam na direção das fronteiras de atuação da política monetária, como fonte indutora de crescimento econômico. As reações, por isso mesmo, têm sido cautelosas. A dúvida por trás da cautela é se essas ações terão a capacidade de abrir espaços para novos períodos de crescimento acelerado ou apenas prolongarão infinitamente a estagnação, permitindo no máximo uma expansão magra do nível de atividade.

Em meio a infindáveis debates sobre a oportunidade de adoção de políticas fiscais mais ou menos austeras, o que se tem a contabilizar, no esforço político anticrise, é o ativismo dos bancos centrais, que lideram estratégias concentradas na política monetária. Esse ativismo tem impedido retrações econômicas de grandes proporções, mas os resultados das maciças injeções de recursos promovidas pelos bancos centrais têm sido insatisfatórios, sobretudo em relação ao emprego.

Diferentemente do ocorrido em outras crises econômicas globais, ao evitar recessões profundas, a ação mais coordenada dos bancos centrais também impediu a pulverização das dívidas. Esse fato tem tirado eficácia das políticas de expansão econômica, dificultando a retomada de um crescimento mais sólido e sustentado. A aplicação de uma receita keynesiana clássica, por exemplo, teria desta vez menos impulso fiscal, visto que parte da renda eventualmente produzida seria desviada para o pagamento de dívidas.

É tão curioso quanto irônico constatar que, quanto mais os bancos centrais aprofundam suas ações expansionistas, mais frequentes se tornam as desconfianças de que se está pedindo à política monetária mais do que ela sozinha pode dar.

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