segunda-feira, dezembro 10, 2012

A manobra do transatlântico - DAVID KUPFER


Valor Econômico - 10/12


Na década de 1960, um grupo formado por mais de uma centena de empresas multinacionais americanas, canadenses, europeias e japonesas fundou uma companhia de investimentos chamada Adela Investment Company com a finalidade de promover a expansão de suas filiais nos países latino-americanos - e também apoiar as ações dos EUA nas escaramuças da guerra fria. Tal como uma estruturadora de projetos dos tempos atuais, a empresa desenvolveu como parte de seus objetivos uma sistemática de análise de viabilidade econômico-financeira de projetos de investimento, conhecido como Método Adela, que rapidamente tornou-se uma das principais referências utilizadas à época em estudos dessa natureza.

Dentre outras heurísticas, o método estabelecia fatores numéricos que, para cada setor de atividade, buscavam captar os diferenciais dos gastos de investimento verificados em cada país em relação ao valor de instalações similares construídas nos EUA. A ênfase do método estava em estimar os adicionais de custos decorrentes dos hiatos de escala, produtividade, tecnologia e qualificação de recursos humanos dos setores fornecedores dos bens e serviços de capital nos países hospedeiros.

Na sua primeira versão, o Manual Adela fixou o fator-Brasil em 1,4. Significava dizer que o custo médio da formação de capital no Brasil poderia ser estimado amplificando em 40% o valor do investimento similar nos EUA. Muitos dos grandes projetos petroquímicos, siderúrgicos, de celulose e outros que integraram os Planos Nacionais de Desenvolvimento foram orçados com base nesses fatores. Obviamente, para assegurar a rentabilidade desses projetos fazia-se necessário compensar de algum modo o fator-Brasil. Isso era feito por meio de incentivos fiscais e financeiros, esses últimos via bancos públicos de desenvolvimento ou associações com empresas estatais.

A redução da taxa de juros aliada à desvalorização do real sinalizam que a economia segue nova trajetória

Contudo, em setores muito capital-intensivos seria virtualmente impossível mitigar diferenciais de custos de capital da ordem de 40% apenas com medidas dessa natureza. Por isso, a concretização desses investimentos dependeu também do acesso à infraestrutura energética e de transportes e a insumos básicos mais baratos relativamente a países similares, enfim, de um esforço de política econômica visando a constituição de um custo Brasil negativo.

Com o desenvolvimento industrial do país, o fator Brasil foi se reduzindo, realimentando todo o processo. Os últimos cálculos, feitos no final dos anos 1970, pouco antes de a Adela Investment ser fechada, não sem antes se envolver em uma sucessão de escândalos, apontavam para um fator-Brasil igual a 1,2. Foi essa combinação virtuosa de custo de capital decrescente com custos básicos de produção competitivos que fez do Brasil um campeão de investimentos, propiciando o grande salto industrializante do período.

Porém, com deterioração do quadro econômico mundial e a consequente desorganização macroeconômica do início dos anos 1980, esse quadro benevolente reverteu e paulatinamente foi se tornando cada vez mais hostil ao investimento. Primeiro, veio a perda de capacidade fiscal do Estado para sustentar os subsídios ao capital, o que foi sobrecarregando a equação de rentabilidade. Em seguida, ocorreu a tentativa frustrada de compensar essa tendência mantendo artificialmente contraídos os custos de infraestrutura e insumos básicos, que eram majoritariamente fornecidos por empresas estatais, o que acabou por desestruturar a oferta desses bens e serviços.

Por fim, já nos anos 1990, o modelo de estabilização de preços baseado em taxas de juros ultra elevadas jogou novamente o custo de capital nas alturas enquanto as reformas liberalizantes nos setores de infraestrutura e insumos básicos trouxeram pesados impactos altistas sobre esses preços. Na virada dos anos 2000, chegou-se a uma situação extremamente difícil para a atividade industrial: um fator Brasil novamente alto, só que agora conjugado a desincentivos fiscais e financeiros e um custo Brasil positivo e crescente.

Em 2003 quando o atual ciclo político se iniciou, visando justificar a manutenção das linhas mestras do modelo econômico anterior, os formuladores da política econômica defendiam a tese de que não era possível mudar bruscamente a rota de um transatlântico. Decorridos quase dez anos, o navio finalmente mudou de direção. Unanimemente apoiada pelos industrialistas, a grande redução da taxa básica de juros aliada à importante desvalorização do real, efetivadas ao longo de 2012, são os sinalizadores de que a economia brasileira está seguindo uma nova trajetória.

Pode-se discutir à exaustão se essas mudanças poderiam ter sido feitas mais cedo, mais rapidamente ou de forma distinta sem que se chegue a um consenso em vista das tantas matizes que cercam o tema. Porém, olhando prospectivamente, não se pode deixar de considerar os tempos e custos do ajustamento estrutural, seja em redefinição dos polos dinâmicos da economia, seja em termos de redução do ritmo de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), que estão inevitavelmente atrelados ao processo de mudança. O transatlântico enfim manobrou. Mas ainda falta muito para entrar em velocidade de cruzeiro. Feliz ano velho para todos nós.


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