quinta-feira, novembro 01, 2012

Liberdade ameaçada - FLÁVIA PIOVESAN

O GLOBO - 01/11


Na recente Assembleia Geral da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), em São Paulo, graves denúncias foram lançadas acerca da restrição da liberdade de imprensa em países como Venezuela, Argentina, Equador, Bolívia e México. As hostilidades partem, sobretudo, de governos incomodados com o papel crítico da imprensa, resultando em um quadro generalizado de afronta à liberdade de expressão e ao acesso à informação. São estes os atores que tentam ainda debilitar o sistema interamericano de direitos humanos, tendo com uma das bandeiras ameaçar a Relatoria para a Liberdade de Expressão da OEA.

Segundo dados da SIP, na região, em 2012, foram assassinados 17 jornalistas e outros 3 estão desaparecidos, sendo que 6 assassinatos ocorreram no México, 5 no Brasil, 4 em Honduras, 1 no Equador e 1 no Haiti. No período de 1987 a 2012, aponta a SIP a ocorrência de 418 assassinatos e 23 desaparecimentos de jornalistas na região, sendo que 42 mortes e 1 desaparecimento se deram no Brasil.

Ao propor uma Agenda Hemisférica para a Defesa da Liberdade de Expressão, a Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão da OEA elucida que os assassinatos de jornalistas são causados por motivos estritamente relacionados com o exercício profissional. Crimes são perpetrados para silenciar jornalistas, dissidentes e críticos. A impunidade que os acoberta revela uma cultura de intolerância à crítica com o aceite tácito dos crimes cometidos.

Se, por um lado, há o crescente reconhecimento internacional de que a América Latina tem apresentado resultados exitosos no eficaz combate à pobreza e à desigualdade social, por outro, regimes “hiperpresidencialistas” têm colocado em risco o aparato civilizatório das liberdades públicas, resistindo de forma autoritária ao controle social. Calar a imprensa é o antídoto à crítica da opinião pública, ao permitir o retorno à perversa tese da irresponsabilidade absoluta do governante.

Como lembra Norberto Bobbio, a opacidade do poder é a negação da democracia, que é idealmente o governo do poder visível, ou o governo cujos atos se desenvolvem em público, sob o controle democrático da opinião pública.

A democracia pressupõe o livre exercício do direito de opinião, da liberdade de expressão, do direito de comunicação e do direito de informação (abrangendo o direito de informar, o direito de se informar e o direito de ser informado). Daí a importância do controle democrático exercido pela opinião pública.

Uma imprensa livre e independente surge como uma exigência democrática. Para Amartya Sen, a liberdade de imprensa cumpre ao menos 4 funções essenciais ao regime democrático, ao contribuir para: a) a melhor compreensão do mundo em que se vive; b) a disseminação do conhecimento e a construção da crítica (função informativa da mídia); c) conferir voz aos grupos mais vulneráveis (função protetiva da mídia); e d) a formação de valores (a demandar o livre fluxo de ideias, informações e argumentos, mediante um processo interativo).

A Declaração Universal de Direitos Humanos enuncia que: “Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferências, ter opiniões e procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.” No mesmo sentido, prescreve o Pacto de Direitos Civis e Políticos, ratificado por todos os países da região, adicionando que o exercício da liberdade de expressão “implicará deveres e responsabilidades especiais”. Também a Convenção Americana de Direitos Humanos consagra a liberdade de pensamento e de expressão, dispondo que o “exercício deste direito não pode estar sujeito à censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores”.

Acrescenta que “não se pode restringir o direito à liberdade de expressão por vias ou meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel da imprensa, (...) nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de ideias e de opiniões”.

No atual contexto regional, salvaguardar a liberdade de imprensa é salvaguardar a própria democracia, protegendo o acesso à informação, fontes alternativas de informação, liberdade de expressão, diálogo e interação pública. A liberdade de imprensa se realiza na democracia, sendo, ao mesmo tempo, sua condição, pressuposto e requisito essencial.

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