sexta-feira, novembro 09, 2012

É hora de desarmar a federação - CLAUDIA SAFATLE

Valor Econômico - 09/11


O governo federal está convencido de que os Estados não têm mais para onde correr e o caminho para os governadores é um só: chegar a um acordo sobre o ICMS. A "guerra fiscal" como instrumento de desenvolvimento regional se esgotou. É hora de depor as armas e encontrar uma solução negociada, com regra de transição e algum novo mecanismo que promova de forma mais equânime a economia das diversas regiões do país. Foi com base nessa avaliação que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, começou a conversa, na quarta-feira, com os 27 governadores.

Mantega colocou sobre a mesa um pacote de soluções que representaria, em valores de hoje, cerca de R$ 280 bilhões para os próximos 16 anos. Em troca da unificação da alíquota do ICMS em 4% num prazo de oito anos, o governo federal criaria dois fundos, ambos com duração de 16 anos: um fundo de compensação para a perda efetiva de receita orçamentária, e outro, de desenvolvimento regional, para suprir as perdas econômicas, conforme definiu o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa. O prejuízo econômico pode ocorrer, por exemplo, se empresas que perderem o incentivo do ICMS decidirem migrar para outro lugar ou fechar as portas.

Para ter acesso ao primeiro fundo, o de compensação - que pode começar com aporte de cerca de R$ 7 bilhões, segundo Mantega - os Estados terão que abrir suas contas, informar todos os incentivos relacionados ao ICMS e firmar acordo de convalidação no âmbito do Conselho de Política Fazendária (Confaz). Por esses acordos, que solucionariam a insegurança jurídica que paira sobre os incentivos concedidos sem aprovação prévia do Confaz, nem todos os benefícios em vigor serão legalizados. Vai haver uma triagem, será feita a remissão dos débitos e serão estabelecidas as novas condições contratuais.

Proposta de reforma do ICMS tem condições de avançar

Ainda não há uma cifra exata do que o governo vai considerar perda efetiva de receita com a unificação da alíquota do ICMS. Embora o ministro tenha mencionado algo em torno de R$ 7 bilhões - que resulta um total de R$ 112 bilhões em 16 anos - há quem estime uma cifra mais próxima de R$ 4 bilhões pelo mesmo período (R$ 64 bilhões). A perda efetiva de arrecadação anual será calculada com base nos dados da nota fiscal eletrônica, deduzindo os incentivos concedidos pelos Estados.

O Fundo de Desenvolvimento Regional será destinado apenas aos Estados emergentes (os do Norte, Nordeste e Centro-Oeste e o Espírito Santo). Pela proposta ele também começaria a funcionar em 2013, com um aporte de R$ 4 bilhões, e aumentaria a cada ano em R$ 2 bilhões até chegar em 2017 a uma alocação anual de R$ 12 bilhões, ficando nesse patamar até 2028. Uma soma, portanto, de R$ 172 bilhões, sendo 25% de recursos do Orçamento da União e 75% de recursos financeiros. Pela utilização da parcela financeira, o Estado ou a empresa que lá for investir, terá prazo de 20 anos e pagará a variação da TJLP ao Tesouro Nacional.

Este fundo será administrado pelo governo federal. Os governos dos Estados emergentes terão cotas correspondentes e poderão fazer a alocação que melhor lhes convier dos recursos. Por exemplo, usar os 25% de recursos orçamentários para aumentar o subsídio às empresas que investirem com recursos financiados a TJLP ou para diferir o pagamento do ICMS de determinada empresa, ou, ainda, para fazer obras de infraestrutura.

Assim, como explicou Barbosa, "o Fundo de Desenvolvimento Regional vai ocupar o espaço do ICMS".

Mantega incorporou a esse pacote uma antiga reivindicação dos governadores: a troca do indexador da dívida dos Estados com a União, para reduzir o custo dessa dívida que foi renegociada no fim dos anos 90. Hoje o indexador é o IGP-DI adicionado de uma taxa fixa que varia de 6% a 7,5% e, no caso de São Paulo, chega a 9% ao ano. O ministro sugeriu que o novo indexador seja a taxa básica de juros, a Selic, de 7,25% ao ano.

Com essa mudança o estoque da dívida vai crescer menos, mas falta a complementação da medida, que é a redução do percentual de comprometimento da receita dos Estados com o pagamento da dívida. Hoje eles comprometem de 11,5% a 15% da receita líquida real (RLR) com o pagamento dos encargos das dívidas refinanciadas. Os governadores querem reduzir e unificar o limite em 9%. Com isso o governo federal ainda não concordou.

A retomada da tentativa de um acordo em torno da reforma do ICMS foi motivada pelo fato de que não há mais espaço para concessão de incentivos fiscais e boa parte dos que existem podem ser derrubados pelo Supremo tribunal Federal (STF) a qualquer momento, por serem considerados inconstitucionais.

O Estado que usar desse expediente para atrair determinada empresa não tem mais segurança de que o incentivo fiscal estará em vigor, seja por que pode ser suspenso pelo STF ou glosado pelos demais Estados. E as empresas, que antes decidiam seus investimentos guiadas pelos incentivos, estão agora sob grande incerteza jurídica.

Restam, portanto, como disse o ministro da Fazenda, duas possibilidades: uma solução legislativa, negociada e gradual ou a imposição de uma solução jurídica imediata.

A União deu o primeiro passo político, na quarta-feira, e se posicionou. Fez a proposta e se comprometeu com a convalidação dos incentivos dados pelos Estados no passado, de forma seletiva, por meio de uma decisão do Confaz.

O Confaz, na mesma quarta-feira, criou quatro grupos de trabalho para debater a proposta e até o fim do mês Barbosa espera ter pronto um acordo técnico.

Mantega voltará a se reunir com os governadores, pretende levar esse assunto para o Senado Federal e espera uma aprovação ainda em 2012.

O cronograma do governo pode não ser suficiente para resolver uma situação de tamanha complexidade, mas o pacote apresentado pelo ministro traz os elementos necessários para que as negociações, finalmente, avancem.

Mudar a estrutura tributária é imperativo para melhorar a competitividade da economia brasileira e o próximo passo será a reforma do PIS/Cofins.

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