terça-feira, novembro 13, 2012

Depois do abismo - JOSÉ PAULO KUPFER


O Estado de S.Paulo - 13/11


Depois da reeleição de Barack Obama, nos Estados Unidos, a economia global entrou numa etapa de ansiedade. Estão previstos pelo menos 50 dias de incertezas sobre o futuro da economia americana - e, em consequência, para o resto do mundo. Esse nervosismo se deve à possibilidade de extinção do conjunto de estímulos fiscais em vigor, equivalente a cerca de 5% do PIB americano, caso o presidente reeleito e as lideranças republicanas no Congresso não cheguem, até o fim do ano, a um acordo para renová-lo.

Já são mais do que conhecidas as questões em jogo e seus impactos econômicos. Há amplo consenso de que, se não for evitado o chamado "abismo fiscal" - ou seja, se não for evitado o corte, ao longo do ano, de US$ 600 bilhões em reduções de impostos, subsídios e incentivos setoriais -, a economia americana, em 2013, inevitavelmente, despencaria, podendo até entrar numa recessão. Para as demais economias do planeta, da encalacrada Europa aos agora fragilizados emergentes, a hipótese soa como pesadelo.

As avaliações sobre os desdobramentos das negociações em torno do abismo fiscal são divergentes. Mas só uma pequena minoria acredita num abraço de afogados. Considerando o vaivém das negociações anteriores, a maior parte das apostas é de que se chegará a um acordo, se bem que só na última hora - ou mesmo um pouco depois dela, com a prorrogação dos incentivos vigentes por um mês ou dois e chances razoáveis de que seja temporário.

Não custa lembrar que o problema central não reside apenas em encontrar uma fórmula para manter estímulos fiscais sem agravar o déficit público, que está em queda lenta e ainda se encontra nas alturas de 7% do PIB. Não fosse a divisão política do país, sacramentada pelos números eleitorais, bastaria aumentar impostos mais do que proporcionalmente à redução de gastos públicos, como preferem os democratas - ou vice-versa, como reza a cartilha republicana. Com vedações de lado a lado, o balé da negociação requer uma coreografia complexa.

Um acordo, com base não em elevações puras de alíquotas de tributos, mas em aumentos do volume de arrecadação, com extinção ou corte parcial em isenções e deduções, parece o roteiro mais provável. Um acordo desse teor proporcionaria mais espaço para atender aos compromissos republicanos de evitar aumentos de impostos, sem ferir a característica democrata em favor de taxações mais progressivas. Poderia também atender aos compromissos de Obama com programas sociais, principalmente na área da saúde.

É claro que pode acontecer de tudo até o novo quadro ficar definido. Crescentemente aceita, no entanto, é a ideia de que, a construção da ponte para transpor o abismo fiscal custará algo em torno de 1% do PIB em cortes sobre o montante de estímulos em vigor. Nesse caso, em lugar dos US$ 600 bilhões, os incentivos fiscais, em 2013, somariam US$ 450 bilhões.

Supondo a superação favorável do impasse fiscal, o que viria depois do abismo? Analistas apontam, em primeiro lugar, impactos positivos com a redução das incertezas quanto ao futuro da economia. Alguns chegam a prever um incremento adicional de mais de dois milhões de empregos, em 2013.

Mas ainda são muitos os que não se mostram tão otimistas, e uma das razões vem das dúvidas em relação a novas extensões dos limites da dívida pública. O endividamento do governo americano já se encontra próximo da fronteira de US$ 16,4 trilhões - equivalente a mais de 100% do PIB - e, se não for novamente ampliado, exigiria ajustes orçamentários além do abismo fiscal.

As tensões derivadas da evolução da dívida pública não são as únicas que colaboram para enevoar o horizonte da recuperação econômica nos Estados Unidos. Acorrentado por sérios constrangimentos políticos, o impulso que o setor fiscal poderia proporcionar fica visivelmente prejudicado. Isso significa que continuará cabendo à política monetária o grosso do serviço de limpeza do terreno para a retomada.

Até aqui o Federal Reserve conseguiu a façanha de minimizar a crise e impedir uma depressão. Não parece, contudo, capaz de assegurar expansão franca do nível de atividades, mesmo na economia com os mais altos índices de produtividade. Com juros próximos de zero, a política monetária perde potência. Mesmo num cenário sem abismo fiscal, mas emparedada por impasses políticos, uma virada consistente da economia americana pode demorar.

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