sábado, novembro 03, 2012

Autor da bula - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 03\11


RIO DE JANEIRO - Quando me pedem um breve currículo profissional, alinhavo alguns dados básicos e acrescento que nunca fiz outra coisa senão escrever -que, de enciclopédias a biscoitinhos da sorte, já escrevi em todos os gêneros, estilos, formatos, veículos e tamanhos. E, para resumir, informo que, a rigor, só me falta escrever bulas de remédio.

É verdade. De 1967 para cá, fui repórter, redator, editor, diretor, colunista ou colaborador de jornais do RJ e de SP e de uma infinidade de revistas semanais, mensais, trimestrais e de periodicidades exóticas, quase todas lindas, modernas, sofisticadas e extintas. Nesses veículos, cobri de bailes de Carnaval a revoluções, fiz entrevistas e perfis, e escrevi reportagens, críticas, textos de humor, consultório sentimental e horóscopo -os dois últimos, com covardes pseudônimos.

Em outras épocas, escrevi disquinhos infantis, programas de rádio e TV, shows de "stand-up", encartes de CDs e DVDs e trabalhei até em publicidade -fui o pior redator que já passou por uma agência. E, ah, sim, nos intervalos dos livros que me dediquei a publicar, os amigos me obrigam a cometer os prefácios, orelhas e quartas capas de seus próprios livros. Enfim, já escrevi de tudo, menos bulas de remédios. Mas isso agora é passado.

Há meses, meu querido dentista mostrou-me um texto manuscrito sobre uma novidade que iria implantar no consultório: uma espécie de lente de contato dental, capaz de produzir belos sorrisos sem broca ou anestesia. Pediu-me que desse uma lida. Por vício profissional, fiz isso de Bic na mão, cortando palavras, trocando outras e ajeitando o ritmo e a pontuação. Devolvi-lhe o papel. Ele disse: "Bom!".

Ao abrir uma revista outro dia, lá estava o anúncio -na verdade, uma bula das lentes- com o meu texto. Pronto. Mais uma virgindade perdida.

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