sexta-feira, novembro 30, 2012

As armas que salvam vidas - MOISÉS NAÍM

FOLHA DE SP - 30/11


Se os foguetes do Hamas tivessem tido mais êxito, hoje estaríamos falando em milhares de mortos


As armas são para matar. Mas a surpresa é que às vezes algumas delas salvam vidas. É esse o caso dos mísseis antimísseis que Israel usou para proteger-se dos foguetes lançados pelo Hamas da faixa de Gaza.

E não me refiro ao fato de esse sistema, chamado "Domo de Ferro", ter evitado a morte de inocentes civis israelenses. Isso ele fez, sem dúvida. Mas também evitou a morte de milhares de inocentes em Gaza. Conseguiu ainda evitar uma desestabilização ainda maior nessa região conturbada e, possivelmente, até mesmo um perigosíssimo conflito armado entre Israel e Egito. Como pode uma arma fazer tudo isso?

Nos oito dias que durou o conflito, os partidários do Hamas lançaram 1.506 foguetes de Gaza contra Israel. Mais da metade caiu em áreas despovoadas. Mas 84% dos 421 foguetes que teriam explodido em centros urbanos foram destruídos no ar pelo sistema antimísseis israelense (que é capaz de detectar os que cairão em áreas despovoadas sem causar baixas e os ignora). Cinquenta e oito foguetes palestinos atingiram áreas povoadas, matando cinco israelenses e ferindo 240.

O que teria acontecido se os foguetes do Hamas tivessem tido mais êxito, caindo em Tel Aviv e outras grandes cidades e causando não cinco, mas mil, 3.000 ou mais mortes na população civil?

A resposta é óbvia: o governo de Israel -como o de qualquer outro país- teria invadido Gaza. Isso teria envolvido um ataque de infantaria e carros blindados e a luta casa por casa em uma das áreas urbanas mais densamente povoadas do mundo, com civis impossibilitados de sair do campo de batalha. Hoje estaríamos falando em milhares de mortos e numa violenta reação em cadeia em todo o mundo árabe.

O novo presidente egípcio, Mohamed Mursi, em vez de atuar como intermediário nas negociações de paz, como efetivamente fez, muito provavelmente teria sido obrigado a mandar seus soldados para combater ao lado do Hamas, um grupo que, assim como Mursi e o atual governo egípcio, pertence à Irmandade Muçulmana.

Os demais países árabes e o resto do mundo muçulmano não poderiam ter se limitado a ser espectadores passivos. Os EUA tampouco. A veloz escalada do conflito e suas inúmeras e imprevisíveis consequências teriam sido enormes e globais.

Embora tenha sido possível limitar o número de civis mortos e feridos em Israel nesse novo conflito, o mesmo não aconteceu entre os habitantes da faixa de Gaza. De acordo com as Nações Unidas, morreram em Gaza pelo menos 90 civis (segundo fontes palestinas, os mortos foram 105, e outras fontes estimam que foram 177).

A Força Aérea de Israel disse ter realizado 1.500 ataques a alvos em Gaza, destruindo quase todos os centros de comando do Hamas, 26 fábricas de armas, depósitos de armamentos, foguetes e explosivos, assim como centenas de túneis.

Não é o final dessa tragédia, mas um capítulo a mais. Um capítulo triste e doloroso. Mas, para situar as coisas numa perspectiva ainda mais dolorosa, basta recordar que na Síria já há 40 mil mortos. Ali não há armas que salvam vidas.

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