sábado, novembro 10, 2012

A deferência da presidente - LEONARDO CAVALCANTI

CORREIO BRAZILIENSE - 10/11


Quando passa a ser comum os políticos governistas e oposicionistas envolvidos em escândalos ou derrotados nas urnas xingarem a mídia, não deixa de ser reconfortante um discurso de Dilma em defesa da imprensa brasileira


De tão comum, parece bobagem. Mas é um motivo de orgulho ouvir da presidente Dilma Rousseff a necessidade do país em ter a imprensa livre. É que tal coisa nem sempre é corriqueira, especialmente quando se trata de políticos, de esquerda ou de direita, no atual momento da América Latina.

Temos uma presidente que faz questão de ressaltar o papel da imprensa, que não tem vergonha de dizer, sim, eu leio jornais — como no episódio da foto do bilhete endereçado a ministras cobrando explicações sobre reportagens — e que, assim, mostra-se naturalmente forte.

Dilma, mesmo sem querer, e neste caso até não deve querer, diferencia-se de Hugo Chávez, Rafael Correa e Cristina Kirchner. E também de integrantes do próprio partido, o PT, que, ao serem alvos de reportagens, vão para cima de jornais, como se isso os fosse livrar de eventual culpa no cartório.

Na última quarta-feira, Dilma disse o seguinte: “Estou convencida de que mesmo quando há exageros, e nós sabemos que em qualquer área eles existem, é sempre preferível o ruído da imprensa livre ao silêncio tumular das ditaduras”. Mais uma vez, parece, o óbvio. Mas não é. Aos fatos.

A todo instante um ou outro petista — não são todos, evidentemente — sacam críticas à imprensa, como se os jornais fossem a Geni da vez. Se um dia a imprensa foi importante para parte deles, quando eram da oposição, hoje serve apenas para ser xingada em praça pública. No caso, em comícios.

Foi isso que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez, por exemplo, durante um ato ainda em 2010, quando apresentava a então candidata Dilma aos eleitores. Na ocasião, Lula afirmou que, além de tucanos, serão derrotados “alguns jornais e revistas que se comportam como se fossem partido político e não têm coragem de dizer que não são partido político”. Outras críticas foram feitas antes e depois.

Fumaça
O curioso é que o candidato tucano de então, o ex-governador José Serra, foi o mesmo a reclamar da imprensa dois anos depois, ao enfrentar o petista Fernando Haddad. Serra discutiu com repórteres e colunistas nos momentos finais do segundo turno da campanha deste ano, quando as pesquisas o apontavam como derrotado à prefeitura de São Paulo. Parecia claramente impaciente.

Todos têm o direito, caso queiram, de eleger inimigos, citados até em orações. Faz parte do jogo eleitoral e da vida, pois. Mas o que não vale é simplesmente escolher adversários para levantar a cortina de fumaça sobre os próprios erros. Soa falso, antiquado, ditatorial, para usar uma referência do discurso de Dilma da última quarta-feira, durante a abertura da 15ª Conferência Internacional Anticorrupção.

A imprensa não pode ser culpada por derrotas de candidatos ou condenações, neste caso como vêm sugerindo gente ligada de alguma forma aos réus do mensalão. Aliás, o papel de bons repórteres é ficar longe de tais discussões, afinal, isso pouco ou nada interfere no trabalho de uma redação. Assim, é apenas ridículo para os políticos irem para cima da mídia. Cada um que responda pelos erros.

É por isso que o discurso de Dilma, por mais trivial, é tão importante. Ela colocou a imprensa no devido lugar, o de estimuladora do debate e de fiscalizadora. “A democracia brasileira conta com instrumentos sólidos, como a respeitada Controladoria-Geral da República, os tribunais de contas, um MP independente, uma Polícia Federal atuante e uma imprensa livre”, disse ela.

Repórteres de verdade, que vivem do jornalismo, agradecem a deferência da presidente.

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