sexta-feira, novembro 23, 2012

A barganha das emendas - EDITORIAL O ESTADÃO


O Estado de S.Paulo - 23/11


Senadores e deputados terão de se apressar, se quiserem aprovar a proposta de lei orçamentária até 22 de dezembro, último dia previsto para funcionamento do Congresso Nacional em 2012. Se perderem o prazo, o governo será forçado a operar sem o Orçamento-Geral da União (OGU) durante alguns meses, com liberdade para realizar certas despesas inadiáveis, como os pagamentos de salários e de juros, mas sem autorização para investir. A preocupação é justificável, porque só na terça-feira, com quase um mês de atraso, a Comissão Mista de Orçamento aprovou o relatório preliminar preparado pelo senador Romero Jucá (PMDB-RR). O prazo originalmente previsto para a aprovação do texto esgotou-se em 24 de outubro. Para conseguir os votos necessários, o governo teve de prometer a liberação de verbas para emendas relativas ao Orçamento deste ano. A pressão partiu principalmente de parlamentares da oposição, mas congressistas da base aliada também participaram do jogo. Em julho, o Executivo havia prometido liberar R$ 5 milhões para emendas de cada parlamentar.

O empenho desse dinheiro será muito mais importante para os objetivos eleitorais dos senadores e deputados interessados do que para a prosperidade nacional e a saúde financeira da União, especialmente numa fase de dificuldades fiscais. Mas considerações como esta são muito raramente levadas em conta nos debates e nas manobras típicas da vida parlamentar. Assim será enquanto os congressistas puderem tratar as finanças federais como fontes de recursos para políticas de interesse paroquial e clientelístico. Seu mandato é federal, mas sua ação é normalmente guiada por uma visão típica de vereadores ou, no máximo, de deputados estaduais.

Não há, quanto a esse ponto, distinção entre oposicionistas e governistas. A diferença está na ação do governo, em geral propenso a liberar verbas principalmente em benefício dos aliados. Como a liberação é discricionária, o grupo governante usa seu poder para beneficiar os amigos, pressionar os recalcitrantes e manter no limbo os adversários.

"Isso está virando uma obra de ficção. Você ilude entidades filantrópicas, prefeitos e ONGs. O parlamentar contempla a emenda, mas ela fica no papel", disse um deputado tucano, criticando o sistema. Mas a frase deixa bem clara a natureza da maior parte das emendas: o objetivo é conseguir dinheiro federal para ações municipais, para entidades beneficentes (muitas vezes de fachada) e para ONGs (frequentemente dirigidas por amigos, aliados políticos e parentes). Esse tipo de emenda resulta normalmente em pulverização de recursos e, portanto, em aplicações ineficientes do ponto de vista das políticas nacionais. A maior parte dessas transferências representa desperdício.

Mas o limite para emendas individuais aumentou seguidamente nos últimos oito anos. Cada parlamentar teve uma cota de R$ 2,5 milhões quando foi discutido o projeto de 2004. No ano passado, cada senador ou deputado pôde usar o valor total de R$ 15 milhões. Esse limite foi mantido para o projeto de 2013, mas dificilmente deixará de ocorrer novo acréscimo no próximo ano.

O limite adotado para o Orçamento deste ano foi 500% maior que o usado para o de 2004, em termos nominais. Se a inflação deste ano ficar em 5,4%, a alta de preços acumulada no período chegará a 60,9%. O aumento real terá correspondido, nesse caso, a 272,9% em oito anos. Graças a isso, cada parlamentar passou a dispor de um valor muito maior para emendas de seu estrito interesse eleitoral. Nenhum benefício para o uso racional e eficiente dos recursos federais resultou, sistematicamente, dessa elevação real do valor das emendas.

De tempos em tempos algum político defende a adoção do orçamento mandatório, usado em democracias mais maduras. Nessas democracias, os parlamentares discutem todo o orçamento e debatem assuntos de gente grande, como as prioridades da ação governamental, a equidade tributária, os planos de longo prazo e as metas fiscais. No Brasil, esses temas são geralmente deixados para o Executivo, assim como a responsabilidade pela defesa do Tesouro. Nessas condições, o orçamento mandatório seria uma imprudência.

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