quinta-feira, outubro 18, 2012

Decisão sobre sigilo ameaça acordos - RIBAMAR OLIVEIRA

VALOR ECONÔMICO - 18/10


O Supremo Tribunal Federal (STF) está julgando seis ações que questionam a constitucionalidade da Lei Complementar 105. Essa lei, em vigor desde 2001, permite o acesso da Receita Federal ao sigilo bancário dos contribuintes sem prévia autorização judicial. Se o Supremo mantiver o seu entendimento de que o Fisco não pode ter acesso direto às contas dos contribuintes, já expedido em ação ganha por uma empresa privada no ano passado, o Brasil será forçado a descumprir obrigações assumidas em vários acordos internacionais que firmou nos últimos anos, nos quais se comprometeu a prestar informações tributárias sobre correntistas a Fiscos de outros países, como forma de combater a lavagem de dinheiro e a evasão fiscal.

O país corre o risco também de passar a ser tratado pela comunidade internacional como paraíso fiscal, com todas as consequências advindas dessa situação, segundo disse o coordenador-geral de Relações Internacionais da Receita Federal, Flávio Araújo, ao Valor. O Brasil já firmou 33 acordos internacionais para impedir a bitributação, que preveem o repasse de informações tributárias entre os Fiscos, sendo que 29 deles estão em vigor. Além disso, firmou outros dois acordos de troca de informações tributárias (com os Estados Unidos e o Reino Unidos) e assinou a Convenção de Assistência Mútua Administrativa em Matéria de Impostos (chamada de "Convenção Multilateral"), que aguardam aprovação do Congresso Nacional.

Desde a crise financeira de 2008, os países do G-20 passaram a apoiar o trabalho de três foros internacionais: o que trata da transparência e intercâmbio de informações para fins tributários (também chamado de Fórum Global), o que cuida da lavagem de dinheiro (Grupo de Ação Financeira) e o de Estabilidade Financeira (FSF, que regula o sistema financeiro). "A não adoção das normas e princípios defendidos nesses foros pode levar a medidas de retaliação", disse Araújo.

Restrição ao acesso pode isolar o país, diz Receita

O Fórum Global monitora e revisa a implementação de normas sobre transparência e troca de informações para fins fiscais. Essas normas se refletem principalmente no Acordo-Modelo sobre Troca de Informações em Matéria Fiscal e no Artigo 26 do Modelo de Convenção Fiscal sobre Rendimento e o Capital.

Desde 2009, o Brasil passou a fazer parte desse Fórum, onde atua no grupo de revisão e no grupo diretor. O foco dos trabalhos está na maior cooperação entre países para o combate à evasão de tributos. Na reunião do G-20 em novembro do ano passado, o Brasil assumiu o compromisso com a transparência em matéria tributária, com a assinatura, pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, da "Convenção Multilateral".

A crise financeira, observou Araújo, levou os ministros de Fazenda e Finanças do G-8 e do G-20 a pressionar o Fórum Global a que coordenasse as alterações necessárias nas legislações e práticas administrativas dos países membros. O objetivo das alterações, explicou, é estabelecer a transparência sobre a titularidade de bens e rendas de contribuintes e o intercâmbio internacional de informações (inclusive bancárias) entre autoridades fiscais, abrindo espaço para um combate mais eficaz aos crimes de evasão e elisão fiscal internacionais.

O Fórum Global conta, atualmente, com mais de cem membros, com suas normas estabelecendo uma harmonização global nas leis e práticas internas dos países sobre o acesso à informação. "Em razão dos trabalhos do Fórum, o sigilo bancário para autoridades fiscais está praticamente extinto em todo o mundo e o acesso direto a informações bancárias por autoridades fiscais tem sido estabelecido como padrão", disse Araújo.

Um levantamento feito pelo Fórum Global mostrou que 70 países permitem acesso direto às informações bancárias por parte das autoridades fiscais, sem necessidade de prévia autorização judicial. Do total pesquisado, apenas 18 exigem autorização judicial prévia para o acesso a dados de movimentação bancária destinados a realizar intercâmbio de informações com os Fiscos de outros países. Nessa lista de 18 estão países pouco expressivos no cenário econômico internacional ou centros financeiros ou paraísos fiscais, como Botsuana, Ilhas Turcas, Luxemburgo, Libéria e Uruguai, para citar alguns.

Todos os membros do Fórum Global são analisados quanto aos padrões internacionais de transparência. Esse processo é realizado em duas fases. Na fase 1, avalia-se a qualidade do quadro legal e regulatório para a troca de informações entre os Fiscos. Na fase 2, verifica-se a aplicação prática dessa legislação. O Brasil já passou por essas duas fases. Na primeira, feita no ano passado, a avaliação foi bastante positiva, mas foram feitas algumas recomendações para a melhoria do quadro legal, de acordo com Araújo.

O Grupo de Revisão do Fórum observou que a legislação brasileira não prevê exceção para o procedimento de notificação prévia do contribuinte sobre o acesso do Fisco a suas informações bancárias. Segundo consideração feita pelo grupo, "exigir (notificação prévia) em todos os casos em que o contribuinte for abordado pela primeira vez, e assim notificado, pode impedir ou atrasar indevidamente a troca eficaz de informações em casos urgentes".

A recomendação feita ao governo brasileiro foi que sejam permitidas certas exceções ao procedimento de notificação prévia, em casos nos quais as informações solicitadas forem de natureza muito urgente ou a notificação for suscetível de comprometer a chance de sucesso do inquérito. Outra crítica está relacionada com as 11 hipóteses de acesso da Receita Federal às informações bancárias, previstas no decreto que regulamentou a Lei Complementar 105.

O grupo vê as hipóteses do decreto como restrição ao acesso e recomendaram que isso seja alterado. Na semana passada, uma missão do Fórum Global esteve no Brasil para realizar a fase 2 e ainda não se tem o resultado da análise.

É interessante observar que, no momento em que o STF está para julgar a constitucionalidade da lei 105, o Fórum Global recomende mudanças na legislação para tornar ainda mais efetivo o acesso da Receita aos dados bancários dos contribuintes.

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