quarta-feira, setembro 05, 2012

Profetas do passado - ZUENIR VENTURA


O Globo - 05/09


É difícil fazer previsões num país imprevisível como o Brasil; ainda mais que nós, jornalistas, somos uma espécie de profetas do passado. Adivinhamos o que aconteceu, raramente o que vai acontecer. Vejam o caso do mensalão. Embora ainda falte muito para encerrar seus trabalhos, e surpresas podem vir a acontecer, o julgamento já contrariou expectativas, balançou certezas, como a da impunidade, e quebrou tabus, a começar pela crença de que as decisões do STF não só não coincidiam com a vontade da opinião pública como pareciam ter a intenção de contrariá-la sempre. Ou seja, para os supremos juízes, indiferentes aos rumores da rua, a voz do povo não era a voz de Deus. Eis que agora o ponto de vista popular e o culto estão de mãos dadas e em concordância, apesar de não se saber até quando. Uma pesquisa recente do Datafolha revelou, por exemplo, que no importante quesito caixa dois, quatro em cinco entrevistados rejeitavam os argumentos da defesa e apoiavam a tese defendida pelo Ministério Público e consagrada pelos ministros de que o que houve mesmo foi uso do dinheiro público para comprar apoio político, isto é, corrupção. Outra expectativa frustrada era a de que uma Corte cuja maioria absoluta dos onze membros tinha sido nomeada por Lula e por Dilma (seis por ele e dois por ela) não condenaria petistas envolvidos no escândalo. Pois, com exceção de Dias Toffoli (ex-advogado de José Dirceu), todos os outros condenaram o deputado petista João Paulo Cunha, votando com uma independência que, segundo amigos, teria decepcionado e irritado Lula (Dilma não se sabe).

Como se disse, ainda falta muito, e pelo menos dois tabus serão muito difíceis de serem derrubados para atender à vontade popular. Um deles foi apontado pelo mesmo levantamento do Datafolha: 73% dos ouvidos achavam que os acusados deviam ir para a cadeia, mas só 11% acreditavam que isso iria acontecer. Para 37%, os réus serão condenados, mas não presos; em lugar das grades como punição, eles receberão penas leves, como prestação de serviços. O outro é aquele, talvez mais difícil do que este de cair por terra, que reza: corrupto de colarinho branco no Brasil não devolve a grana roubada. Mas como acaba de ocorrer uma exceção - Luiz Estevão vai ter que restituir à União R$ 468 milhões desviados - quem sabe não será um exemplo? Vamos aguardar os próximos capítulos dessa novela que se desenrola não numa avenida, mas num laboratório chamado Brasil.

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