sexta-feira, setembro 14, 2012

A conta da desoneração da energia - ROGÉRIO FURQUIM WERNECK


O Globo - 14/09


O fato merece comemoração. Após quase uma década de intenso envolvimento com a questão, a presidente Dilma Rousseff afinal se convenceu de que as absurdas tarifas de energia elétrica que vêm sendo cobradas no país precisam ser reduzidas. Mas é preciso entender o exato teor das medidas anunciadas, para perceber todas suas implicações.

Ter noção clara do que não foi anunciado ajuda a entender o que de fato foi. Não houve qualquer desoneração de caráter propriamente tributário. Não foram alteradas as alíquotas da Cofins e do PIS. E tampouco se prevê qualquer redução das escorchantes alíquotas de ICMS que os estados vêm cobrando nas contas de energia elétrica. Apesar de estar em campanha de distribuição de benesses aos estados, a Fazenda não conseguiu convencer os governadores a se engajarem no esforço de desoneração da energia elétrica.

O que, então, foi de fato anunciado? Dois conjuntos de medidas. O primeiro envolve os kafkianos "encargos setoriais" que vêm onerando a conta de energia. Há mais de uma dúzia deles. Dois foram eliminados. E um terceiro, reduzido a um quarto do que era. Mas a redução nas contas de energia que deve advir dessas medidas é da ordem de 7%. Menos do que o Planalto tinha em mente. Foi por isso que o governo decidiu apelar para um segundo e problemático conjunto de medidas de desoneração.

Há no setor elétrico um número expressivo de usinas importantes cujas concessões estão prestes a vencer. E, quando ocorrer o vencimento, tais usinas deverão ser revertidas à União para novas licitações. Usinas hidrelétricas constituem uma forma peculiar de bem de capital. São incrivelmente longevas. As que foram construídas há 50 anos poderão continuar gerando energia por mais 50, ou até mais, enquanto o progresso técnico não tornar a hidreletricidade uma solução obsoleta.

Como as regras contábeis não levam em consideração essa longevidade incomum, tais usinas acabam "plenamente amortizadas" muitas décadas antes de se terem tornado imprestáveis. O que o governo alega é que, tendo havido amortização plena, os consumidores devem passar a pagar tarifas substancialmente mais baixas, porque "já pagaram" pelo investimento na usina. Haveria espaço, portanto, para renovar a concessão de tais usinas, ou relicitá-las, com imposição de tetos tarifários que permitissem transferir aos consumidores a suposta redução no custo de geração de energia. E é disso que adviria a maior parte da desoneração que vem sendo prometida pelo governo.

Como consumidores de energia, deveríamos estar todos muito satisfeitos. O problema é que, além de consumidores, somos contribuintes. Que empresa venderia (ou alugaria) um ativo por menos do que vale só porque, contabilmente, ele já foi amortizado? O que se propõe é que a União deixe de licitar a usina pelo que ela de fato vale para licitá-la por um valor artificialmente baixo. E quanto vale uma usina de 50 anos? Nada muito diferente do que custaria uma nova de dimensões equivalentes.

Ter o custo da usina nova em mente é fundamental para levar em conta um outro lado do problema. No "modelo" em vigor no setor elétrico, gostemos ou não, a maior parte do esforço de expansão da capacidade de geração vem sendo bancada pelo Tesouro, seja diretamente, seja por meio de vultosas transferências ao BNDES, financiadas com emissão de dívida pública. Ou alguém acha, em sã consciência, que Jirau, Santo Antônio e Belo Monte são frutos do esforço de investimento privado?

Quando se tem isso em conta, as medidas de desoneração anunciadas pelo governo parecem ainda menos defensáveis. De um lado, a União banca a expansão da capacidade de geração. De outro, abre mão de relicitar as usinas "velhas" pelo valor que o mercado se disporia a pagar. E se prontifica a aceitar valor muito mais baixo, desde que o concessionário cobre tarifas artificialmente reduzidas, que não repassam ao consumidor o custo de expansão do sistema.

A conclusão é clara. A conta da desoneração vai recair sobre o contribuinte.

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