segunda-feira, agosto 20, 2012

Começar de novo - MARIA INÊS DOLCI

FOLHA DE SP - 20/08


Três em cada quatro correntistas mantêm suas contas no mesmo banco em que recebem salário ou aposentadoria. São, portanto, fieis à instituição com a qual se relacionam, embora nem sempre haja reciprocidade do banco.

Essa informação, que consta de pesquisa feita pela ProTeste para avaliar a satisfação dos correntistas, também apurou que os piores itens, para os consultados, foram serviço de atendimento ao cliente e custo de manutenção da conta.

As instituições financeiras deveriam refletir profundamente sobre essas constatações, pois está se esgotando o tempo em que podem ganhar dinheiro sem fazer força, devido aos juros estratosféricos que ainda são cobrados nos empréstimos no Brasil.

É inevitável que, mais cedo ou mais tarde, verifique-se verdadeira concorrência no mercado brasileiro. Quando isso ocorrer, aspectos hoje desconsiderados, como a verdadeira fidelização -decorrente da qualidade do relacionamento com o cliente, e não da oferta incessante e inoportuna de produtos e de serviços bancários, inclusive venda casada- terão papel relevante no desempenho dos bancos.

Situação similar enfrentaram as indústrias brasileiras, que viviam tranquilas enquanto a hiperinflação propiciava ganhos automáticos com aplicações financeiras de curta duração e alta remuneração.

A redução expressiva dos índices inflacionários após o Plano Real, para um dígito ao ano, expôs a má gestão de muitas companhias, que foram adquiridas por concorrentes ou simplesmente fecharam as portas. Muitas marcas importantes hoje existem apenas na lembrança dos que têm boa memória.

O mercado quer saber mais de competência do que de procedência. E, quando o cenário muda, o tempo para adaptação é bem curto.

Isso poderá acontecer com os bancos que continuarem pensando somente em seus lucros bilionários, sem oferecer contrapartida em serviços e respeito a seus clientes.

Ações como o envio de cartões não solicitados e as armadilhas que dificultam o fechamento das contas dos correntistas são exemplos do que é inaceitável e será inconcebível. Empurrar um seguro a quem necessite de um empréstimo, idem.

Deve haver, além disso, mais cortesia no tratamento daqueles que, embora não sejam clientes, vão à agência pagar uma conta. Discriminá-los é fechar a porta a um futuro relacionamento.

Parecem detalhes, mas não são. Conforto, gentileza e presteza no atendimento já não são diferenciais, e sim a base de tudo.

Hoje, porém, o tratamento varia conforme a carteira de investimentos e dos produtos adquiridos pelo cliente. Quem propicia mais lucro à instituição é VIP. Os demais, que percam tempo em filas, paguem tarifas caras e recebam serviços de má qualidade.

As reclamações que lideram o ranking no Banco Central mostram como há descaso para com os correntistas: débitos não autorizados e cobranças de serviços não contratados.

Há, nesses casos, quebra de confiança entre prestador de serviços e cliente. Um descuido pode bastar para que sejamos lesados.

Os bancos que atuam no Brasil foram pioneiros em automação bancária e tiveram outros feitos, como levar seu atendimento a milhares de localidades, em um país que mais se assemelha a um continente. Acostumaram-se mal, contudo, com a hiperinflação e com as absurdas taxas de juros.

Têm uma boa base para se adaptar à nova realidade de mercado, pois seus correntistas não querem usar a portabilidade da conta. Mas deveriam começar a ler, atentamente, o Código de Defesa do Consumidor e a respeitá-lo.

Outra boa ideia seria estabelecer um novo pacto com os clientes e ganhar dinheiro financiando a atividade produtiva, inclusive correndo algum risco em novos empreendimentos, como é norma em vários países.

Terão de escolher se lamentam um passado de glórias e um futuro sem brilho, ou se mudam hoje, para continuar lucrando muito. Ficar bem ou mal na foto.

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