domingo, junho 03, 2012

Os amigos da Síria - MAC MARGOLIS


O Estado de S.Paulo - 03/06


Hugo Chávez pode estar debilitado e sua reeleição duvidosa, mas jamais se esquece dos amigos. Presenteia com petróleo governos aliados de Cuba a Argentina, sem se preocupar em receber. Calcula-se que quatro em cada dez barris de petróleo venezuelano já são trocados a base de favores, financiamentos futuros, ou solidariedade com nações irmãs que penduram a conta. Pior para PDVSA, a empresa petrolífera nacional, cuja dívida subiu 40% em um ano, para $35 bilhões.

É o preço da diplomacia chavista que beneficia os aliados mesmo quando compromete os compatriotas. Mas a bondade com a Síria é notável. A estatal venezuelana acaba de enviar seu terceiro carregamento de óleo diesel ao país árabe. A Síria tem bastante petróleo cru, mas carece de combustível refinado para queimar em suas termoelétricas. Os 300 mil barris do aliado latino chegaram ao porto sírio de Banias em boa hora.

Não foi de graça, é bom esclarecer. O ditador Bashar Assad pagou bem e em dinheiro vivo pela energia bolivariana. O mimo de Caracas foi de outra ordem. Ao cumprir o contrato de fornecimento com o governo Assad, Chávez tratou de parceiro legítimo e civilizado um pária internacional. Enquanto o cargueiro Negra Hipólita chegava às águas sírias, milícias ligadas ao ditador Bashar Assad soltaram o terror na cidade de Hula, matando 108 pessoas, 49 delas crianças, segundo as Nações Unidas.A chacina provocou revolta pelo mundo que reagiu com medidas duras. Só esta semana, mais de dez países expulsaram os embaixadores da Síria em inusitada ação combinada da diplomacia global. A repulsa foi geral , menos na Venezuela, onde o comandante Chávez nunca viu um tirano que não chamasse de companheiro. "Estamos dispostos a ajudar", afirma o ministro de Petróleo e Minas, Rafael Ramirez.

Não se pode dizer que Chávez é responsável pela matança de Hula. A quantidade de óleo enviado aos sírios - 600 mil barris até agora - é modesta, mas emblemática. Cada litro de combustível é um aditivo à máquina letal de Assad, ajudando a mover tanques e tropas. O que pensam os sírios do fato de que o óleo que amamenta o terror de Assad chegou abordo do Negra Hipólita, petroleiro batizado em homenagem à ama querida de Simón Bolívar, o libertador latino-americano?

Há dúvidas importantes e divergências honestas sobre o que se deve fazer para estancar a sangria nas ruas da Síria, até mesmo na América Latina. Muitos se preocupam com um desfecho à Líbia, onde a deposição de Muamar Kadafi livrou o povo do jugo de um tirano, mas ameaça levar o país a uma guerra civil.

Impasse. Mas tampouco prospera a solução negociada da Liga Árabe e das Nações Unidas, liderada pelo ex-secretário-geral da ONU Kofi Annan e apoiado pelo Itamaraty. O ataque a Hula foi deflagrado enquanto Annan negociava com Damasco um acordo de paz monitorado.

A escalada da violência sacudiu o consenso entre emergentes. Até o ano passado diversos países - liderados por Brasil, Índia e Rússia - insistiam, salomônicos, em denunciar a violência de todos os lados, como se o terror das tropas de Assad se igualasse à reação dos rebeldes maltrapilhos. Ainda alertavam contra os possíveis abusos de uma intervenção intempestiva, que poderia atropelar justamente os inocentes que os intervencionistas pretendem proteger.

Mas os massacres desafiam a diplomacia do deixa-disso. O Conselho de Segurança da ONU, em rara declaração unânime, condenou sem meias palavras a "violência ultrajante" sírio, ainda que hesite em abraçar sanções mais severas. Entre os receosos estão China, Rússia e Brasil. Convém lembrar as palavras de Edward Luck, assessor especial da ONU: "Quando milhares de vidas estão em jogo, precisamos de ação pronta e decisiva", disse. "Postergar a resposta não a torna mais responsável."

Os países latinos resistem a uma ação militar na Síria. Mas silenciar sobre um vizinho que vende petróleo a Assad é jogar às chamas as parcas chances de paz que ainda existam.

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