segunda-feira, junho 25, 2012

A Conta Chegou - MAÍLSON DA NÓBREGA

REVISTA VEJA


A virtual estagnação do PIB no primeiro trimestre pode ter sido mais um sinal de que o Brasil iniciou um ciclo de baixo crescimento. Teríamos voltado a ser uma economia de baixa produtividade. Entre 2010 e 2012, perdemos oito posições no índice de Competitividade Mundial, do International Institute for Management Development. Passamos do 38° para o 46° lugar entre 59 países. A perda de dinamismo tem a ver com a crise mundial, mas sua maior razão está aqui.

A produtividade é a chave do crescimento. Nos Estados Unidos, ela explicou 80% da expansão do PIB nos anos anteriores à crise. A produtividade tem a ver com educação, ciência, tecnologia, direitos de propriedade, respeito a contratos, gestão do governo e das empresas, inovação e qualidade da tributação e da infraestrutura. Construir tudo isso leva tempo. Duas das condições básicas para a Revolução Industrial do século XIX nasceram pelo menos dois séculos antes: a Lei de Patentes (1624) e a Revolução Gloriosa (1688). As patentes passaram a ser concedidas apenas para invenções. Foram eliminados privilégios de monopólios garantidos a comerciantes e corporações. A Revolução Gloriosa extinguiu o absolutismo dos reis, atribuiu independência ao Judiciário e definiu direitos de propriedade, criando incentivos para investir e inovar.

Essas mudanças geraram efeitos na produtividade muito depois. No século XVIII, a Inglaterra viveu uma febre de inovações, motivada pela busca de um mecanismo para bombear a água que inundava as minas de carvão. Surgiu daí a famosa patente para a máquina a vapor de James Watt (1769). Ao transformar vapor em energia mecânica, a máquina viabilizou a instalação de fábricas fora da beira dos rios, onde funcionavam as rodas-d"água que movimentavam engrenagens.

Hoje, avanços institucionais levam menos tempo para amadurecer. No Brasil, demorou menos de vinte anos para que o ciclo de reformas iniciado em 1986 e acelerado no governo FHC ampliasse o potencial de crescimento. No período FHC, o crescimento anual do PIB foi de 2,3% ao ano. Ele subiu para 4,1 % no governo Lula. Decompondo-se o desempenho do PIB pela contribuição dos investimentos, do fator trabalho e da produtividade, esta explicou 6.7% da expansão do período FHC e 33,7% do governo Lula. A produtividade respondeu por 88% da diferença de crescimento do PIB entre esses dois períodos de governo.

Para usar uma metáfora agrícola, a produtividade seria a colheita de frutos de plantações anteriores. Sua continuidade depende, todavia, dos cuidados com as árvores existentes e do plantio de novas. Lula começou o seu governo plantando. Promoveu uma série de reformas microeconômicas coordenadas pelo seu primeiro ministro da Fazenda. O ambiente de negócios melhorou e o crédito se expandiu vigorosamente. Nasceu uma promissora fase do financiamento habitacional. A partir de 2005, o ímpeto reformista foi abandonado. O governo passou a surfar sobre as ondas formadas pelas conquistas anteriores e pelo boom das exportações de commodities. O foco se centrou basicamente na demanda. A bem-sucedida ação para estimular o consumo na crise de 2008 parecia dar razão à estratégia.

Um modelo de crescimento baseado no consumo é desejável e funciona quando a oferta cresce de forma compatível com a demanda. Sob o ângulo da oferta, havia mão de obra disponível, mas o capital físico não cresceu o necessário (apesar do foguetório sobre os investimentos do PAC). Na ausência de novos plantios, a produtividade do capital físico e da mão de obra diminuiu. A indústria de transformação passou a ter produtividade negativa. O potencial de crescimento caiu.

A não ser que haja reformas, a economia dificilmente vai crescer mais do que 3%, talvez 4% aqui e ali. A volta ao crescimento dos tempos do governo Lula pode ter ficado para trás. Não dá para “levantar"" o PIB apenas com discursos, reuniões, desonerações tributárias pontuais ou queda forçada dos juros. A conta de anos sem reformas parece ter chegado inapelavelmente. Espera-se que a situação crie incentivos à sua retomada. Mesmo se elas forem realizadas, seus frutos plenos serão colhidos em futuros governos. Como aconteceu com Lula. Seria irônico, não?

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