sexta-feira, junho 08, 2012

A advocacia nos tribunais superiores - SEBASTIÃO VENTURA PEREIRA DA PAIXÃO JR. *

VALOR ECONÔMICO - 08/05

Atuar nas Cortes Superiores é tarefa invulgar; aqui, os amadores não têm vida fácil. Sem medo de errar, pode-se dizer que o domínio instrumental dos recursos constitucionais é um grande divisor de águas dentro da advocacia litigiosa. Isso decorre não apenas da inerente devolutividade restrita de tais recursos, mas, sobretudo, pelos requisitos procedimentais de admissibilidade que foram sendo desenvolvidos pela jurisprudência dos egrégios Supremo Tribunal Federal (STF) e Superior Tribunal de Justiça (STJ). Se, em grau de apelação, há uma maior margem argumentativa e retórica, o acesso aos tribunais superiores, por sua vez, pressupõe um artesanal domínio da técnica processual. E, como muitos dos requisitos de regularidade recursal são frutos da experiência jurisprudencial, é preciso aprender fazendo ou, parafraseando o poeta, é preciso ver-se, vivendo.

Talvez esse seja um dos aspectos mais fascinantes da "teoria" dos recursos constitucionais: é uma teoria prática. Por assim ser, o refinamento técnico dos recursos especial e extraordinário exige um conhecimento maturado pela adversidade de decisões desfavoráveis que forçam o advogado a criar bases profundas de hermenêutica e crítica jurídica, fazendo dos dissabores decisórios um veículo de coloração normativa do preto e branco da regra sobre o papel. Sim, é na densidade do fato litigioso que a norma ganha independência.

Avaliar a legalidade abstrata pode ser útil para o desenvolvimento teórico e doutrinário, mas é a tensão do caso concreto que desvela o sentido dinâmico da norma legal, a partir de elementos construtivos e conformadores de interpretação e aplicação da lei.

O excesso gerou restrições que fulminam a sorte de recursos admissíveis

Nesse contexto, tanto o egrégio STF, quanto o colendo STJ exercem um alto papel no desenvolvimento e consolidação institucional brasileiro. Sabidamente, a função das Cortes Superiores é o de garantir a segurança jurídica no país, evitando-se que a lei seja usada para a satisfação casuística e subjetiva de interesses de ocasião. Esta necessária função de estabilidade normativa ganha relevo em um país continental como o Brasil que, além de culturas e tradições plurais, possui entes estaduais com jurisdições próprias e independentes. Não é de estranhar, portanto, o surgimento de interpretações jurisdicionais divergentes a exigir altas Cortes de Justiça para a unificação e harmonia do direito pátrio.

Tais aspectos contextuais da vida jurídica nacional demonstram, por si só, o quão complexa é a atividade jurisdicional dos Tribunais Superiores. É exatamente por isso que a venturosa escolha dos respectivos ministros deve recair em personalidades dotadas de uma sentimentalidade distinta. Mais do que o profundo conhecimento da lei e da especial capacidade de compreensão dos fatos e valores jurídicos da contenda, é preciso possuir uma visão de nação que construa uma solução justa e adequada aos fins políticos da Constituição. Sobre o ponto, merece destaque o judicioso depoimento do sempre ínclito ministro Paulo Brossard que, com sua habitual acuidade jurídica, bem lembra que "há certas questões em que o juiz tem de considerar as consequências políticas presentes e futuras da decisão que o tribunal vai tomar. Não trata de decidir politicamente. Mas ver que não é apenas este caso, ele fica como precedente. Não pode decidir contra a lei, mas ele tem de considerar todos esses aspectos que são relevantes".

Se do julgador constitucional é imperioso exigir atributos especialíssimos, a regra, até mesmo por questão de simetria, também exige advogados de diferenciada capacitação. No manejo do sistema recursal ou quando da propositura de ações de competência originária dos tribunais, o advogado é um elo entre aquilo que está com aquilo que deveria ser. No âmbito das Cortes Superiores, o digno ofício da advocacia adquire "sutis sinuosidades", impondo ao advogado o transpor de óbices ainda mais específicos: impossibilidade de reexame de fato, vedação de interpretação de cláusula contratual, necessidade de prequestionamento da matéria federal, apresentação de divergência jurisprudencial com demonstração analítica e cotejada do dissenso pretoriano, a partir de acórdão paradigma com similitude fática e jurídica, entre outros aspectos próprios da jurisdição constitucional.

Com o restabelecimento do regime das liberdades, era natural que a abertura gerasse alguns excessos, inclusive, de natureza processual. Nesse contexto, o advento da súmula vinculante e o instituto da repercussão geral são expressões vivas de uma reação contra o exercício ilegítimo da prerrogativa recursal.

Enfim, o excesso acabou por gerar restrições que, não raro, fulminam a sorte de recursos potencialmente admissíveis. Felizmente, na advocacia, as imperfeições decisórias são janelas de oportunidade que, quando bem trabalhadas, abrem as portas das Cortes Superiores. E, uma vez abertas, a opacidade do injusto real ganha uma chance de receber os límpidos tons do idealismo de justiça.

*Advogado, especialista em direito do Estado e em previdência privada

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