quarta-feira, maio 16, 2012

O BC em busca de um novo equilíbrio - CRISTIANO ROMERO


Valor Econômico - 16/05/12


Nos últimos dias, o Banco Central (BC) se comunicou à farta com a sociedade, tentando esclarecer seus movimentos e antecipando como deve agir daqui em diante. Algumas mensagens são muito claras. Uma delas é a de que, a exemplo do que fizeram outros bancos centrais, como o da Turquia na crise de 2008/2009, o BC procura um novo equilíbrio para a economia brasileira, baseado em juros baixos e taxa de câmbio menos apreciada. Em outro recado importante, admitiu a convivência do país por um período maior de tempo com uma inflação superior à meta de 4,5%.

A questão central da comunicação recente do BC diz respeito à taxa básica de juros (Selic). Todas as mensagens dão conta de que o Banco Central aproveitará o ambiente de crise nas economias avançadas, de baixo crescimento no Brasil e de desaceleração da economia chinesa, com reflexos desinflacionários no mundo e aqui, para testar novos patamares de juros.

Neste momento, a Selic está em 9% ao ano. No próximo dia 30, se agir com "parcimônia", como sinalizaram o presidente do BC, Alexandre Tombini, e o diretor de Política Econômica, Carlos Hamilton, o Comitê de Política Monetária (Copom) deve reduzi-la para 8,5%, a menor taxa nominal desde o início do Plano Real. O movimento de baixa não deve parar por aí.

Não é de agora que Tombini defende a necessidade de um novo equilíbrio para a economia brasileira. No auge da crise de 2008, quando era diretor de Normas do BC, identificou oportunidade para redução acentuada dos juros. Em outubro daquele ano, menos de um mês após a quebra do banco Lehman Brothers, chegou a propor, sem sucesso, reunião extraordinária do Copom para um corte imediato de três pontos na Selic, então fixada em 13,75% ao ano.

A ideia subjacente de Tombini, defendida na ocasião também pelo atual secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, era a de que, se o BC fosse obrigado a elevar os juros mais tarde por causa de um possível repique da inflação, o faria a partir de um patamar mais baixo. O presidente do BC reprisou esse argumento em entrevista ao repórter Fernando Dantas, de "O Estado de S. Paulo".

Se alguém tinha alguma dúvida, não deve ter mais: este BC vai reduzir os juros a limites ainda desconhecidos da política monetária brasileira. Fará isso, evidentemente, em discordância direta com as expectativas de inflação dos agentes econômicos, que seguem se deteriorando - IPCA de 5,22% para 2012 e de 5,53% para 2013.

No seminário que o BC promove anualmente sobre o regime de metas para inflação, Tombini realçou o papel das medidas macroprudenciais (por exemplo, o aumento do requerimento de capital por parte dos bancos em determinadas operações de crédito) não apenas como instrumento para assegurar a estabilidade financeira, mas também para ajudar a alcançar a estabilidade econômica. Em português claro, significa dizer que o BC não considera apenas os juros para moderar a atividade econômica e segurar os preços.

Antes da crise de 2008, disse Tombini, prevalecia o entendimento, especialmente nas economias avançadas, de que a regulação prudencial não era um instrumento de política macroeconômica. Essa percepção está mudando. A estabilidade de preços, observou ele, é condição necessária para a estabilidade macroeconômica, mas não é suficiente.

Nas últimas décadas, os países ricos conviveram com inflação baixa e pouca volatilidade do produto, caracterizando o período conhecido como a "Grande Moderação". Isso não impediu, entretanto, que essas economias mergulhassem, a partir de 2007, numa crise profunda e longa.

A crise, de acordo com Tombini, mostrou que a adoção de forma isolada de medidas microprudenciais para corrigir problemas no sistema financeiro não tem alcance sistêmico. "E os riscos sistêmicos, quando se concretizam, criam espiral negativa que pode levar instituições ou mesmo o sistema à insolvência, com implicações macroeconômicas desastrosas", argumentou.

No Copom, Tombini começou a defender a adoção de medidas macroprudenciais, em vez do aumento puro e simples de juros, desde os tempos em que era diretor de Normas. "Mesmo que conduzidas com o foco em objetivos distintos, as políticas monetárias e prudencial são complementares. As ações de uma afetam os objetivos da outra no curto, no médio e no longo prazo", afirmou.

Tombini estuda as interconexões entre ambiente macroeconômico e sistema financeiro desde os tempos de estudante. Sua tese de doutorado, concluída em 1991 na Universidade de Illinois, desenvolve a ideia de que, diante de crises provocadas por choques exógenos (as crises do petróleo nos anos 70, por exemplo), os sistemas financeiros não são neutros. Na verdade, amplificam os impactos desses choques.

No seminário, Tombini defendeu, também, a necessidade de os bancos centrais se comunicarem de forma mais explícita, sem hermetismos. Isso justificaria as novidades que o BC vem introduzindo em 2012, como a sinalização de que a Selic cairia a um dígito e, depois, o anúncio de que diminuiria a um nível próximo do mínimo histórico (os dois objetivos foram abandonados).

A mudança constante de sinalização também é justificada. "Estamos vivendo um período excepcionalmente complexo para a economia global: é possível que estejamos nessa fase da crise com equilíbrios múltiplos e com uma grande variância no cenário internacional. Basta observar a rapidez com a qual se modificou nas últimas semanas a perspectiva de crescimento nos EUA, a probabilidade de resolução da crise na zona do euro ou até os dados, por vezes contraditórios, sobre o pouso suave na China. Para quem projeta dados macroeconômicos a vida está mais difícil. Por essa razão, todos os bancos centrais têm buscado fornecer indicações e comunicações explícitas, acompanhadas com uma repetida mensagem de que esses indicativos sempre estão condicionados ao conjunto de informações disponível a cada momento. E se esse conjunto é mais volátil, naturalmente isso se reflete na necessidade de ajustar-se mais frequentemente aos desdobramentos do cenário existente", disse Tombini.

Nenhum comentário: