sábado, maio 19, 2012

Não é por aí - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 19/05


O PIB ficou estagnado no primeiro trimestre. É isso que mostraram os dados divulgados ontem pelo Banco Central. O governo vai agir e de novo pensa em medidas casuísticas e que beneficiem a indústria automobilística. A lei da oferta e da procura deveria valer para as montadoras. Se há carro demais no pátio, as empresas deveriam dar desconto, oferecer vantagens para atrair o consumidor, em vez de pedir socorro ao governo.

O Brasil não tem política industrial, tem política para a indústria automobilística. A cada engasgada da economia, os ministérios da Fazenda e do Desenvolvimento desenham medidas para ajudar as montadoras, e a presidente aprova. O que está sendo pensado agora é uma sucessão de erros. A Fazenda quer a redução do recolhimento compulsório ao Banco Central, para haver mais dinheiro para financiamento de automóveis; determinou que a Caixa e o Banco do Brasil facilitem os empréstimos; quer ampliar para mais de 60 meses as prestações para compra de carros. Vai conversar com os bancos para que eles ofereçam mais crédito.

O que está errado aí? Tudo! Recolhimento compulsório é para fazer política monetária. Quem deve decidir qual o volume de dinheiro que os bancos precisam manter no Banco Central é o Banco Central. É um regulador que ele sobe ou desce dependendo da necessidade de combater a inflação ou reativar a economia. Não pode ter como objetivo vender carro.

A carteira de financiamento de automóveis teve um aumento de mais de 100% na inadimplência. Saiu, no começo do ano passado, de 2,5% de atrasos com mais de 90 dias para 5,7%. Não é muito, mas o ritmo do crescimento assusta. É natural que os bancos - todos eles, inclusive os públicos - sejam mais seletivos na concessão dessa carteira até entender o que está acontecendo.

Cinco anos para comprar um automóvel é um prazo mais do que razoável. Incentivar o superendividamento das famílias por prazo longo demais apenas para esvaziar o pátio das montadoras é insensatez.

Banco do Brasil e Caixa não devem ser empurrados para aumentar a concessão de crédito. Devem fazê-lo se for o caso. A Fazenda tem que demonstrar que confia nos executivos aos quais delegou a administração dos dois bancos, ou então demiti-los. Mas o ministro da Fazenda não pode ser o executivo dos dois bancos. Só os administradores têm a visão global completa do que acontece nas instituições. A excessiva interferência já deu problemas.

No movimento de redução de juros, o governo acertou. Conversei com banqueiros privados que admitem que o spread estava alto demais. "Estávamos acomodados", disse-me um. Hoje, todos estão reduzindo as taxas. A decisão do governo quebrou a inércia e a acomodação, mas é preciso muito cuidado para evitar os excessos dos bancos públicos que os levem a desequilíbrios que já tiveram no passado. As bondades feitas pelos bancos públicos por ordem do governo no período inflacionário exigiram grandes capitalizações da Caixa e do Banco do Brasil no governo Fernando Henrique. As instituições foram saneadas com o seu, o meu, o nosso dinheiro. A Caixa passará por nova limpeza de ativos por decisões tomadas recentemente.

A briga com os bancos é boa quando travada no campo técnico. Politizada e formatada para enfeitar palanques, vira um risco. Que o governo fique apenas na trincheira técnica, onde tem ido muito bem. Os altos spreads começaram a ser enfrentados no período Armínio Fraga, no Banco Central, quando o órgão começou a dar mais transparência às taxas, apostando que isso levaria à maior competição. Não deu o resultado desejado, ainda que a informação tenha ajudado o país a tomar mais consciência do problema.

O governo Lula, com o consignado e várias mudanças regulatórias na área do crédito imobiliário e na carteira de veículos, abriu o caminho para o aumento do crédito em relação ao PIB, que foi de 25% para 49%. Isso ajudou a começar a derrubar as taxas dos juros bancários. Mesmo assim, permaneceram altas demais. O governo Dilma, ao debater o tema abertamente e - aí sim - incentivar os bancos públicos a tomarem a dianteira na redução das taxas, criou um círculo virtuoso que já provocou frutos.

É fácil saber que o spread é alto demais, basta olhar as estatísticas. Há duas formas de medir o spread no Brasil - essa diferença entre o que os bancos pagam pelo capital que entregamos a eles e o que cobram quando pedimos dinheiro a eles. A primeira marca 28% e é divulgada na Nota de Política Monetária, mensalmente, pelo Banco Central. É ela que vale, porque abrange o crédito livre, que são as transações definidas livremente pelos bancos com pessoas físicas e jurídicas. Não entram na conta, por exemplo, o crédito imobiliário, que faz parte do Sistema Financeiro Habitacional, ou o crédito concedido pelo BNDES. Esse tipo de dinheiro é direcionado, tem taxa de juros pré-definidas. No caso do BNDES, o spread é negativo porque o banco empresta a uma taxa menor do que capta. A segunda metodologia, que marca 10%, é apenas regulatória, abrange todo o sistema financeiro, incluindo o crédito direcionado. É divulgada pelo BC de seis em seis meses no Relatório de Estabilidade Financeira, com o objetivo principal de medir a qualidade do sistema financeiro.

O país está crescendo pouco e o crédito é uma das ferramentas para reativar a economia. Mas ela tem que ser usada com precisão. Do contrário, cria problemas no futuro.

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