segunda-feira, maio 21, 2012

Inflação nos prêmios - GUSTAVO CERBASI

FOLHA DE SP - 21/05

Milhas, pontos e bônus sempre foram um atrativo para clientes fiéis a companhias aéreas, agências de viagem e cartões de crédito, possibilitando a troca de saldos acumulados em programas de relacionamento por passagens aéreas, por eletrodomésticos, por descontos na compra de veículos e por assinaturas de revistas e de jornais.

Pesquisas mostram que a melhor maneira de aproveitar os programas de fidelização é trocando o saldo de benefícios por passagens aéreas. Os programas que oferecem um ferro elétrico ou um massageador em troca de 10 mil pontos chegam a exigir metade dessa pontuação em troca de uma viagem para qualquer destino do Brasil.

Porém, crescem as reclamações de consumidores contra a dificuldade de encontrar prêmios disponíveis para troca, principalmente passagens aéreas. Quando disponíveis, exigem uma pontuação muito maior do que o anunciado para que o consumidor faça jus ao benefício.

Por exemplo, muitos programas de fidelização de empresas aéreas anunciam que é possível voar do Brasil para os EUA com 20 mil milhas ou pontos por trecho. Como os programas exigem que a troca seja feita apenas se o passageiro adquirir os trechos de ida e volta casados, teoricamente é possível viajar aos EUA com 40 mil milhas ou pontos.

Mas, para quem pesquisa por destinos de férias com o uso de milhas, o primeiro desafio é encontrar voos disponíveis. Em conversa com agentes de viagem, a explicação para a escassez é que muitas agências compram milhas e pontos de consumidores que não pretendem usá-las, entram nos sites de reservas das companhias aéreas e bloqueiam todas as reservas que podem, com o intuito de vendê-las a seus clientes.

Alguns agentes mais bem intencionados recomendam fazer a pesquisa por voos disponíveis em horários menos comerciais, como de madrugada. O argumento é que, nesse horário, muitas reservas não confirmadas caíram desde a noite anterior e ainda não foram aproveitadas pelos agentes de viagem. Roubada!

O segundo desafio é encontrar voos que se encaixem nas milhas disponíveis. Há trechos que custam 20 mil milhas, só que é comum que as companhias ofereçam um voo de ida por essa pontuação, e o voo de volta mais próximo apenas 40 dias depois. Ou, então, a ida e a volta no mesmo dia. Normal mesmo é conseguir passagens a 60 mil milhas ou mais por trecho, dificilmente acumuláveis por pessoas comuns.

A escassez de oferta tem explicação. Os programas de fidelização vêm banalizando a aquisição de milhas, multiplicando no mercado relacionamentos do tipo VIP, Platinum, Infinite e Black em troca de uma anuidade simbólica, muitas vezes negociável. Esse tipo de cartão não oferece apenas status, mas também a condição de acumular milhas em ritmo mais rápido do que por meio de cartões comuns.

Enquanto consumidores acumulam muitas milhas voando, assinando revistas, abastecendo o carro ou comprando no cartão de crédito, os programas de benefícios recebem uma enxurrada de milhas e pontos, mas não aumenta o número de assentos disponíveis para que os clientes desfrutem de sua fidelidade sem sofrimento e sem burocracia.

Pesa contra o consumidor o fato de que muitos cartões de crédito permitem hoje o pagamento de boletos bancários de qualquer natureza, em troca de uma taxa cobrada pelas operadoras. Para o consumidor honesto, é uma oportunidade a mais de acelerar o ganho de vantagens.

Porém, esse tipo de benefício pode facilmente se tornar um mecanismo de lavagem de dinheiro. Basta que um grupo de contraventores abra empresas fantasmas e emita boletos de cobrança para seus parceiros. Enquanto esquentam dinheiro fabricando faturamento fictício, criminosos beneficiam-se também de milhas e pontos, tirando o espaço para que o consumidor honesto se beneficie de sua fidelidade.

Enquanto isso, com milhas sobrando no mercado, resta ao consumidor trocá-las, frustrado, por ferros de passar, por livros e por massageadores. Para que os programas de fidelização sobrevivam, precisam premiar mais quem realmente consome mais, e fiscalizar as fraudes, talvez com a ajuda da Receita Federal. Enquanto isso, paguemos por nossas viagens.

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