quarta-feira, maio 09, 2012

Demofobia na USP - ELIO GASPARI


FOLHA DE S.PAULO - 09/05/12


Forma uma elite que não paga o curso nem o estacionamento, mas reclama porque a choldra usa seu espaço


O REPÓRTER Reynaldo Turollo Junior informa: "Alunos e professores reclamam de dificuldade para achar vagas no campus". Motivo: com a inauguração de uma estação de metrô nas proximidades, a patuleia passou a usar as vias públicas da universidade para estacionar seus carros.
Poucas vezes a demofobia do andar de cima nacional exibiu-se com tamanha clareza. A choldra paga impostos, a USP fica com 5,04% da arrecadação do ICMS e neste ano receberá R$ 3,9 bilhões da Viúva; seus cursos, bem como o estacionamento, são gratuitos; 72% dos alunos vêm de escolas privadas, e só 10% são negros ou pardos. (Harvard está na marca de 11,8%.)
O retorno filantrópico de seus diplomados é vergonhosamente desprezível, mas é ali que se forma um bom pedaço da elite nacional. (Em 2009, com crise e tudo, ex-alunos de Harvard doaram US$ 602 milhões para a escola.) As reclamações contra o uso do espaço da USP pela escumalha mostram que tipo de elite se produz por lá.
Quando se fala em cobrar anuidades aos alunos que podem pagar, denuncia-se a proposta como elitista. Tudo bem. Nesse caso, poderiam cobrar o estacionamento. Nem isso.
Agora sabe-se que não só esse pessoal quer tudo de graça como reclama quando a escumalha estaciona os carros na sua sesmaria. Um sujeito que paga R$ 2.000 mensais para manter o filho numa universidade privada tem contestado o seu direito de parar o carro no espaço de uma universidade pública gratuita.
Nas cercanias da estação de metrô, o estacionamento custa R$ 30. Estimando-se que estacionem no campus 2.000 carros por dia, a universidade arrecadaria R$ 1,2 milhão por mês cobrando pelo conforto. Enquanto a USP esteve nos arrabaldes da cidade, seria impróprio cobrar, mas agora que há uma estação de metrô nas proximidades, a gratuidade é inexplicável.
É absurdo querer impedir que os demais contribuintes usem esse espaço público. A Universidade Columbia ficava no coração de Nova York e em 1893 foi para os confins da cidade. Há mais de cem anos, seus alunos e professores usam o metrô.
Cadê o espaço de estacionamento gratuito exclusivo para alunos de Harvard? Há um edifício-garagem, onde a vaga sai por US$ 247 mensais. Há ainda cinco estacionamentos, a US$ 123 mensais. Quem quiser parar na rua paga à prefeitura.
No primeiro ano da graduação, os alunos de Harvard vivem obrigatoriamente em dormitórios dentro do campus. Depois disso, quem quer, anda, quem precisa, usa o metrô.
A anuidade de Harvard é paga (US$ 41 mil por ano, mais US$ 13 mil pela hospedagem e refeições.) O processo de admissão é cego, não leva em conta a situação financeira do aluno. Se a sua família tem renda inferior a US$ 65 mil anuais, o estudante paga zero e ganha uma bolsa para sua manutenção.
(Um brasileiro de Campo Grande, RJ, foi beneficiado com uma bolsa de US$ 63 mil, que incluiu seguro-saúde e despesas de viagem.) Se a renda familiar vai até US$ 150 mil, pagará até 10% do que a escola cobra.
Nos fundos da USP, existe a favela São Remo, formada na década de 50, onde vivem 5.600 pessoas, com 60% de vias pavimentadas e 40% iluminadas. Em março, a reitoria da USP informou que estuda uma ação urbanística na área. Que tipo de ação, não disse, pois seria "precoce". Na ocasião, 200 estudantes protestaram contra a possibilidade de remoção de moradores.

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