domingo, abril 08, 2012

O presidente Demóstenes em Nova Iorque - ELIO GASPARI


O GLOBO - 08/04/12

Setembro de 2015: eleito presidente da República em novembro do ano passado, Demóstenes Torres chegou ontem a Nova Iorque para abrir a Assembleia Geral das Nações Unidas. Reuniu-se com o presidente Barack Obama, de quem cobrou uma política mais agressiva contra os governos da Bolívia, do Equador e da Venezuela, "controlados por aparelhos partidários que sonham em transformar a América Latina numa nova Cuba". Antes de embarcar, Demóste- nes abriu uma crise diplomática com o Paraguai, anunciando sua intenção de rever o Tratado da Hidrelétrica de Itaipu.

O presidente brasileiro assumiu prometendo fazer "a faxina ética que o país precisa". Para isso, criou um ministério com superpoderes, entregue ao ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes. Numa reviravolta em relação a suas posições anteriores, o presidente apoiou um projeto que legaliza o jogo no país. Ele reestruturou o programa Bolsa-Família, reduzindo-lhe as verbas e criando obstáculos para o acesso aos seus benefícios. Patrocinou projetos reduzindo a maioridade penal para 16 anos e autorizando a internação compulsória de drogados. Determinou que uma comissão especial expurgue o catálogo de livros didáticos distribuídos pelo Ministério da Educação. Atualmente, percorre o país pedindo a convocação de uma Assembleia Constituinte. A oposição do Partido dos Trabalhadores denuncia a existência de uma aliança entre o presidente e quase todos os grandes meios de comunicação do país.

Ao desembarcar no aeroporto Kennedy, Demóstenes ironizou as críticas à presença de uma jovem assessora na sua comitiva: "Lamentavelmente, ela não é minha amante, porque é linda". À noite, o presidente compareceu a um jantar no restaurante Four Seasons, organizado pelo empresário Claudio Abreu, que até março de 2012 dirigia um escritório regional de relações corporativas da empreiteira Delta. Abreu é o atual secretário-executivo da Comissão de Revisão dos Contratos de Grande Obras, presidida pelo ex-procurador geral Roberto Gurgel. Chamou a atenção na comitiva do presidente o fato de alguns integrantes carregarem celulares habilitados numa loja da rua 46. Eles são chamados de "Clube do Nextel".

Em 2012, a carreira do atual presidente foi ameaçada por uma investigação que o associava ao empresário Carlos Augusto Ramos, também conhecido como "Carlinhos Cachoeira", marido da ex-mulher do atual senador Wilder Pedro de Morais, que era suplente de Demóstenes. O trabalho da Polícia Federal foi desqualificado pela Justiça. O assunto foi esquecido quando surgiram as denúncias do BolaGate contra o governo da presidente Dilma Rousseff envolvendo contratos de serviços e engenharia de estádios para a Copa do Mundo cancelada em 2013. A eleição de campeões da moralidade é um fenômeno comum no Brasil. Em 1959, Jânio Quadros elegeu-se montando uma vassoura. Em 1989, triunfou Fernando Collor de Mello. O primeiro renunciou numa tentativa de golpe de Estado e terminou seus dias apoquentado por pressões familiares para que revelasse os números de suas contas bancárias no exterior. O segundo deixou o poder acusado de corrupção e viveu por algum tempo em Miami, elegeu-se senador e apoiou a candidatura de Demóstenes. O tesoureiro de sua campanha foi assassinado.

Presente ao jantar do Four Seasons, o empresário Carlos Augusto Ramos não quis falar à imprensa. Ele hoje lidera o setor da indústria farmacêutica brasileira beneficiado pelos incentivos concedidos no governo anterior. Ramos chegou acompanhado pelo ministro dos Transportes, Marconi Perillo, que governou o estado do presidente e foi o principal articulador do apoio do PSDB à sua candidatura. Uma dissidência do PT, liderada pelo deputado Rubens Otoni, também apoiou a candidatura de Demóstenes. O presidente anunciou que a BingoBrás será presidida por um ex-petista.

Abril de 2012: quem conhece o tamanho do conto do vigário moralista de Fernando Collor e Jânio Quadros sabe que tudo o que está escrito aí em cima poderia ter acontecido.

Cotas

Pelo andar da carruagem, o Supremo Tribunal Federal julgará nos próximos meses a ação de inconstitucionalidade das cotas para afrodescendentes nas universidades públicas.

Seu novo presidente, Carlos Ayres Britto, assumirá na semana que vem com mais um item na agenda: prioridade para processos que ajudem a Viúva a obrigar larápios a devolver o que embolsaram.

Tesoura no MP

Por falar em caça aos larápios, está à espera de julgamento no STF uma ação da Associação dos Membros de Tribunais de Contas do Brasil pedindo que se declare inconstitucional uma lei aprovada em Roraima, tirando a autonomia dos Ministérios Públicos dos TCs.

Cortar as asas dos procuradores é o objeto do desejo de muita gente, inclusive da pior gente.

Novo nome

Não se supunha que surgissem tantas dificuldades para preencher os sete lugares da Comissão da Verdade.

Na última semana, surgiu uma ideia, apenas uma ideia. A de convidar o cardeal Claudio Hummes, de 77 anos. Ex-arcebispo de São Paulo. Até 2010 dirigiu a poderosa Congregação do Clero, na Cúria romana.

Durante as greves do ABC, quando o Brasil começou a ouvir falar em Lula, ele era bispo de Santo André e solidarizou-se com os trabalhadores. Ao longo do pontificado de João Paulo II, afastou-se da igreja militante. Será difícil rotulá-lo.

Resta saber se aceita.

Boa notícia

O Supremo Tribunal Federal decidiu enviar ao Congresso um projeto de lei vedando a destruição de processos judiciais.

Se a Câmara e o Senado trabalharem rápido, acaba a piromania destruidora de uma parte da história nacional, autorizada no governo de José Sarney.

A ideia era destruir processos considerados irrelevantes. Por exemplo: como o de um pernambucano que teve um dedo decepado num acidente de trabalho. Era o dedo de Lula, cujo processo foi destruído.

A preservação dos documentos tem um custo elevado para o Judiciário, mas pode-se chegar a uma solução com a ajuda de universidades e filantropos. A Justiça do Trabalho do Rio Grande do Sul já dá o exemplo.

Lula 2.0

Nosso Guia telefonou para o empresário Eike Batista, solidarizando-se com o seu filho, aperreado pelo episódio em que atropelou o ciclista Wanderson Pereira dos Santos.

Ao tempo em que ele rodava o programa Lula 1.0, teria ligado também para a família de Wanderson, que morreu.

Dilma no Taj

A doutora Dilma já foi turista de dinheiro curto. O que ela diria se chegasse a Agra com apenas poucas horas da manhã disponíveis e, indo ao Taj Mahal, fosse informada de que o monumento estava fechado para uma visita especial do presidente José Sarney e sua comitiva?

Monumentos suntuosos sem povo por perto são coisa de monarcas delirantes. O Xá Jahan, que construiu o Taj, foi declarado incompetente pelo filho e morreu em prisão domiciliar.

Quando a doutora foi ao Metropolitan, de Nova Iorque, e percorreu a exposição de Franz Hals, não passou pela cabeça de seus áulicos pedir que fechassem a mostra. Tomara que em sua visita a Washington não queiram fechar a National Gallery.

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