terça-feira, abril 10, 2012

Mais um 'custo Brasil' - JOSÉ PAULO KUPFER


O Estado de S.Paulo - 10/04/12


O lançamento de um novo pacote de medidas de estímulo fiscal e financeiro à indústria, na semana passada, provocou reação tão imediata quanto previsível dos críticos do que se convenciona chamar "política industrial". É assim desde que o mundo é mundo - ou, mais precisamente, a partir dos dois últimos terços do século passado, quando versões modernizadas da aplicação de políticas verticais de estímulos setoriais espalharam-se pelas economias do planeta. Mas, em outros lugares, faz tempo que a flexibilidade superou a rigidez de ideias, nessas questões.

Trata-se, no caso do Brasil, de uma guerra sem fim entre visões divergentes sobre os melhores caminhos do desenvolvimento econômico, em que o centro da disputa se concentra nas vantagens e desvantagens das intervenções de governo na dinâmica própria dos mercados. Claro que considerações mais pé no chão, sobre a distribuição de recursos recolhidos da sociedade pelo governo, estão por trás do calor que acaba incendiando o debate.

O fato é que, qualquer que seja a conjuntura, basta o governo clicar na tecla que dispara medidas verticais com abrangência setorial para que outra tecla, no sentido da preferência por ações horizontais, seja acionada. Nessas horas, reformas estruturais, sobretudo as de caráter tributário, e correção das fragilidades na infraestrutura econômica, principalmente no campo da logística e do capital humano, emergem como alternativa preferencial, em contraposição a intervenções localizadas.

Posições críticas a "políticas industriais" levam a vantagem de contrapor reformas estruturais a "soluções" pontuais e de emergência. É evidente que, se realizadas com o devido foco, a tempo e a hora, aquelas serão mais eficazes e duradouras que estas. Fica faltando, no entanto, apontar o caminho das pedras que a generalização em torno das reformas costuma deixar de lado.

Quando, por exemplo, se observa a composição da carga tributária, o caminho da reforma revela-se, sem dúvida, pedregoso. Por se diluir nas intricadas legislações dos 27 Estados que o cobram, o ICMS, de certa forma, fica nas sombras do problema. Só que o tributo responde sozinho por um quinto da arrecadação. Seu impacto nas distorções tributárias que afligem a produção brasileira é, sem dúvida, dos maiores.

O subsistema tributário do ICMS é uma kafkiana barreira à eficiência produtiva. Com legislações incoerentes em cada um dos 27 Estados, a desmoralização da autoridade do Conselho de Política Fazendária e a consequente deflagração, já de longa data, de guerras fiscais, sem falar nos mecanismos emperrados de crédito e devolução do imposto, o ICMS é um labirinto que enreda e enfraquece a produção como a teia em que a aranha prende sua vítima.

Se, por exemplo, os custos da energia e dos serviços de comunicação no Brasil são campeões mundiais, impactando negativamente a competitividade, a culpa, em boa parte, é do ICMS. O mesmo se repete em outros custos de produção relevantes, como os bens de capital.

Por isso mesmo, não há dúvida de que uma reforma tributária com vistas à promoção da competitividade passa pela reforma do ICMS. Ocorre que essa reforma é tão indispensável quanto politicamente complicada, por envolver quase três dezenas de governadores e suas respectivas bancadas parlamentares, na disputa por um pão escasso.

Um observador isento teria dificuldade em entender como a adoção de medidas verticais resultaria, necessariamente, na interdição de reformas horizontais - e vice-versa. Se tivesse conhecimento do que se passa lá fora, entenderia menos ainda. Há, de fato, fartura de exemplos, nas mais diversas economias e situações, demonstrando que essa dicotomia é falsa. No resto do mundo, não é de hoje que já se chegou à conclusão de que, isoladas, políticas horizontais podem ser insuficientes, assim como políticas verticais, sozinhas, tendem a se mostrar equivocadas.

Do liberalismo modelo, predominante nos Estados Unidos, ao maior intervencionismo dos emergentes asiáticos, passando pelos mesclados Japão e Alemanha, a evolução das economias repete uma história que narra combinações de políticas horizontais e verticais. Ainda que possam diferir na natureza e grau de ativismo, as políticas econômicas, em todas as partes, são sempre híbridas.

A quase interdição desse debate entre nós é caso raro, se não único. Pode, assim, configurar mais uma legítima jabuticaba e, merecidamente, ocupar uma posição na longa lista dos entraves ao desenvolvimento que formam o "custo Brasil".

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