domingo, abril 08, 2012

Lembranças do passado - SUELY CALDAS


O Estado de S.Paulo - 08/04/12


Quando não há um programa estrutural de longo prazo, um rumo definido e metas consistentes a alcançar, a saída é agir sobre o imediato com paliativos pontuais e temporários. Alguns até têm efeito, embora transitório e de curta duração. Já outros, desgastados e desacreditados pelo uso exagerado, têm efeito nulo - a não ser para o caixa do Tesouro, esvaziado por tantas renúncias fiscais e subsídios de crédito, beneficiando uns poucos e deixando a maioria de fora.

Com o caixa esvaziado, o governo teme perder mais receita, entra num círculo vicioso e renuncia a fazer a coisa certa: avançar sobre uma reforma tributária que alivie a carga de impostos pagos por 190 milhões de brasileiros, obrigados a entregar aos cofres públicos 36% de tudo o que ganham com o seu trabalho.

Foi esse o espetáculo que a presidente Dilma Rousseff e seus ministros apresentaram na última terça-feira, em Brasília, ao anunciarem a segunda fase do Plano Brasil Maior.

No palco, o show sem brilho e repetitivo. Na plateia, lideranças de empresários e trabalhadores, apáticas, descrentes, sem entusiasmo. Os presidentes da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson de Andrade; da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf; e da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva, consideraram as medidas positivas, mas "não resolvem, são paliativos".

Lançada há oito meses, a política industrial do governo Dilma pouco produziu de efeito e até hoje é desconhecida de 72% dos industriais, segundo pesquisa da Fiesp. A segunda versão - na verdade uma reprise vitaminada da primeira - trouxe duas novidades, uma boa e a outra nem tanto. A boa: a desoneração da contribuição do INSS foi ampliada para 15 setores industriais. A outra: um quinto aporte de dinheiro do Tesouro ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), desta vez de R$ 45 bilhões, que vai aumentar a dívida pública e adicionar custo extra ao contribuinte. A desoneração vai custar R$ 7,2 bilhões por ano e o novo aporte capacita o BNDES a conceder R$ 150 bilhões em novos empréstimos este ano.

O propósito da presidente Dilma Rousseff é tirar a indústria do naufrágio, incentivar o setor privado a investir e retomar o crescimento econômico este ano acima da taxa medíocre do ano passado, de preferência próxima de 4,5%. Mas sua equipe econômica confunde qualidade com quantidade. Arquitetou um tsunami de medidas de renúncia fiscal, crédito subsidiado e barreiras à importação, reprisando um modelo usado em fartura pelos governos militares e esgotado há mais de 20 anos.

Se, em algum momento, um produto importado vence a concorrência com o nacional, os homens da Fazenda rapidamente recorrem a alguma ação protecionista: sobretaxam a importação, impõem barreira às compras do governo, no estilo, bem ao gosto dos generais, de criar reservas de mercado e que trouxe enormes atrasos e perdas à qualidade tecnológica da nossa indústria.

Com sabedoria e bom senso, a presidente da República bem que poderia usar seu capital político de 77% de popularidade (ponto para ela nos embates com a base parlamentar) para fincar as bases de um crescimento econômico sólido, avançando nas reformas estruturais e removendo os gargalos da infraestrutura, com a ajuda do investimento privado, de agências reguladoras com perfil técnico e autonomia de ação e regras de regulação estáveis e eficientes.

Se conseguir êxito nas reformas e multiplicar o investimento em infraestrutura, Dilma afasta metade dos entraves que encarecem o custo de produzir no Brasil, com ganhos em competitividade para o produto brasileiro na disputa com concorrentes. Sem nenhum subsídio sujeito a contestações na Organização Mundial do Comércio (OMC), com certeza a indústria exportadora só tem a ganhar.

Na outra metade, dois entraves a superar: acelerar a produtividade e a qualificação do trabalhador brasileiro com investimento em educação; e conceber outra reforma - mais difícil e trabalhosa - do setor financeiro, dirigida a restabelecer o crédito privado de longo prazo para o investimento produtivo e devolver à Bolsa de Valores a função de capitalizar investimentos para as empresas.

Comércio exterior - Além da ampliação de linhas de crédito e do conceito de empresa exportadora, as medidas anunciadas terça-feira não mudam as regras na exportação. Ainda bem. Parte das dificuldades nessa área vem do câmbio, da valorização do real em relação ao dólar. O governo tem agido com o arsenal de que dispõe e, no momento, parece satisfeito com o dólar pouco acima de R$ 1,80. Mas há quem tire do baú velhas e mirabolantes ideias do passado testadas à exaustão e de resultados desastrosos.

Um dos conselheiros mais ouvidos pelo ex-presidente Lula e, dizem alguns, também por sua sucessora, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo fez uma série de propostas extravagantes em entrevista ao Estadão (3/4, B4). A começar pelo câmbio, que, na sua visão, deveria saltar para R$ 2,10, com o governo intervindo diretamente na taxa e abolindo o sistema de flutuação. E a inflação, como fica? Ora, diz ele, "ninguém mais acredita no sistema de metas de inflação". Ou seja, como ele não vê problema se a inflação acelerar, sua proposta é abolir a meta de inflação e o câmbio flutuante.

Apenas dois números para contrapor tal exotismo: em 12 anos de vigência, só em três anos (2001 a 2003) a inflação ultrapassou a meta. Desde então, o índice não passa de 6,5% e, em 2006, ficou em 3,14%, abaixo do centro da meta. Ou seja, se hoje a inflação não rouba dinheiro dos brasileiros, isso se deve ao sistema de metas. Quanto ao câmbio, basta lembrar que a receita com exportação patinava até a chegada do câmbio flutuante, em 1999. Depois disso a receita disparou, saltando de US$ 48 bilhões para US$ 256 bilhões, em 2011. E tem produzido expressivos saldos comerciais para o País.

Na entrevista, Belluzzo diz-se saudoso de outro exotismo fora de época: o programa Benefícios Fiscais a Programas Especiais de Exportação (Befiex) e o crédito-prêmio de IPI, criados pelo ex-ministro Delfim Netto, há quase 40 anos, para estimular exportações e extintos porque foram condenados pela OMC. O Befiex isentava de tributos insumos usados em produto exportado e o crédito-prêmio doava verba pública às empresas que exportassem. Os dois implicavam brutal transferência de renda da população para empresas exportadoras.

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