sábado, abril 21, 2012

Ameaça à urbanidade - LUIZ FERNANDO JANOT


O GLOBO - 21/04/12


Em 2010, cerca de dois anos depois da bem-sucedida instalação da primeira Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), na Favela Santa Marta, o Rio voltou a viver momentos de grande tensão diante das violentas ações praticadas, em vários pontos da cidade, por facções do tráfico de entorpecentes. Eram manifestações planejadas para demonstrar o poder de fogo dessas organizações criminosas e, ao mesmo tempo, desafiar as forças policiais.

As ações se alternavam entre arrastões e roubos de veículos em vias de grande circulação, incêndios de ônibus, ordem para fechar lojas comerciais e, para coroar a prepotência desses grupos, o desfile armado por certas ruas da cidade. O desafio à ordem pública atingiu, nessa ocasião, proporções insustentáveis. Como reação, no dia 28 de outubro daquele ano, o governo do estado, com o apoio do governo federal e a participação das Forças Armadas, decidiu dar um basta nessas provocações ao empreender uma verdadeira operação de guerra para ocupar o Morro do Alemão, onde se localizavam as principais bases de articulação do movimento. Com a ocupação do morro e a fuga dos marginais, esse dia se tornou um marco simbólico no processo de retomada dos territórios ocupados por traficantes e milicianos.

Curiosamente, quase dois anos depois desse episódio, uma nova tentativa de desestabilizar a segurança pública voltou a pairar sobre o Rio. Desta feita, como reação ao sucesso da política de pacificação das favelas que inibiu a livre movimentação do tráfico armado nessas comunidades. A Rocinha, atualmente ocupada por forças de segurança enquanto aguarda a implantação da sua UPP, vem registrando, com certa frequência, enfrentamentos entre facções rivais do tráfico interessadas no controle da venda de drogas. Esses conflitos têm gerado tiroteios e mortes, inclusive, recentemente, a de um policial militar fuzilado durante uma perseguição por becos e vielas. O clima de apreensão decorrente desses fatos e de outros semelhantes que estão ocorrendo em paralelo ameaça a urbanidade conquistada após a pacificação das favelas. Hoje, se notam alguns semblantes tensos e olhares preocupados de pessoas que temem ser assaltadas durante os seus trajetos cotidianos. A tranquilidade que tomou conta das ruas do Rio, durante o último verão, já não é mais a mesma.

Transitar por certos locais da cidade se tornou uma atividade de risco e uma preocupação a mais diante do aumento do número de assaltos a pedestres e de roubos praticados por motoqueiros armados que se aproveitam dos engarrafamentos de trânsito para quebrar o vidro dos automóveis e roubar seus motoristas. Outro exemplo lamentável ocorreu nas imediações da Central do Brasil e da Praça da República, onde bandos de jovens usuários de crack e cheiradores de cola praticavam assaltos e ameaçavam transeuntes. Não há como ser tolerante em situações como essas, que, a qualquer descuido, poderão colocar por terra toda a esperança de pacificação da cidade. E, não se iludam, caso esse retrocesso aconteça, dificilmente se conseguirá recuperar o padrão de urbanidade que começou a se consolidar junto à população.

Para que essa fatalidade não venha a ocorrer é indispensável que o poder público intensifique a sua presença nas ruas, através da guarda municipal e do policiamento ostensivo. Em relação às favelas é fundamental priorizar, além da política de segurança, um projeto inovador de educação ampliada e diversificada que possa contribuir para que as camadas mais pobres da população tenham acesso aos programas de desenvolvimento econômico e de expressão cultural. Numa sociedade como a nossa, marcada por fortes contrastes sociais, é fundamental elevar a autoestima dos jovens para que eles possam, de bom grado, optar por um trabalho digno em vez de debandar para o meio da criminalidade. Nesse aspecto, a atividade formal desempenha um papel relevante ao oferecer melhores condições para dignificar o trabalhador e, consequentemente, o próprio ser humano.

Portanto, se não houver investimentos maciços na urbanização das favelas, na melhoria das condições da habitação, na geração de empregos e na criação de programas específicos de educação e de trabalho, não haverá segurança pública que seja capaz de sustentar, por muito tempo, a pacificação dessas comunidades e, por extensão, da própria cidade. Se pacificar as favelas contribui para a elevação da qualidade de vida dos seus moradores, por outro lado, não há como fechar os olhos para as precárias condições de habitabilidade que existem nessas comunidades. Neste momento em que toda a população do Rio se vê envolvida no fortalecimento da imagem da cidade é fundamental que essas metas sejam, de fato, realizadas e que novos avanços sejam propostos para que se alcance a urbanidade desejada no menor espaço de tempo possível.

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