quinta-feira, março 15, 2012

Quantas mortes movem o mundo? - CLÓVIS ROSSI

FOLHA DE SP - 15/03/12


Um ano de massacres na Síria expõe a escandalosa impotência da ONU, como ocorrera na Bósnia e Darfur



ROUBO DO "Monde" de ontem (embora com data de hoje) a abertura de seu texto principal sobre a Síria: "Um ano após o início do levante contra o presidente Bashar Assad (...), a comunidade internacional continua a exibir o espetáculo de sua impotência para fazer cessar os massacres".

Dolorosa verdade. Dá até vontade de perguntar para que servem as Nações Unidas se são absurdamente incapazes de prevenir mortandades, agora na Síria, como antes na Bósnia ou em Darfur.

Uma impotência que leva um dos mais lúcidos especialistas na região a perguntar: "Quantas mortes são necessárias para mudar a análise da relação custo/benefício de intervenção X não intervenção?", escreve Steven Cook, pesquisador sênior do centro Hasib J. Sabbagh para Estudos do Oriente Médio.

Parece uma pergunta cruel, mas é realista. Afinal, tudo o que se poderia dizer sobre a violência do regime já foi dito e está condensado no relatório de ontem da Anistia Internacional. Diz que os depoimentos recolhidos no contexto de violações aos direitos humanos "fazem parte de um disseminado e sistemático ataque contra a população civil, conduzido de maneira organizada e como parte de política de Estado e, dessa forma, equivalente a crimes contra a humanidade".

Que a comunidade internacional evite uma intervenção militar na Síria até dá para entender. A Rússia bloqueia essa iniciativa no Conselho de Segurança, com o que não se consegue a legitimidade necessária para dar cobertura à operação.

Sou obrigado a concordar com a observação feita por diplomatas franceses ao "Monde": "Uma intervenção sem mandato por uma boa causa serviria de justificativa para todas as intervenções sem mandato por uma má causa".

OK, até aí dá para entender, embora não necessariamente para justificar. Mas não há mais nada a inventar, salvo tentar convencer os russos a serem mais flexíveis no apoio ao ditador, por enquanto inoxidável, e, por extensão, aos crimes contra a humanidade? Ou, então, esperar que façam eventualmente efeito as sanções impostas ao regime? Até que funcionem, quantos sírios mais terão morrido?

A esta altura, parece evidente que Assad recusa qualquer solução negociada e vai escalar a repressão até destruir fisicamente a oposição, do que dão prova ataques primeiro a Homs, agora a Idlib e, em seguida, a Deraa, o berço da revolta.

Logo, fracassou claramente a mais recente iniciativa da ONU e da Liga Árabe, a de enviar Kofi Annan à Síria.

O que resta a fazer? Não há resposta fácil, mas parece de elementar sentido comum a observação que fecha o editorial de capa do "Monde": descartada, por impraticável, a intervenção militar, "não se trata, no entanto, de abandonar os sírios à própria sorte. A urgência é, portanto, para os países ocidentais, estudar todos os meios possíveis, logísticos e diplomáticos, mas também no domínio da informação, de sair em auxílio à oposição síria".

A diplomacia brasileira está preparada para sair do imobilismo e pôr realmente os direitos humanos no centro da política externa do governo Dilma Rousseff?

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