domingo, março 18, 2012

Novas regras para a Previdência - FABIO GIAMBIAGI


O GLOBO - 18/03/12

Entrevistado, no fim da vida, por um jornalista de 40 anos, Jorge Luis Borges, com sua refinada ironia, disse a seu interlocutor: "Que extraño que aún existan personas con esa edad...". Embora o diálogo tenha ocorrido há muitos anos, ele foi premonitório de uma realidade cada vez mais visível: em quase todos os países, há cada vez menos pessoas jovens e cada vez mais idosos. A temática ambiental e a previdenciária têm muitos pontos em comum:

I) as mudanças são lentas; e

II) os custos políticos de mudar o "status quo" são palpáveis e imediatos, enquanto que os benefícios das reformas são de longo prazo e não facilmente perceptíveis.

A Previdência, porém, tem uma vantagem sobre o meio ambiente: dá para saber melhor o que vai ocorrer no futuro. Enquanto que não sabemos ao certo se daqui a 100 anos a temperatura do mundo estará 2 ou 5 graus maior, no caso da demografia, embora haja uma margem de incerteza, para saber o que vai acontecer com a composição etária da população basta olhar para a distribuição atual por faixa etária em outros países. É bom o país se preparar para uma "tsunami demográfica".

Há alguns dados para levar em conta, para "balizar" a discussão:

a) a esperança de vida aos 60 anos na Europa era, em média, de 78 anos para os homens nos anos 70 e de mais de 81 anos atualmente, enquanto que para as mulheres era de 82 anos naquela época e é de mais de 85 anos hoje;

b) no Brasil, no mesmo período, a esperança de vida aos 60 anos passou de 76 para 80 anos para os homens e de 77 para 83 anos para as mulheres;

c) pelas estimativas do IBGE, a esperança de vida aos 60 anos no Brasil chegará a 82 anos para os homens e 86 anos para as mulheres em 2030; e

d) o número de idosos com 80 anos ou mais, que era de 1,6 milhões de pessoas no Brasil no ano 2000, chegará, pelas projeções do IBGE, a 14 milhões de pessoas em 2050.

Diante disso, temos que ter a responsabilidade de legar ao mundo no qual viverão nossos filhos um estado de coisas que não onere muito a carga com a qual a geração deles terá que arcar para sustentar a nossa quando chegarmos à idade avançada. Ao mesmo tempo, a geração de nossos filhos terá que entender que é inviável conservar para quando eles forem se aposentar as mesmas regras que pautaram as condições em que nossa geração tiver se aposentado. E por uma razão que todo jovem é capaz de entender: quando eles tiverem 50 ou 60 anos, as pessoas vão viver muito mais do que hoje.

Por isso, tenho defendido que aqueles que vierem a ingressar no mercado de trabalho tenham que obedecer a regras de aposentadoria bem mais rígidas que as atuais. Sugiro dois parâmetros importantes: 67 anos para se aposentar por idade - 66 para as mulheres - e 40 anos de contribuição - 39 para as mulheres. Atualmente, para os homens, tais parâmetros são de 65 e 35 anos, respectivamente, com 5 anos a menos para as mulheres.

A justificativa seria alinhar as regras vigentes no país aos critérios que vêm sendo adotados em um número crescente de nações, para fazer frente à situação colocada pelos avanços da medicina e o aumento da duração da vida. Se o período de contribuição não se altera, os mesmos recursos acumulados vão se esgotar mais rapidamente. Como tenho repetido diversas vezes, pouco importa o que diz a letra das regras que o ser humano define para fixar os termos do funcionamento da sociedade: como a demografia não vai se adaptar à Constituição, esta deve se adaptar à demografia!

Diante disso, a oposição dos ditos "movimentos sociais" (muitos deles dominados por lideranças alimentadas por recursos abundantes, extraídos da população através de contribuições obrigatórias) em nome da "rejeição ao neoliberalismo" lembra a afirmação de José Ingenieros, no seu magistral "El hombre mediocre": "Los más despreciables sujetos son los predicadores de la moral que no ajustan su conducta a sus palabras." Em vez de se opor a uma reforma sensata com o uso de palavras de ordem que parecem ter escapado do túnel do tempo, tais lideranças serviriam melhor ao país se um dia se dignassem a propor algo concreto para enfrentar o desafio do envelhecimento da população - ou, talvez, o silêncio ensurdecedor a esse respeito indique apenas que elas simplesmente não têm nada a propor.

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