segunda-feira, março 05, 2012

Lições de uma guerra cambial - SERGIO LEO

VALOR ECONÔMICO - 05/03/12
Ao criar obstáculos à entrada de moeda estrangeira no país, na semana passada, o governo apontou para um dos dois temores despertados em Brasília pelo que o ministro Guido Mantega definiu como "guerra cambial". Atacou-se o receio de que o país seja inundado por dinheiro especulativo, em busca de lucros com a diferença entre o baixo custo do capital no mundo e o alto rendimento pago aos investidores no Brasil. Há dúvidas se essa ação do governo será eficaz. E há ceticismo ainda maior em relação a maneira como se tem enfrentado o outro medo em Brasília, o de invasão de importações baratas, capazes de sufocar a indústria nacional.

Não se pode acusar o governo de não ter uma agenda clara e uma rota definida para lidar com os efeitos colaterais dessa guerra cambial, caracterizada por medidas monetárias nos principais mercados do mundo que, por diferentes caminhos, resultam na desvalorização das moedas desses países, tornando seus produtos e mercados mais competitivos.

A decisão de punir com maior imposto os empréstimos internacionais às exportações partiu da avaliação de que esses financiamentos encobriam a entrada de capital para especular no mercado interno, e antecipam um repertório ainda maior de medidas punitivas e de uma possível aceleração da queda de juros.

Importação é um dos sintomas da perda de competitividade

No caso da política comercial, há integrantes do governo que, em conversas reservadas, assumem que estão dispostos a levantar barreiras a importações mesmo que contrariem compromissos internacionais do país, como as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC) - como foi o caso evidente do aumento do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), sobre automóveis importados. Admite-se quebrar as regras com o argumento de que seria ingenuidade respeitá-las quando outros governos as abandonam, e o Brasil, além disso, se defronta com competição desleal turbinada pela desvalorização excessiva dos preços de mercadorias em dólar, euros ou yuan.

As medidas protecionistas, arrumadas na prateleira da defesa comercial, na maioria dos casos, porém, são reação à demanda das empresas instaladas no país. Muitas delas são justificadas e necessárias, como as barreiras a importações com dumping, preço abaixo do normal, ou falsificações, ou ainda a mercadorias subsidiadas ilegalmente pelos seus países de origem. Um sinal de que há racionalidade e não mero protecionismo em muitas das ações nesse campo foi a decisão da Secretaria de Comércio Exterior (Secex), na semana passada, de mudar as regras de comprovação de norma de origem, para facilitar - e não dificultar - a entrada de mercadorias de países asiáticos que não concedem certificados aos exportadores locais antes do embarque.

Legais ou não, porém, as medidas protecionistas são armadura de pouca resistência. Seu efeito total sobre as importações brasileiras - e, portanto, sobre as contas externas do país - é limitado. Embora tenham garantido a sobrevivência de fabricantes em setores menores, como o de escovas ou de imãs de ferrite, as noventa medidas de defesa comercial dentro das regras da OMC em vigor não chegam perto de 5% dos US$ 255 bilhões de importações registrados no ano passado. E as medidas "criativas" de maior alcance, como o aumento do IPI de automóveis, só mostraram, até agora, como é perigoso improvisar nesse terreno.

O governo, que se prepara para anunciar o novo regime automotivo, com estímulos à instalação de fábricas e criação de pesquisa e desenvolvimento no país, argumenta que os anúncios bilionários de investimento por parte de montadoras estrangeiras, nos últimos meses, são sinal do sucesso do aumento do imposto, em 30 pontos percentuais, decidido no ano passado. Uma afirmação que só pode ser repetida pelos muito governistas ou muito crédulos.

A verdade é que praticamente todos os investimentos dos fabricantes de automóveis já estavam nos planos das empresas, alguns já tinham sido até anunciados. Se o aumento do IPI teve algum efeito foi o de criar incerteza entre esses investidores.

Fala-se no governo em eliminar o aumento do imposto para quem tiver planos de investir no país, mesmo que não cumpra de imediato as exigências de conteúdo nacional - que, aliás, até agora não ganharam definição clara. Na prática, isso significa recuar da decisão sobre o IPI até para montadoras chinesas, que, afinal, também estão vindo fabricar no Brasil. Um outro reconhecimento oficial da inutilidade do aumento do IPI foi o anúncio, pelo Planalto, da possível ruptura do acordo com o México, com o qual o Brasil tem livre comércio de produtos automobilísticos.

Mesmo antes do aumento, a balança comercial já mostrava uma escalada nas importações de automóveis do México que por causa do acordo automotivo, foram isentos do aumento de IPI. E, coerente com seu anúncio de preocupação com o forte influxo de importações, o governo decidiu forçar uma redução nas vendas mexicanas ao país, desta vez para surpresa das montadoras que têm no México um pilar de suas estratégia de produção.

Assim como não quer que o vigor da economia brasileira atraia capitais especulativos tornando o país mais vulnerável aos humores internacionais, a presidente Dilma Rousseff crê que seu projeto de estimular empregos e produção no país a partir das medidas de fortalecimento do mercado interno pode ser sabotado pelo crescimento de importações. É o que explica a pulsão protecionista em Brasília. Mas já há indicações suficientes para mostrar que as importações não são uma doença. São apenas sintoma de uma moléstia de muitas causas, chamada perda de competitividade da economia brasileira.

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