sexta-feira, março 16, 2012

Já vi esse filme antes - BARBARA GANCIA

FOLHA DE SP - 16/03/12


No meu documentário, Spike Lee tenta descobrir como Eike Batista conseguiu tanta vantagem com a Petrobras



O CINEASTA Spike Lee está preparando um documentário sobre o Brasil. Ele deve se chamar "Go Brazil Go!" e irá nos mostrar neste momento particular de glória. Uau, que bacana!

Sou fã da cruzada antirracista de Spike Lee. Apesar de não comungar com muitas de suas neuroses, concordo que, a cada dez vezes que o negro norte-americano for confrontado com autoridades, ao menos em, bem, dez ele correrá o risco de passar por algum tipo de dissabor.

Quando li a notícia de que Spike Lee viria filmar no Brasil, logo pensei: "Imagine se ele consegue fazer sobre o Brasil uma análise tão relevante quanto "Quando os Diques se Romperam", seu documentário sobre a passagem do furacão Katrina por Nova Orleans?".

Ao documentar o comportamento das autoridades locais da Lousiana e federais do então governo Bush (mas poderia ser de outro governo federal), Lee expôs os séculos de maus-tratos a que foram submetidos os negros de seu país.

Mostrou não ter sido obra do destino que aqueles que foram deixados para trás para morrer na enchente eram pobres e pretos. E aqui no Brasil, será que Spike Lee também vai filmar as injustiças de nossos pretos e enjeitados?

Então ele pode abrir com o clube de comédia em que o humorista -ou sei lá como se define o "wannabe" de Danilo Gentili que estava no palco- chamou o tecladista de "macaco" e prosseguir para o breu de uma rua da Cohab Adventista de onde Mano Brown, em meio ao ruído de sirenes de carro de polícia, surgiria entoando um de seus hinos fantásticos. Do som dos Racionais MC"s passaria então para a batida forte da caixa de som de uma Land Rover que estaria entrando no valet parking do recém-inaugurado shopping JK, na porção mais elegante de São Paulo.

Seria Spike Lee e o contraste "bling" com farofa. O que será que as plateias de Vancouver e Estrasburgo iriam achar disso? E corta para uma cena aérea, também noturna, da baía da Guanabara. Agora, estamos sobrevoando a Rocinha, os tetos dos casebres vão passando rente à câmera e um narrador conversa com uma moradora que perdeu marido, pai, mãe e três filhos para a guerra contra o tráfico. Ela já usou de tudo, agora está no crack e grávida. E deve para os traficas espantados pela pacificação. Sinuca.

Agilidade na edição, caímos de paraquedas no edifício Chopin, em Copacabana. Spike Lee está na sala com Narcisa e ela pergunta: "Do you like samba?". Ele faz cara de mau. No seu filme, não tem mulata rebolando e sorrindo para o príncipe Harry, não tem favela gentil, não tem menino que foi "cristianizado" por ONG e que agora joga capoeira para canalizar a raiva de ter se ferrado no Brasil.

"Fuck Mangueira, I want to see Eike!", Spike pede à Narcisa que o leve ao magnata. Ele não está interessado em saber se a Copa vai ser bem organizada ou se a Olimpíada vai deixar legado. Quer mais é descobrir como Eike Batista conseguiu fazer negócios tão vantajosos com a Petrobras. E por que ninguém se escandaliza com isso.

"Em seguida, você me leva para conhecer a Amazônia, que eu quero ver de perto a questão do desmatamento e entender porque vocês insistem em exportar carne a preço de banana." Spike agora fala um português irretocável e, demonstrando grande intimidade com sua interlocutora, conclui: "Mas, Narcisa, se a gente pudesse não ir de helicóptero, eu agradeceria".

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