terça-feira, março 06, 2012

A hora do controle - JOSÉ PAULO KUPFER


O Estado de S.Paulo - 06/03/12


Nos últimos três anos e pouco, desde o quarto trimestre de 2008, quando o banco Lehman Brothers quebrou, alguns dos mais inamovíveis conceitos vigentes no "main stream" econômico deram várias e várias cambalhotas. A fúria dos incêndios produzidos por estouro de imensas bolhas especulativas, que se alastrava com incrível velocidade, ameaçando provocar uma devastação nas economias maduras, não deu tempo a muita conversa conceitual. A necessidade de adotar medidas de extrema emergência falou mais alto.

Questões caras ao pensamento convencional foram deixadas de lado. Déficits públicos acima de 10% do PIB, dívidas públicas acima de 60% do PIB, juros reais negativos por longos períodos, reflexo da expansão praticamente sem limites da base monetária, dinheiro público aos borbotões para salvar negócios privados, tudo o que era condenado com a devida veemência passou a ser regra. O "moral hazard", limite protetor de um sistema econômico que se dizia regulado pelo risco, foi para as calendas. Correr riscos além do razoável passou a compensar.

Só os bancos centrais dos Estados Unidos, Europa, Reino Unido e Japão, nesse período, injetaram na praça US$ 8,8 trilhões, um estupendo volume de recursos equivalente a algo como 15% de toda a produção mundial de um ano. Essa dinheirama desequilibra completamente um jogo em que as economias emergentes nunca tiveram na mão as melhores cartas. Como no caso das marés, não se pode impedir a existência desse fluxo destrutivo, mas será que há razão para achar ser inútil erguer diques de contenção?

A intensificação da criação de liquidez, produzindo o que a presidente Dilma cunhou de "tsunami monetário", e a adesão hoje firme do FMI, tradicional baluarte da ortodoxia, aos controles de capitais, vêm minando resistências a esse tipo de intervenção. Mas, no Brasil, vítima preferencial das ondas de recursos despejados pelas rotativas dos BCs dos países ricos, ainda são muitos os recalcitrantes. É certo que faltam ao País melhores condições para se defender da onda de liquidez. Convivemos com problemas estruturais de várias ordens, que impõem pisos relativamente elevados para os juros básicos, um atrativo a mais para os recursos de fora, que pressionam o câmbio. Os argumentos da cartilha resistente, porém, com todo o respeito, são fracos.

O primeiro deles é o de que não adianta impor restrições porque os operadores acabarão encontrando brechas e driblando os controles. Isso pode até ser verdade, só que não se tem notícia de que os esquemas de segurança em informática e na internet tenham sido desativados porque hackers estão sempre furando os bloqueios. Existem, pelo visto, ganhos nas blindagens de sites e programas, mesmo que não eliminem as possibilidades de burla. Por que teria de ser diferente no caso dos capitais ingressantes?

Outro argumento muito comum é o de que dinheiro não tem carimbo e, assim, não dá para separar capital que entra para a produção do que vem especular. Há nisso, antes de tudo, um aspecto moral condenável: devem-se aceitar fraudes, como é o caso do desvio, para a obtenção de ganhos, por meio de arbitragem de taxas de juros, de dinheiro que declara ingressar como investimento direto na atividade econômica?

Alegar dificuldade no controle de fraudes não é, igualmente, um argumento forte. Embora o Banco Central não fiscalize os caminhos dos recursos externos ingressados - os departamentos de fiscalização foram desidratados nas modas globais de desregulação -, é perfeitamente possível fazê-lo. Exemplo: até comprovar a aplicação do recurso como declarado, o interessado pagaria um pedágio. Se a Receita Federal está apta a fiscalizar o que declaramos como despesas médicas no Imposto de Renda, exigindo do contribuinte, quando suspeita de fraude, comprovação dos gastos, por que o BC não poderia fazer o mesmo com os capitais externos?

Finalmente, contrapõem-se eventuais controles conjunturais de capitais externos a problemas estruturais, para negar valor a medidas de controle, quando se está em meio a um incêndio. Emergências não deveriam valer para todos?

Não há como negar que a economia brasileira precisa aumentar a produtividade e a competitividade, promovendo reformas para reduzir o "custo Brasil". Mas seria um grande passo se todos também concordassem que, com uma taxa de câmbio artificialmente muito valorizada, essa tarefa fica ainda mais espinhosa e distante.

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