segunda-feira, março 05, 2012

As empresas pagam tributos - MAÍLSON DA NÓBREGA

REVISTA VEJA

As empresas não pagam tributos (impostos, taxas e contribuições), ao contrário do que se pensa. São apenas responsáveis pelo recolhimento. Quem paga somos nós, pessoas físicas, quando consumimos bens e serviços, auferimos renda ou possuímos propriedade urbana ou rural. A carga tributária sobre os lucros e a propriedade das empresas representa, em última instância, a antecipação do que seria pago por seus sócios ou acionistas.

As empresas, pessoas jurídicas, são uma construção jurídica genial. Sua mais importante e brilhante espécie, a sociedade mercantil de responsabilidade limitada, surgiu no século XV, na Inglaterra. Dela se originou a sociedade anônima. Nessas duas espécies, o risco de quem adquire cotas ou ações se limita ao valor do investimento. A inovação contribuiu decisivamente para financiar a expansão do comércio internacional e das primeiras grandes empresas industriais. A elas se deve parte substancial do êxito do sistema capitalista e, assim, dos inéditos ganhos de bem-estar dos últimos dois séculos.

Em sistemas tributários racionais, as empresas repassam o custo dos impostos sobre os bens e serviços que produzem e comercializam. Não há impostos sobre as exportações. É nulo o custo tributário nas matérias-primas, partes e peças, e nos serviços como energia elétrica. Nada disso ocorre no Brasil, onde os impostos se entranham nos custos e reduzem a competitividade das empresas. Se elas exportam é pior, pois acumulam créditos tributários que não recebem ou demoram muito a receber.

Se fosse possível diminuir a carga tributária de 36% do PIB, as empresas poderiam não ter alivio algum. Sem mudanças estruturais, as regras e o caos atuais permaneceriam. O ganho viria da aplicação mais eficiente dos recursos pelo setor privado. Assim, o problema não é o tamanho da carga tributária, mas sua enorme complexidade, decorrente do cipoal de normas dispersas, confusas, irracionais e instáveis. Para cumpri-las, as empresas gastam 2600 horas anuais, mais do que em qualquer outro país, desenvolvido ou emergente.

A sociedade brasileira já se conscientizou da elevada e excessiva carga tributária. Campanhas como as da Associação Comercial de São Paulo contribuíram para tanto. Isso é bom para criar resistências a aumento de impostos, mas inútil para reduzi-los em horizonte razoável de tempo. Como assinalei aqui, não será o registro do imposto na nota fiscal, de cuja viabilidade continuo a duvidar, que vai criar as condições para reduzir a carga tributária. Isso porque seu tamanho é consequência do nível de despesas obrigatórias com pessoal, Previdência, educação, saúde e encargos da dívida pública, que são de difícil ou impossível redução e representam cerca de 35% do PIB. A quase impossibilidade de diminuir o peso dos tributos recomenda que se mobilizem a opinião pública e a classe política em prol da simplificação do sistema tributário, particularmente do seu mais complexo e ineficiente imposto, o ICMS.

Peter Lindert, professor de economia da Universidade da Califórnia em Davis, realizou interessante estudo comparativo entre o sistema tributário americano e o sueco. Em seu livro Growing Public (2004), ele mostrou que, embora a carga tributária dos Estados Unidos seja menor que a da Suécia, o sistema americano é menos eficiente (dados de 2010 apontam cargas tributárias de 25% e 48% do PIB, respectivamente). Para Lindert, a superioridade do sistema sueco se assenta fundamentalmente na maneira de tributar o consumo, que se baseia no método do valor agregado. O americano tributa o consumo mediante um imposto no varejo, sales tax, que é simples apenas na aparência.

A maior complexidade do nosso sistema tributário reside no ICMS, o principal imposto do país. O Brasil, um dos pioneiros do método da tributação pelo valor agregado, acabou tomando o rumo errado, particularmente na Constituição de 1988. O ICMS, o cerne do manicômio tributário, tende a piorar. É preciso um bom diagnóstico, coragem e liderança política para enfrentar a situação. No próximo artigo, defenderei uma saída para resolver o grave problema do ICMS, que é politicamente difícil, talvez utópica, mas não impossível.

Um comentário:

Unknown disse...

O IPI deveria acabar e o ICMS estadual se transformar num IVA Estadual. Assim a produção seria desonerada e os consumidores comprariam produtos mais baratos. Todo mundo ganharia com esta simples reforma. Ademais a receita do IPI não é fundamental para a União como a do IR, por exemplo. Falta vontade política para realizar uma pequena mudança que pode transformar todo o país.