segunda-feira, fevereiro 06, 2012

Pedagogia da licitação - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 06/02/12

Centenas de milhares de tablets para professores e estudantes não vão resolver as graves deficiências da educação pública no Brasil

Talvez em breve materiais educativos inseridos nos computadores do tipo tablet substituam livros didáticos, adicionando recursos de que o papel não pode dispor.

Talvez a tecnologia dos tablets já ofereça possibilidades de incrementar o aprendizado -países que educam suas crianças de modo competente testam com parcimônia o potencial do instrumento.

O governo federal brasileiro, de seu lado, financia a compra de livros didáticos de má qualidade. Dos municípios à União, governos administram redes de ensino ineptas. Mas o governo federal e os de alguns Estados preferem adquirir tablets às centenas de milhares.

Na realidade, o governo federal nem sabe o que fazer dos 900 mil aparelhos que acaba de adquirir. Como relatou esta Folha, num dia os equipamentos seriam distribuídos a estudantes. Noutro, a professores. Com qual finalidade?

Em tese, segundo diretrizes do programa Um Computador por Aluno, criar núcleos experimentais que servirão de base para a difusão da tecnologia nas escolas.

O pouco que se sabe a respeito do uso de laptops já bancados pelo governo comprova os temores de desperdício e falta de rumo do projeto: falta conexão de qualidade à rede, metade dos aparelhos foi abandonada, não há apoio técnico.

Mais relevante é o contraste entre a avidez com a qual o governo se entrega à pedagogia da licitação e a letargia no enfrentamento de problemas elementares. Faz-se tanto demagogia quanto propaganda de (suposta) modernização. A publicidade custosa ocupa o lugar do árduo trabalho de reformar, de fato, a educação brasileira.

Educação básica é atribuição de Estados e municípios; o Brasil é uma federação imensa. É, de fato, tarefa complexa coordenar um programa que envolve tantos problemas políticos, interessados e dezenas de milhões de estudantes.

Ainda assim, caberia ao Ministério da Educação liderar o esforço.

O que se faz para rever os currículos de modo a adequá-los às realidades das crianças de hoje? Ou para melhorar os materiais didáticos o bastante para minorar tanto as deficiências de um professorado mal formado quanto as das crianças, a maioria das quais vêm de famílias de baixa formação escolar?

Em que estado estão creches e escolas infantis, essenciais para uma escolarização posterior mais eficiente das crianças pobres? O que tem feito o governo federal para lidar com o problema da falta de professores qualificados, em especial de matemática e ciências?

Sem providências críveis para tais problemas, compras de equipamentos serão apenas maquiagem para encobrir a inépcia e o descaso com a educação.

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