segunda-feira, fevereiro 13, 2012

O desafio é a competitividade - RAUL VELLOSO


O Globo - 13/02/12


Passado o carnaval, caberá repassar os grandes desafios econômicos à frente do país, começando pelo processo de desindustrialização em curso e pela suposta sobrevalorização da taxa de câmbio. A queda de metade do peso da indústria de transformação no PIB vem, na verdade, desde o final dos anos oitenta. Na raiz estão a baixa qualidade da educação, a rigidez da legislação trabalhista, a altíssima carga tributária — que esconde gastos públicos correntes muito elevados —, as elevadas taxas de juros, a cara e insuficiente infraestrutura, e o baixo desenvolvimento tecnológico. Todos sabem disso, mas pouco se fez. Houve até abertura comercial, só que sem ajuste compensatório nesses fatores.
A emergência da China como potência industrial de grande peso no mundo e a consolidação da posição do Brasil como seu maior supridor de produtos agrícolas e minerais deram novo ímpeto ao mesmo processo. Diante do objetivo chinês de se tornar o maior exportador mundial de produtos industrializados, a indústria brasileira — e, de resto, a do mundo inteiro — passaram a sofrer a dura concorrência de produtos de qualidade crescente e preços progressivamente mais baixos.
O Brasil só não ficou pior, por ter se firmado como um dos maiores exportadores mundiais de commodities agrícolas e minerais, especialmente para a própria China, mercê, ainda, de ganhos de produtividade e expansão das áreas respectivas. E se beneficiou, assim, do forte aumento nos preços internacionais de commodities desde 2002.
Dado o crescimento da demanda agregada via consumo e a insuficiência de investimentos em serviços de infraestrutura e outros itens não comercializáveis com o exterior, sobem os preços relativos destes em relação aos demais, especialmente da indústria.
Ocorre, assim, uma pressão próapreciação real da taxa de câmbio, que vem se acentuando, diante da receita adicional de divisas derivada da subida dos preços de exportação de commodities e também do forte ingresso de capitais, seja pelos juros altos, seja pelas reformas macroeconômicas de curto prazo.
Sem medidas compensatórias, não haveria como evitar a tendência à migração de parcela dos recursos investidos nos setores perdedores — indústria — para os ganhadores (serviços e commodities). O encolhimento da indústria resulta, assim, da combinação dos fatores que elevam o custo de se operar no país, incluindo os gargalos nos serviços de infraestrutura, com os resultados da implementação do modelo chinês de dominação industrial, sem falar na abundância mundial de divisas.
Outra questão relevante na agenda é a fiscal, com sérias repercussões sobre a rentabilidade da indústria.
Mesmo com a obtenção de controle sobre a dívida pública, a implementação do modelo de crescimento dos gastos correntes, em vigor, retira recursos que poderiam ser direcionados à infraestrutura de transportes, e requer alta extração de tributos, sufocando o setor privado. Cria-se maior demanda corrente, mas se deixa de investir na ampliação da capacidade de produção do país, criando gargalos.
A retomada das concessões na área de infraestrutura é um sinal positivo, ao atrair recursos e gestão privada para onde o setor público tem baixa disponibilidade e ineficiência. Resta saber se as novas concessões de aeroportos ficarão efetivamente em pé.
Finalmente, temos que enfrentar a crise das hipotecas de baixa qualidade, que começou nos Estados Unidos, se alastrou pela Europa e se transformou numa inédita crise bancária e de endividamento público em todo o mundo desenvolvido. Por trás, estão duas dificuldades centrais: a baixa competitividade dos países periféricos em relação especialmente à Alemanha, e a resistência à adoção de medidas impopulares de ajuste fiscal por parte dos governos locais.
Como, por definição, as taxas de câmbio são fixas entre os países da União Europeia, inexiste a hipótese de depreciação cambial interna para aumentar a competitividade dos periféricos.
Para se tornarem competitivos, resta ajustar fatores de ineficiência, como os acima elencados, ou rezar pela depreciação da moeda de toda a área, ou seja, do euro frente ao dólar, algo difícil de ocorrer, diante da brutal expansão monetária americana.
Parte do sucesso da Alemanha até o momento se deve exatamente às reformas e ajustes estruturais que tem posto em prática. Assim, tanto lá como cá a palavra de ordem é se tornar competitivo.
Um recado final para Portugal e Grécia é que, em 1999, conseguimos aumentar o superávit fiscal da União em quase dois pontos de porcentagem do PIB, com menos dor explícita, e mesmo com a economia completamente estagnada. Na raiz da explicação estão a maxidesvalorização do real na virada para 1999 e a elevada inflação resultante, que explodiram receitas indexadas indiretamente ao dólar e corroeram despesas e a dívida pública. Ou seja, sem muita ajuda externa, só com ajustes explícitos nas contas públicas e nos fatores que minam a competitividade é que os países periféricos se viabilizarão dentro da união monetária.

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