quinta-feira, fevereiro 23, 2012

Hiper-realidade - CLAUDIA ANTUNES


FOLHA DE SP - 23/02/12


RIO DE JANEIRO - A polêmica desatada entre leitores da Folha pelo texto de Fernanda Torres crítico à Disney remete a um ensaio célebre do italiano Umberto Eco, em que o parque é analisado como ícone da hiper-realidade -tão perfeito em sua falsidade que toda experiência real parece sem graça.

Eco também aponta o consumismo subjacente ao cenário onírico (as lojas são bem verdadeiras, apesar das fachadas de brinquedo), e talvez seja por isso que eu, como Fernanda, resisti a levar meus filhos à Disney.

Minha primeira viagem em família ao exterior foi para a França, o que não deixa de mostrar, por sua vez, a visão idealizada de quem estudou a Revolução Francesa como marco maior das utopias contemporâneas.
Na Alta Provença, visitamos Moustiers Sainte-Marie, na encosta de uma montanha na região do rio Verdon. A cidadela medieval já viveu da produção de faiança. Hoje, a cerâmica esmaltada é comprada por turistas como lembrança da paisagem preservada para transportá-los ao passado.

As viagens a lazer, cuja massificação é fenômeno histórico recente, buscam a fuga do cotidiano. No fim das contas, nos EUA, na França ou no Vietnã, o que se espera no período curto de férias é uma amostra concentrada da imagem construída do destino -mesmo que, ao contrário da Disney, ele seja habitado por pessoas de verdade.

Desse ponto de vista, importa pouco se o Carnaval do Rio deixou de ser autêntico ou não. Como outros eventos explorados pela indústria turística, a festa carioca desdobra o real em vários níveis de fantasia, à escolha do freguês, e entrega o popular para deleite da classe média e dos ricos.
Se o turismo é uma das vocações econômicas óbvias da cidade maravilhosa, faltariam só, dizem os visitantes, uma invenção melhor do que os banheiros químicos e menos lixo nas ruas para chegarmos à perfeição.

Um comentário:

Anônimo disse...

Caro blogueiro,

Não estaria ai, mais um caso de corporativismo feminino?

Hiper-realidade não seria viajar pelo sertão e avistar meninas de 10/12 anos carregando baldes de água na cabeça para suprir as necessidades da casa? Isso no mundo encantado chamado Brasil.