quarta-feira, janeiro 25, 2012

Corporativismo transcendental - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 25/01/12

SÃO PAULO - Quando acho que já vi todas as formas pelas quais o corporativismo assalta a coisa pública, sou surpreendido pela criatividade humana. Desta vez, o golpe vem de uma facção de meus colegas filósofos.

Tramita na Câmara o projeto de lei nº 2.533/11, de Giovani Cherini (PDT-RS), que define quem pode ser Filósofo (com letra maiúscula mesmo). Como sempre ocorre com esse tipo de peça legislativa, a primeira providência é restringir a entrada na carreira, e a segunda, criar novas e mais ricas oportunidades de emprego.

Seguindo o enredo clássico, o projeto define como Filósofo quem concluiu graduação ou pós na área -o que faz a alegria dos donos de escolas e solapa mais um bocadinho o princípio constitucional que diz que o livre exercício das profissões deveria ser a regra geral-, mas avança o sinal ao reservar a uma tal de Academia Brasileira de Filosofia, entidade privada que exibe entre seus feitos a concessão de títulos "honoris causa" a João Havelange e Carlos Alberto Torres, o direito de emitir diplomas em todos os níveis.

Numa interpretação possível, após a publicação da lei, esse direito seria exclusivo na licenciatura e na pós, mas a ideia é tão absurda que prefiro crer que seja um erro de redação.

O pior vem no artigo 3º do projeto, que puxa um verdadeiro trem da alegria: "Os órgãos públicos da administração direta ou indireta ou as entidades privadas, quando encarregados da elaboração e execução de planos, estudos, programas e projetos socioeconômicos ao nível global, regional ou setorial, manterão, em caráter permanente, ou enquanto perdurar a referida atividade, Filósofos legalmente habilitados, em seu quadro de pessoal, ou em regime de contrato para prestação de serviços".

O que os filósofos farão, não se sabe. Talvez sua tarefa primeira seja encontrar uma função para si próprios.

Como o projeto tramita em caráter conclusivo, se nenhum deputado protestar isso acaba passando.

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