terça-feira, janeiro 17, 2012

Câmbio fora do lugar - JOSÉ PAULO KUPFER


 O Estado de S.Paulo - 17/01/12


Aos que se interessam pelas questões da política econômica, é recomendável ler - e guardar para reler - a reportagem do colega Fernando Dantas, manchete da edição do domingo aqui no Estado. O texto mostra que o custo de vida no Brasil, em dólares, é hoje um dos mais altos do mundo - mais alto do que, por exemplo, nos Estados Unidos.

É raro, como destaca a reportagem, um país emergente, de renda per capita em torno de US$ 10 mil, apresentar custo de vida acima do vigente em economias avançadas. Normalmente, o setor de serviços, em que a "produção" não pode ser substituída ou competir com importações, faz a diferença, mas em favor (melhor, no caso, seria dizer em prejuízo) dos países desenvolvidos. De uns tempos para cá, porém, o custo dos serviços, no Brasil, está levando o País para um indesejável lugar no topo da lista.

Essa constatação chama a atenção. Mas a explicação para o fato também chama a atenção. Insuspeitos analistas, inseridos na tradição econômica liberal, ouvidos na reportagem, trazem os níveis das taxas de câmbio para as luzes do debate sobre o "custo Brasil", onde costumeiramente o câmbio é relegado a um segundo plano. "Essa inversão mostra que as coisas estão fora do padrão porque a taxa de câmbio está completamente fora do padrão histórico", diz, na reportagem, o economista Armando Castelar, que atualmente coordena a área de economia aplicada do Ibre-FGV.

Se hoje está assim, não faz muito tempo era muito pior. De agosto para cá, a taxa de câmbio sofreu desvalorização razoável de 16%, que coincidiu com a retomada de um ciclo de cortes na taxa de juros. Mesmo assim, esse movimento foi claramente insuficiente, como informa, entre outros indicadores, a posição brasileira no ranking internacional da alta do custo de vida em dólares.

Faz sentido, portanto, que Francisco Lopes, presidente o Banco Central na tumultuada virada do regime de câmbio fixo para o de câmbio flutuante, em 1999, considere, como se lê na reportagem de Fernando Dantas, que o câmbio "ainda está atrasado".

Tirar o atraso do câmbio é que são elas. Em regimes de câmbio flutuante, por definição, taxas de juros altas tendem a valorizar o câmbio - e vice-versa. Sem entrar em firulas teóricas, a conclusão é a de que, quando se fala em câmbio fora do padrão, está se dizendo que os juros também estão fora do lugar. Isso deixa muita gente de cabelo em pé, sobretudo porque, quando se fala em repor os juros no lugar, segundo um tipo de entendimento, está se dizendo que a inflação pode sair do lugar.

A desvalorização cambial a partir de agosto deixou realmente muita gente de cabelo em pé. Fruto de algumas manobras administrativas, refletidas em mexidas no IOF, mas, essencialmente, da trajetória descendente dos juros, a desvalorização do câmbio provocou forte reavivamento de temores em relação ao chamado "pass through" - a transmissão dos efeitos de uma alta na taxa de câmbio para os índices de preços.

Na ocasião, o próprio presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, relativizou o risco, revelando que novos estudos indicavam redução do "pass through" na economia brasileira. Mas isso não foi suficiente para acalmar as críticas.

A vida real, contudo, que socorreu Tombini no caso da avaliação do BC sobre a amplitude da crise na economia global, acudiu-o de novo com a posterior verificação de que a transmissão para os preços da desvalorização cambial do segundo semestre do ano passado foi razoavelmente bem absorvida. Tanto que a inflação voltou a apresentar, pelo menos no curto prazo, tendência de recuo.

A verdade é que o dilema entre juros e câmbio precisa ser rompido. Menos pela aberração do alto custo de vida em dólares do que pelo que esse sintoma aponta: uma deterioração progressiva das contas correntes brasileiras com o exterior. No ano passado, o déficit ficou em 2% do PIB, mas as projeções para 2012 indicam um avanço para 2,5%. Como está, sobretudo diante da situação internacional, só tende a piorar. A boa notícia é que parece haver espaço macroeconômico para sair ou pelo menos amenizar os males do impasse.

Não há ainda razões para temores quanto à cobertura do déficit. Reservas internacionais elevadas e ingressos de recursos estrangeiros diretos, denominados em reais, atuam no sentido da redução do passivo externo quando ocorre desvalorização cambial.

Existem, porém, motivos de sobra para temer a evolução dos déficits externos no que revelam de desacertos da estrutura produtiva. Moeda forte, como a China e seus vizinhos emergentes nos lembram a cada dia, com suas moedas desvalorizadas, nem sempre é sinônimo de economia forte.

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