quarta-feira, janeiro 25, 2012

Câmbio e política externa - SANDRA POLONIA RIOS e PEDRO DA MOTTA VEIGA


 O Estado de S.Paulo - 25/01/12


Política cambial e política externa são dois temas que prometem ocupar espaço na campanha eleitoral de 2010. No primeiro caso, a forte apreciação da taxa de câmbio em 2009 e suas implicações para a competitividade do setor produtivo brasileiro vêm fomentando propostas de maior intervenção no mercado de câmbio e/ou de remontagem do aparato de política comercial. No segundo caso, o debate concentra-se no crescente ativismo brasileiro em foros internacionais e a sua efetividade na defesa dos interesses nacionais. O debate sobre os dois temas suscita a reflexão sobre as estratégias brasileiras no G-20 e as alianças que o País desenvolve nesse âmbito.

Independentemente dos malabarismos de política cambial ou comercial que se possam adotar para evitar ou mitigar os impactos da tendência à apreciação cambial no curto prazo, dois fatores são essenciais para determinar a trajetória de longo prazo da moeda brasileira: a situação fiscal doméstica - e seus reflexos sobre a taxa de juros - e os desequilíbrios econômicos internacionais. É a dimensão externa que nos interessa discutir aqui.

Com a eclosão da crise econômica global, no final de 2008, o G-20 foi alçado a status de foro privilegiado de interlocução voltado para a coordenação das reações nacionais à crise. A emergência dessa nova instância de interlocução e negociação foi percebida, pelo governo brasileiro, como altamente funcional a seu objetivo de participar dos processos de agenda-setting nas áreas da economia e da política internacional.

Como a crise atingiu o Brasil pela porta do setor externo - gerando escassez de financiamento às exportações e queda na demanda externa -, os vetores que orientaram a participação brasileira no G-20, em sua fase inicial (reunião de Washington em novembro de 2008) foram demandas de facilitação do acesso ao crédito comercial e o discurso contra o protecionismo e seus riscos.

Ao longo dos primeiros meses de 2009 tornou-se claro que a restrição ao crédito comercial para as exportações brasileiras pode ser gerenciada com instrumentos domésticos e que o recrudescimento do protecionismo não teve a intensidade que se temia. Paralelamente, outros temas ganharam peso na agenda brasileira para o G-20: a reforma das instituições financeiras internacionais - especialmente o Fundo Monetário Internacional (FMI) - e a redução dos desequilíbrios macroeconômicos globais.

Sobretudo a partir da terceira reunião do G-20, em Pittsburgh (setembro de 2009), a agenda macroeconômica do G-20 se amplia para incluir o tema dos desequilíbrios monetários internacionais, na perspectiva da implementação de uma estratégia coordenada de saída de crise e de transição para um padrão de crescimento global "mais equilibrado".

A declaração final da reunião lança o framework para um crescimento forte, sustentável e equilibrado, que pretende definir um processo para alcançar um objetivo central: assegurar que as políticas nacionais e regionais sejam consistentes com os objetivos de um crescimento global equilibrado e sustentável. Caberia ao FMI assistir os ministros das Finanças e presidentes dos bancos centrais do G-20 no processo de "avaliação mútua" das políticas individuais dos países-membros, reportando regularmente ao G-20.

O Brasil passa a ter interesse maior neste processo na medida em que a apreciação cambial é resultado, em parte, do spill over negativo de políticas de outros países. No início da década a China respondia por 3,9% do total das exportações mundiais; em 2008 essa participação era de 8,9%. A manutenção do regime cambial chinês, que estimula o crescimento doméstico com base nas exportações, tem implicações negativas para a competitividade de países que adotam taxas de câmbio flutuantes.

O regime de taxas flutuantes foi decisivo para o bom desempenho da economia brasileira nos últimos anos. Portanto, o que precisamos não é mudar o regime de câmbio doméstico, mas defender nos foros internacionais medidas para a correção dos desequilíbrios macroeconômicos globais e para a adequação das políticas cambiais dos principais players internacionais. Isso tem impactos sobre os objetivos e as alianças que o Brasil busca nos foros econômicos internacionais. As alianças devem variar de acordo com os objetivos e, no caso da correção dos desequilíbrios globais, Brasil e China não podem estar do mesmo lado.

*Sandra Polónia Rios, economista, é diretora do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (Cindes). Pedro da Motta Veiga, sociólogo, é diretor do Cindes

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