terça-feira, janeiro 31, 2012

Brasil, professor de capitalismo? - CLÓVIS ROSSI


FOLHA DE SP - 31/01/12

Governo acredita que possa ajudar Cuba a transitar para uma economia mais aberta

Não se realizará a visita da presidente Dilma Rousseff a Cuba que está na cabeça de todas as entidades de direitos humanos. Gostariam que a presidente justificasse sua afirmação de que os direitos humanos estariam no centro de sua política externa e, portanto, fizesse pelo menos uma menção à situação na ilha caribenha.
Não fará. O chanceler Antonio Patriota, na sua passagem por Davos, na semana passada, afirmou que Dilma não falaria para os ouvidos dos jornalistas, no que é uma insinuação de que falará aos ouvidos dos dirigentes cubanos.
Duvido. Não combina com o estilo Dilma, ainda mais que Cuba faz parte do museu da memória sentimental da esquerda latino-americana, e Dilma cultiva essa memória, mesmo sendo uma democrata.
Até entendo a posição histórica do Itamaraty, neste como em governos anteriores, de respeitar sempre a soberania de cada país. Mas discordo: direitos humanos são (ou deveriam ser) patrimônio da humanidade e, portanto, devem ser defendidos acima de qualquer fronteira.
Passemos à segunda -e real- visita da presidente. Neste ponto, é preciso desbastar a linguagem diplomática do chanceler Patriota, para quem o objetivo prioritário da viagem é conversar "sobre a atualização do modelo econômico cubano, em busca de maior eficiência".
Na verdade, o governo brasileiro acredita, desde a administração anterior, que está em condições de ensinar algo de capitalismo a Cuba, privada dele nos últimos 50 e poucos anos. Não é uma vã pretensão. Cuba está dando os primeiros -e tímidos- passos rumo a uma versão caribenha do modelo chinês. Ou seja, economia parcialmente de mercado com ditadura.
Essa transição para o capitalismo, parcial ou não, foi sempre acompanhada de alta da desigualdade, na Rússia pós-soviética, nos países da Europa Oriental e até na China, apesar do formidável crescimento.
O que o chanceler Patriota considera, com grande exagero, "modelo brasileiro" não precisou transitar para o capitalismo, que nunca abandonou, mas conseguiu, com sucesso, sair da ditadura para a democracia, estabilizar a economia e, ao menos, não aumentar a desigualdade, embora não a tenha reduzido (só reduziu a diferença entre salários, mas não entre a renda do capital e a do trabalho, a verdadeira obscenidade).
A mais relevante contribuição brasileira para a transição cubana não será, entretanto, uma eventual aula teórica, mas algo bem mais concreto: o financiamento para a modernização do porto de Mariel, a 40 quilômetros de Havana.
Marco Aurélio Garcia, o assessor diplomático tanto de Lula como de Dilma, acredita que ampliar Mariel só faz sentido se for para o comércio com os Estados Unidos. Hoje, não existe, pelo embargo imposto pelos norte-americanos à ilha.
Logo, ao financiar o porto, o governo brasileiro acredita estar contribuindo para uma aproximação com os EUA (não, como é óbvio, em um ano eleitoral como 2012). Essa hipótese só se tornará possível se Cuba abrir sua economia sem grande tumulto. Se o fizer, mas continuar uma ditadura, não é um problema insolúvel para Washington (vide as relações com a China).

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