domingo, setembro 25, 2011

ENTREVISTA - ROBERTO DaMATTA - Sobra dinheiro, falta vigilância


Sobra dinheiro, falta vigilância
ENTREVISTA - ROBERTO DaMATTA
REVISTA VEJA

O respeitado antropólogo brasileiro diz que o modelo de estado do PT, tão onipresente quanto ineficaz, só contribui para que a corrupção se dissemine pelo país

O antropólogo Roberto DaMatta,75 anos, dedicou grande parte de sua vida a decifrar o comportamento dos brasileiros, publicando livros que se tomaram clássicos. como Carnavais, Malandros e Heróis, de 1979. Ele observou de perto o objeto de suas pesquisas, seja embrenhando-se por tribos indígenas, seja examinando as pessoas ao volante - esse último assunto, aliás, abordado em seu mais recente livro, Fé em Deus e Pé na Tábua. Há sete anos, depois de quase duas décadas como professor na Universidade de Notre Dame, nos Estados Unidos, DaMatta voltou a viver em Niterói. sua cidade natal, e hoje dá aulas na PUC do Rio. Casado há 48 anos com Celeste (que sofre da doença de Alzheimer), com quem teve três filhos, ele lamenta: "O PT enterrou o ideal de pureza e aderiu às piores práticas do velho clientelismo"

Qual é a parcela de culpa do PT nos altos níveis de corrupção no Brasil?

Na era petista, essa praga que toma o estado brasileiro disseminou-se à vontade, a ponto de a população indignar-se e ir às ruas protestar. Assim que chegou ao poder, o partido enterrou de vez o ideal de pureza do qual tinha o monopólio. Para pôr de pé seu projeto, aderiu às piores práticas do velho clientelismo: troca de favores, cargos e dinheiro. Desse modo, conseguiu formar a Arca de Noé que é a coalizão na qual se apoia hoje e que lhe confere tanta força. Também deixou vago o espaço de uma oposição rigorosa, intolerante e dura, que deveria agora estar fiscalizando a farra no estado. E preciso lembrar àqueles que mandam na corte de Brasília que a máquina pública não é um veículo de enriquecimento e de aristocratização de seus funcionários. Veja o descalabro que é a evolução do patrimônio dos políticos brasileiros. Sua fortuna cresce a velocidade comparável apenas ao ritmo que embalou os barões de estradas de ferro nos Estados Unidos do século XIX. Algo está muito errado.


"A afeição do PT pelos marcos regulatórios é uma excrescência que se propaga no país à revelia do bom-senso"

Por que o Brasil é um dos campeões mundiais de corrupção? 
Primeiro, porque nosso estado é grande e centralizador de verbas e não atua com metas claras pelas quais precise prestar contas à sociedade. Sobra dinheiro e falta vigilância. Além disso, estamos falando de um mal de raízes muito antigas, entranhado no caldo cultural brasileiro desde os primórdios da colonização portuguesa. Foi ali que se fincaram as bases da ideia antimoderna de estado que persiste até hoje.

Quais seriam essas bases? 
Temos um modelo de estado generoso, condescendente e que faz vista grossa aos pecadilhos de seus altos funcionários em detrimento do mérito e da eficiência. Ou seja: é um verdadeiro pai, mas apenas para quem se encastela na máquina e para os que orbitam ao seu redor. Ali impera a lógica dos privilégios e dos favores, como se fosse a extensão da própria casa daqueles que estão sob suas asas. São velhas práticas que já se observavam a chegada de dom João VI. Quando desembarcou no Rio de Janeiro, um de seus primeiros atos foi confiscar um lote de casas para dar de presente à corte. Mais tarde, o então imperador dom Pedro I sairia distribuindo titúlos de nobreza aos parentes da marquesa de Santos, então sua amante. A proclamação da República ngo representou uma verdadeira ruptura dessa lógica. Mudou o regime, mas não a maneira de governar, tampouco a mentalidade reinante. Antes, inchava-se a máquina pública com parentes de sangue. Com o PT, o parentesco obedece à proximidade ideológica.

Por que as instituições não conseguem coibir os absurdos? 
Porque não sabemos distinguir o público do privado. É preciso contar com um conjunto de instituições de dimensão pública que ajude a fazer a transição do núcleo familiar para a vida em sociedade, demarcando bem as fronteiras. Nos países europeus e nos Estados Unidos, são as próprias escolas que tratam de ensinar às pessoas, desde muito cedo, que as regras de casa, onde cada um é especial e tem seus privilégios, simplesmente não podem se reproduzir na rua. Enquanto há pelo menos dois séculos se aprende ali a discernir o público do privado no bê-á-bá, no Brasil, em pleno século XXI, ainda se acha essa uma ideia estranha. Nossos maus hábitos se replicam, e se aprofundam, no âmbito do estado. Também nossas leis não ajudam a rechaçar a praga da corrupção.

Por que?
 A matriz jurídica no Brasil visa a garantir que determinadas pessoas em certas posições jamais sejam punidas. Para elas sempre há uma brecha legal. Foi o que ocorreu recentemente no caso da deputada Jaqueline Roriz (PMN-DF, filha do ex-governador Joaquim Roriz). Apesar de todas as evidencias de ter acumulado dinheiro ilicitamente, Jaqueline foi absolvida por seus pares, porque eles entenderam que ela teria prevaricado antes de se tornar deputada. Sendo assim, não haveria motivo para cassar seu mandato, o que a levaria à perda do cargo e da imunidade parlamentar, abrindo a possibilidade de ela ir a julgamento. Esse caso é emblemático de como a lei, ao se moldar ao perfil de poder do réu, se torna antiética. A leniência nesses casos é regra não exceção. O estado brasileiro usa as leis para manter os maus costumes. É vital inverter essa lógica perversa.

O sistema eleitoral brasileiro precisa mudar?
 Sim, e o voto distrital seria um avanço. A experiência mostra de forma contundente que esse sistema é eficaz por aproximar a sociedade dos políticos que ela elegeu, já que encurta o caminho para a cobrança de resultados e para a fiscalização. Pode fazer enorme bem ao país. Pois aqui ainda há uma distância espantosa entre eleitores e eleitos, que se beneficiam disso para fazer o que bem querem em seu cargo. Enfatizo que é preciso consolidar instituições que tratem de garantir que o estado trabalhe em benefício da sociedade - e não em favor de si mesmo.

Em sua opinião, o governo se mete demais na vida das pessoas?
 O PT cultiva um especial apreço pelos marcos regulatórios, uma excrescência que se dissemina em nosso país à revelia do bota-senso. O hábito vem de uma ideia atrasada segundo a qual o estado teria a resposta para todos os males da população - o que obviamente não tem. É um ideário que guarda parentesco direto com o populismo clássico. De acordo com essa corrente, sempre caberá mais um sob as asas benevolentes do estado, que acolhe e protege a todos. Para mim, está claro que isso não passa de uma maneira adocicada de não encarar questões amargas, que tem a ver com metas, mérito e com o bom gerenciamento dos recursos que são, afinal, dos cidadãos. O estado é hoje onipresente, mas o que ele precisa ser é eficiente.

O senhor pode dar um exemplo de intromissão indevida de estado? 
A discussão sobre a regulamentação da imprensa, que quando achamos que está morta teima em voltar à cena, é particularmente revoltante. Não vejo outro nome para isso senão fundamentalismo. Nos Estados Unidos, a liberdade de imprensa é um dos valores constitucionais mais caros. É sagrada. Já dizia Thomas Jefferson (1743-1826 ), em palavras de extrema lucidez, que preferia uma imprensa sem governo a um governo sem imprensa, sempre, segundo ele, "considerando que todos possam ler jornais". São ideias avançadas e consolidadas que parecem passar ao largo das preocupações do PT, mais voltado para o seu projeto de se manter no poder o maior tempo possível. Mesmo que não tenha um plano definido sobre o que quer para o país e esteja perdido em um caldo ideológico confuso.

"A ideia petista de que sempre cabe mais um sob as asas do estado não passa de uma maneira adocicada de não encarar questões amargas como o cumprimento de metas e o bom gerenciamento dos recursos que são dos cidadãos"

Quais são as indefinições do PT? 
Há uma grande indefinição no PT quanto ao que o Brasil deve ser. Ouve-se de tudo: socialista, protossocialista, pós-socialista, capitalista. Falta também ao partido definir de uma vez por todas o que pensa sobre direitos humanos. Apoiar ditaduras mundo afora é uma contradição não só com sua trajetória, mas também com seu discurso atual - o mesmo que levou o partido ao poder. Em meio a dúvidas tão fundamentais, emerge um paradoxo. Mesmo que o país já se baseie em um sistema econômico moderno e competitivo, que o PT acolhe e em certa medida impulsiona, persiste até hoje uma forte resistência de petistas a valores universais como liberdade, competição e meritocracia. É algo inaceitável para um país que se pretende peça relevante de um mundo globalizado.

Por que há tanta resistência à ideia da meritocracia no Brasil? 
A ideia de distinguir as pessoas por suas competências e talentos especiais sempre foi rechaçada pela maioria porque vai de encontro à própria maneira como nos entendemos no mundo: o brasileiro se sente estranho e desconfortável em situações nas quais os papéis não estão predefinidos, mas precisam ser conquistados à distancia das relações de parentesco e amizade. No fundo, temos verdadeira alergia ao igualitarismo, segundo o qual todos dão a largada do mesmo ponto e cada um chega a um lugar diferente dependendo do próprio esforço e resultado. Eu mesmo passei boa parte de minha vida profissional fora do Brasil para fugir desse tipo de dogma.

O que mais o incomodava no ambiente universitário brasileiro?
 Nas instituições públicas, impera a regra do tradicional funcionalismo - uma camisa de força para o trabalho intelectual. Muita gente na universidade, que gosta de estar sob tais normas, faz jornada das 9 da manhã às 5 da tarde. Como se fosse possível a quem ambiciona produzir algo verdadeiramente relevante e original encerrar o expediente com o critério do cartão de ponto. Comprar um reagente ou qualquer outro material é uma via-crúcis. Quem julga o processo é um burocrata de Brasília sem nenhuma sintonia com a cabeça do cientista. 

E as greves? 
Evidentemente, respeito o protesto, mas a paralisação das aulas é inadmissível. Professor indignado deve dar mais aulas ainda. De tudo, no entanto, o que mais me agastava era a isonomia salarial. É inadmissível ganhar o mesmo que um profissional que fica comando, os minutos para ir para casa. Como o grande gerente do ensino superior de elite no Brasil, o estado não tem contribuído para tornar a academia brasileira criativa e inovadora.

Em sua mais recente pesquisa, o senhor estudou o comportamento dos brasileiros me trânsito. O que concluiu? 
O trânsito mostra de forma inequívoca como o brasileiro tem horror a situações em que é colocado em igualdade de condições com os outros. Porque, ainda que uns dirijam suas limusines e outros, carrinhos populares, ou que uns tenham dinheiro para molhar a mão do guarda e outros não, o sinal vermelho será o mesmo para todos. Ultrapassá-lo significa por a própria vida e a dos outros em risco. As 40000 mortes no trânsito registradas no Brasil por ano são, em grande parte, o resultado da absurda e homicida tentativa de sobrepor-se à regra. O sistema de favores e privilégios, tão eficiente em outras esferas, não garante a invulnerabilidade dos que desrespeitam as regras de transito. Para um antropólogo como eu, ainda que com todos os entraves, o Brasil oferece um campo inesgotável para a investigação científica.

Sua mulher foi diagnosticada com a doença de Alzheimer. Como é lidar com isso? 
Essa doença 6 terrível porque rouba a alma do doente, subtraindo dele o que nos torna, afinal, humanos: a capacidade de expressar de forma elaborada nossas ideias e emoções. A doença de minha mulher, Celeste, foi diagnosticada há sete anos, e hoje ela já não fala, - só sorri. Claro que faço projeções sobre esse sorriso. Será que é para mim? Celeste foi perdendo a capacidade motora e cognitiva aos poucos. No princípio, até pensei: "Não deve ser tão complicado". Mas com o tempo a doença mostrou seu lado mais perverso. É doloroso demais perceber que da pessoa que conheci há 48 anos, por quem me apaixonei perdidamente e com quem formei uma família, só ficou o corpo, como uma lembrança do que já foi. Ela ainda está aí, mas não dá para traduzir em palavras a falta que me faz.

"O brasileiro rejeita a meritocracia porque se sente desconfortável em situações nas quais os papéis de cada um não estão predefinidos, mas precisam ser conquistados a distância das relações de parentesco e de amizade"

ANCELMO GOIS - Made in Israel



Made in Israel
ANCELMO GOIS
O GLOBO - 25/09/11

A Nike adora estampar sua marca na camisa da seleção brasileira, mas não tem o mesmo apreço pela nossa indústria.
O novo uniforme do time pentacampeão foi feito na Indonésia (a camisa), na Tailândia (o calção) e em Israel (a meia).

Aliás...

A empresa ouviu as preces de Ziraldo aqui na coluna e retirou a faixa verde que ficava na frente.
O mestre ponderou que "o peito dos heróis é espaço para grandes insígnias e não para um sinal negativo, de menos".

Chico no Rio

Chico Buarque abre a turnê do seu novo disco em janeiro, no Vivo Rio.

Bate coração

O coração de Elba Ramalho está batendo forte novamente.
Depois do sanfoneiro Cezinha, a cantora namora um professor universitário da Paraíba. Que os dois sejam felizes.

Faltam negros

Primeiro, as escolas deram falta de senhoras para a ala das baianas. Agora, são os negros.
A Beija-Flor quer levar 1.500 à Sapucaí, para mostrar a influência da cultura africana em São Luís, tema do desfile em 2012. Só conseguiu 360 até agora, e vai procurar em bailes funk. Quem se habilitar, desfila de graça.

Lá de Marrakesh

Dominique Strauss-Kahn, o safadinho ex-diretor do FMI, e a mulher, a coleguinha Anne Sinclair, desembarcaram quinta em Marrakesh, onde têm uma imensa propriedade.

Brazilië, Brazilë

João Ubaldo Ribeiro, o escritor baiano, vai à Bélgica em outubro para a Europália, festival de artes, e à Holanda, onde vai festejar o aniversário da tradução de "Viva o povo brasileiro".
O livro, lá, se chama "Brazilië, Brazilë".

Bolero desafinado

A 2ª Vara Cível do TJ-RJ condenou a gravadora Polydisc a indenizar Carlinhos de Jesus, o dançarino, em R$ 30 mil.
É que o disco "Boleros eternos — grandes sucessos", da coleção "20 super sucessos", traz na capa uma conhecida foto de Carlinhos, com terno branco e chapéu panamá, sem autorização do artista.

E mais...

O dançarino ainda reclama por ter sido retratado como um sambista de gafieira num disco de... bolero.

Caipirinha à francesa

O "Le Monde" de sexta publicou artigo de quase uma página sobre a invasão de uma bebida na noite parisiense: a minha, a sua, a nossa caipirinha.
Segundo o jornalão, o drinque inundou as casas noturnas da capital do vinho.

A flor de Roseana

Roseana Murray, uma das escritoras mais lidas nas escolas, que acabou de vender 500 mil exemplares do livro "Poesia essencial", virou nome de uma nova hemerocallis.
Criada por uma produtora de plantas ornamentais de Joinville, SC, vai ser apresentada para a sociedade botânica em novembro.

Gois no Rock in Rio

Teve gente que não enfrentou problemas de transporte para ir ao Rock in Rio.
Os bacanas do Golden Green, na Barra, usaram o heliponto do condomínio para translado de helicóptero até a Cidade do Rock.

Locanda caiu

O reduzido time de restaurantes três estrelas do "Guia 4 Rodas" — são apenas seis no Brasil — sofrerá uma mudança: entra a casa de Roberta Sudbrack, no lugar do Locanda della Mimosa, que cai para duas estrelas.
A lista completa será anunciada amanhã.

Que sejam felizes!

Os atores Mateus Solano e Paula Braun fizeram festa ontem para celebrar a união, mas se casaram no sábado anterior em uma sinagoga do Rio.
Na cerimônia, Solano até falou em hebraico.

Mulato inzoneiro

A Caixa Econômica Federal suspendeu terça o polêmico anúncio que mostrava um Machado de Assis embranquecido. O presidente do banco, Jorge Hereda, ainda pediu desculpas aos movimentos ligados às causas raciais, "por não ter caraterizado o escritor, que era afro-brasileiro, com a sua origem racial".
O curioso é que Machado, nascido de uma família pobre no Morro do Juramento, no Rio, nunca se manifestou sobre sua condição racial.
— Machado sempre preservou sua privacidade — diz o acadêmico Domício Proença Filho, autor, entre outros livros, da "Trajetória do negro na literatura brasileira". — Ele não escreveu sobre sua infância ou eventuais preconceitos raciais que tenha sofrido ao longo de sua vida.
O apego à discrição, lembra Domício, levou o autor a destruir quase todas as suas cartas de amor a Carolina. Sobraram duas.
O acadêmico lembra que, embora haja vários escritos de Machado em defesa da abolição da escravatura, ele nunca foi um militante entusiasta abolicionista.
— Em dois contos, "Pai contra a mãe" e "O caso da vara", ele fala de escravos. Mas em nenhum dos dois casos o núcleo central da história é a escravidão. Machado mantinha uma certa distância do tema.
Que nem, acrescento eu, Pelé.

ILIMAR FRANCO - Efeito Jaqueline



Efeito Jaqueline
ILIMAR FRANCO
O GLOBO - 25/09/11

A absolvição da deputada Jaqueline Roriz (PMN-DF), flagrada em vídeo recebendo propina, gera reação. O deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) fez consulta à Mesa: fatos anteriores "contaminam" o mandato? A defesa sustentou que não e ganhou no plenário. Mas Miro reage: "A Câmara não pode virar um refúgio". O relator da consulta no Conselho de Ética, Carlos Sampaio (PSDB-SP), que pediu a cassação de Jaqueline, dirá que contamina sim. A decisão sai na próxima quarta-feira.

Arrumando a mala

Derrotado nas eleições para o TCU, o deputado Átila Lins (PMDB-AM) recusou a relatoria da DRU. Irritado com seu partido, está conversando com o governador Omar Aziz (AM) sobre sua transferência para o PSD de Gilberto Kassab.


NO COMPASSO DA HISTÓRIA. O cantor e compositor Geraldo Azevedo será considerado anistiado político sexta-feira, num ato da Comissão da Anistia, em Recife. Em parceria com Geraldo Vandré, é autor de "Canção da despedida", música censurada em 1968. Um dos versos: "eu quis ficar aqui, mas não podia/ o meu caminho a ti, não conduzia/ um Rei mal coroado não queria o amor em seu reinado/ pois sabia, não ia ser amado". Azevedo foi preso em 69 e em 75, no Doi-Codi. Relata que sofreu torturas.

É preciso um gesto dos estados produtores. Este é outro governo, com outro presidente e num outro momento. A derrubada do veto é o pior dos mundos" - Henrique Eduardo Alves, líder do PMDB na Câmara (RN), sobre os royalties do petróleo nas áreas já licitadas


OS GOVERNADORES Renato Casagrande (ES) e Geraldo Alckmin (SP) estão acertados com os estados não produtores de petróleo. Eles vão ganhar no pré-sal e têm pouco a perder no já licitado.

O GOVERNADOR Sérgio Cabral (RJ) convocou os senadores Francisco Dornelles (PP), Lindbergh Farias (PT) e Marcelo Crivella (PRB) para almoçar amanhã. Eles querem obstruir o Senado e impedir a votação de projeto que redistribui os royalties do petróleo.

O MINISTRO Edison Lobão, de Minas e Energia, diz que a proposta do governo federal para os royalties não é de sua autoria, mas do Ministério da Fazenda.

"...mas sua filha gosta"

Lurian, filha do ex-presidente Lula, está há dois meses trabalhando com o deputado Gabriel Chalita (PMDB-SP). Licenciada do PT desde 2008, ela aposta numa disputa, para a Prefeitura de São Paulo, entre o seu chefe e o ministro Fernando Haddad. "Se for o Haddad o petista escolhido, vai ser um debate de alto nível com o Chalita", diz. Lurian assegura que Chalita não vai para o Ministério de Dilma na reforma de janeiro. Depois das eleições, quem sabe.

Bronca geral

A bancada do PT reclamou com o ministro Paulo Bernardo (Comunicações) de supostos excessos da Anatel e da PF nas batidas a rádios comunitárias. Jesus Rodrigues (PT-PI) contou caso de gente que foi a óbito numa dessas ações.

Reforço

A presidente Dilma pediu à ministra Gleisi Hoffmann (Casa Civil) que dê atenção redobrada à Copa do Mundo. No foco: a construção dos estádios pelos clubes e as reformas nos aeroportos. A ordem é marcar de cima a CEF e o TCU.

Vetado

O governo Dilma não quer nem ouvir falar da proposta de aumento do pagamento de participação pela Petrobras para resolver a demanda dos estados não produtores. Alega que isso prejudicaria os planos de investimento da empresa.

O voto em lista só interessa ao PT

Os grandes partidos não querem saber do voto em lista. Sustentam que essa mudança só beneficia o PT. Desde 1998, a votação petista à Câmara dos Deputados cresce e, desde 2006, é a maior. O PT partiu de 12,7 milhões de votos em 1998, para 16,8 milhões em 2010. O PMDB caiu de 20,3 milhões, em 1994, para 12,9 milhões em 2010. O PSDB caiu de 18,1 milhões em 1998 para 11,7 milhões em 2010. O DEM afundou de 18,3 milhões em 1998 para 7,4 milhões em 2010. Caíram também as votações do PP, do PDT e do PTB. Muitos petistas já perceberam que os outros partidos não vão facilitar o caminho do PT rumo à hegemonia.

MAC MARGOLIS - Silenciando a verdade na Argentina



Silenciando a verdade na Argentina
MAC MARGOLIS
O Estado de S.Paulo - 25/09/11

Cristina Kirchner está de salto alto. Segundo o tabloide americano New York Post, a estilosa presidente argentina foi flagrada em Paris de sapato Christine Louboutin - 20 pares deles, aliás. A US$ 5.500 o par, a conta total teria chegado a $110 mil.

La Kirchner nega a extravagância. E seu chefe de gabinete, Aníbal Fernández, desancou o "jornalismo marrom" de Rupert Murdoch, dono do Post e pivô do maior escândalo da imprensa britânica, e ainda alertou sobre o perigo de a mídia recorrer a fontes "de tamanha baixeza e sem a menor credibilidade".

Nunca uma ameaça à vida democrática foi tão eloquentemente definida. A informação deturpada não apenas distorce fatos, como provoca conflitos, solapa instituições e ludibria cidadãos, sejam magnatas ou operários. Que o digam os argentinos.

Semana passada, o juiz Alejandro Catania intimou o jornal El Cronista Comercial, entre outros, a fornecer nomes, endereços e telefones de jornalistas que escrevem sobre inflação. Em quase qualquer outro país, a medida causaria espanto.

Em 2007, preocupado com a economia aquecida e os eleitores inquietos, o então presidente Néstor Kirchner intrometeu-se no respeitado Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (Indec), demitindo a diretora responsável pelo Índice de Preços ao Consumidor. A ofensa dela: calcular a inflação de janeiro daquele ano em quase 2%, o dobro da taxa oficial divulgada ao público. A diretoria do Indec pediu demissão e foi imediatamente trocada por outra, fiel à numerologia da Casa Rosada. Assim era na Argentina, um governo soberano que comandava uma economia frágil, capaz de vergar dados sólidos como Uri Geller derretia colheres.

A contabilidade governista ajudou a pauta política. Cristina foi eleita em 2007, com 75% dos votos válidos. Com a inflação em alta, resolveu aprofundar a "reforma" do Indec. A oposição denunciou a manobra, acusando o governo de maquiar os dados e de sistematicamente subestimar a inflação. Mas a Justiça argentina, loteada pelo kirchnerismo, entrou em ação e lançou mão do Artigo 400 do código penal, que penaliza "fraudes" no comércio e na indústria.

Foi o início do fim dos dados isentos. Até então, o Indec era um farol na nebulosa economia argentina. Agora não orienta mais ninguém. Desde 2008, o FMI e o governo argentino não se entendem sobre as contas nacionais. De dissídios coletivos a balanços anuais, os argentinos recorrem a estimativas independentes. Resultado: enquanto o Indec divulgou a inflação de 9,8% em agosto, analistas de mercado falam em 20%.

Ou melhor, falavam. Cercada de juízes amigos, Cristina já puniu nove empresas de consultoria econômica neste ano, impondo multas por publicar estatísticas "enganosas". Agora chegou a vez dos jornalistas.

O trabalho da imprensa, claro, é esclarecer e não se impressionar por fontes de informação distorcida - "de tamanha baixeza e sem a menor credibilidade", como diria o kirchnerismo. O problema é quando a economia é frágil e o governo, soberano. Cristina tem força para impor o silêncio. Cotada para vencer a reeleição em outubro, Cristina está de salto alto.

MERVAL PEREIRA - Custos sociais



Custos sociais
 MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 25/09/11

A tese de que é preciso gastar cada vez mais no social, ainda que isso tenha um custo alto, como a criação de novo imposto para substituir a CPMF, aumentando ainda mais a carga tributária, porque provocaria o desenvolvimento, está em vigor muito antes deste governo.
No anterior, de que este se apresenta como mera continuidade, o ministro Patrus Ananias, do Desenvolvimento Social já a defendia, sem que entrassem em suas cogitações, como não entraram agora, a contenção dos desperdícios e a melhoria da gestão pública para encontrar um melhor encaminhamento para o dinheiro do Orçamento que já existe.
A declaração do empresário Jorge Gerdau, que preside a Câmara de Políticas de Gestão, Desempenho e Competitividade, ligada à Presidência da República, de que antes de pensar em criar um novo imposto seria preciso que o sistema de saúde melhorasse sua gestão, é um alento dentro de um governo que, mesmo tendo tido o mérito de repensar a gestão pública, continua preso a dogmas antigos.
A presidente Dilma não assumiu nunca o apoio à criação do novo imposto, a Contribuição Social da Saúde (CSS), que seria o substituto da CPMF, mas estimulou que os governadores tentassem convencer suas bancadas no Congresso nesse sentido.
Mesmo depois que foi derrotada, tendo sintomaticamente apenas o voto do PT, a presidente deu sinais de que concorda com a criação de um novo imposto, ao dizer que a questão da Saúde no Brasil não se resolve apenas com gestão, mas será preciso mais dinheiro.
Gerdau, que é presidente do conselho do Instituto de Desenvolvimento Gerencial (INDG), do consultor mineiro Vicente Falconi, uma das principais consultorias sobre moderna gestão empresarial do país, trabalha dentro de um governo gastador para tentar dar um sentido de eficiência na gestão pública, e esclareceu que não é razoável criar-se novos impostos quando não foram esgotadas as medidas para melhorar a gestão de uma determinada área.
Os economistas dizem que não há teoria, nem evidência empírica, que demonstre uma relação de causalidade entre gastar mais e gerar riqueza. No caso europeu, berço do Welfare State agora colocado em xeque diante da crise econômica que assola o mundo, primeiro os países ficaram ricos e, depois, começaram a praticar políticas sociais ativas e com maiores gastos sociais.
No Brasil, e não apenas nesta administração, a ideia de que a carga tributária tem que ser alta para manter os programas sociais vem de muito tempo. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso dizia, em seu tempo de governo, que cortar carga tributária poderia significar "a morte de criancinhas no Nordeste".
A presidente Dilma, no mesmo sentido, chegou a dizer que gastos correntes representam "vida" e não podem ser cortados.
Diante de carências tão grandes nas áreas sociais, é mesmo natural que os governantes temam as consequências de um programa de gestão, mas as experiências estaduais bem sucedidas de gestão pública eficiente levaram a discussão para além do simples corte de gastos.
O programa de melhorias administrativas é uma constante desde os anos 80 do século passado em países pioneiros como a Austrália e a Nova Zelândia. A nossa Lei de Responsabilidade Fiscal, nos seus princípios maiores, foi inspirada na da Nova Zelândia.
Pesquisa do Banco Mundial em parceria com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que reúne os países mais desenvolvidos, mostra que a maioria deles inclui dados de desempenho não financeiro em seus orçamentos, sendo que alguns possuem até mesmo mecanismos formais para premiar os funcionários públicos, com a combinação entre desempenho, metas atingidas e bônus salarial.
Diante da situação das contas públicas, a ênfase do primeiro momento no governo Dilma será dada à redução dos custos, dentro da máxima "fazer mais com menos" cunhada pela ministra do Planejamento, Miriam Belchior.
Mas sempre que o problema aperta, a melhor saída é a tentativa de aumentar impostos, antes de tentar conseguir uma gestão mais eficiente.
A ideia de administrar um país como uma empresa privada, com a burocracia, a ineficiência e a falta de controle das finanças públicas substituídas pela busca de resultado, a gestão eficiente e o controle rigoroso das despesas, ganhou a presidente Dilma, mas precisa ganhar a máquina administrativa.
O Conselho de Gestão e Competitividade é o embrião do que poderá vir a ser a versão brasileira dos organismos governamentais que controlam a eficácia dos órgãos do governo na Nova Zelândia e na Austrália, ou então, como já fazem outros países, o controle seria feito por empresa privada de consultoria, sob a supervisão de auditor governamental.
O Instituto de Desenvolvimento Gerencial (INDG), do qual Gerdau faz parte, já tem convênios com diversos governos estaduais para melhorar a atuação da máquina pública. No caso da Saúde, por exemplo, o Australian Audit Office, responsável pela eficiência do setor público no país, define 56 indicadores, incluindo tempo de espera pelo atendimento e o índice de retorno por complicações causadas pelo primeiro atendimento.
A eficiência de cada setor governamental é medida pelo estabelecimento de metas a serem cumpridas, como se cada ministério assinasse com a Presidência da República um "contrato de gestão".
A Rede Sarah, a mais importante rede de hospitais especializados em aparelho locomotor e pesquisas neurológicas do país, e uma das melhores do mundo, é um exemplo bem-sucedido que temos no país de contrato de gestão com o governo federal, através do Ministério da Saúde.
Tratamento do dinheiro público com base em boa gestão, previsão orçamentária e acompanhamento de metas e desempenho, são algumas das medidas adotadas pelos países desenvolvidos para tornar o Estado mais eficiente.
A Câmara de Políticas de Gestão, Desempenho e Competitividade está trabalhando em áreas críticas do governo, inclusive em órgãos com denúncias de corrupção como o Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura em Transportes), não no sentido de fiscalizá-los, mas de criar métodos transparentes de gestão para que a eficiência dificulte práticas corruptas.
Assim como considera ser possível evitar desperdícios do dinheiro público na Saúde antes de pensar em criar novos impostos.

ETHEVALDO SIQUEIRA - TCU não assusta ninguém



TCU não assusta ninguém
ETHEVALDO SIQUEIRA 
O Estado de S.Paulo - 25/09/11

O Tribunal de Contas da União (TCU) está perdendo sua força. Especialmente depois que fechou os olhos às irregularidades e ao superfaturamento de R$ 121 milhões de uma licitação da Telebrás (pregão 02/2010). Embora o sobrepreço tenha sido comprovado pelos peritos da Terceira Secretaria de Obras do Tribunal (Secob-3), o relator do processo, ministro José Jorge, propôs à Telebrás que renegociasse os preços, para trazê-los aos níveis de mercado, mas alterando os preços de referência, para reduzir o superfaturamento.

O problema é que, mesmo depois de a Telebrás ter renegociado os valores dos contratos, ainda resta um sobrepreço de R$ 67 milhões na licitação. A entrada da Câmara dos Deputados nesse assunto significa que o tema deverá ganhar mais visibilidade. E, em breve, haverá novos capítulos dessa novela, com investigações do Ministério Público e da Polícia Federal.

Mais surpreendente foi a aprovação dessa solução heterodoxa e pouco republicana pelo plenário do TCU, em 25 de maio de 2011, mesmo depois das advertências feitas pelo procurador-chefe do Ministério Público junto àquele Tribunal, Lucas Furtado, que se manifestou de forma incisiva pela nulidade da licitação e dos contratos.

O assunto ganha novas dimensões ao ser debatido pela Câmara dos Deputados, a partir da audiência pública realizada na terça-feira última, na Comissão de Ciência, Tecnologia, Informática e Comunicações (CCTCI), por iniciativa do deputado federal Antonio Imbassahy (PSDB-BA). Na oportunidade, a Comissão ouviu, entre outras pessoas, o presidente da Telebrás, Caio Bonilha, o procurador do TCU, Lucas Furtado, e o empresário Petrônio Augusto, da Seteh Engenharia.

Ética? Que ética? Como relatei em outras colunas, fui ouvir o ministro Paulo Bernardo, das Comunicações, de quem esperava atitude muito mais decisiva nessa área de combate à corrupção.

Enganei-me, leitor, e acabei ouvindo do ministro acusações contra o TCU e a informação espontânea de que havia visitado os ministros daquele tribunal para mostrar-lhes a relevância do Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) e pedir que aprovassem a licitação da Telebrás, cheia de irregularidades e superfaturada.

Quando perguntei a Paulo Bernardo se não lhe preocupava a questão ética ao apoiar uma licitação viciada, ele, irrefletidamente, explodiu: "Quero que a ética vá para o inferno. Eu quero é trabalhar..." Perguntei-lhe ainda se ele não temia a publicação literal dessa declaração. "Publique, se quiser" - desafiou. Só por isso, registro aqui o desabafo insensato.

É claro que o ministro Paulo Bernardo não foi responsável direto pela licitação da Telebrás, até porque não era ministro das Comunicações na época do pregão 02/2010. Mas, ao saber das graves irregularidades e do superfaturamento, o mínimo que dele se podia esperar era a anulação imediata da concorrência suspeita. Para que não se torne conivente com o malfeito, segundo a expressão da presidente Dilma.

Tudo é política. No passado, o TCU criava obstáculos reais à corrupção. Hoje, com a politização crescente, se torna mais suave e manso. Outra escolha política foi a da deputada Ana Arraes (PSB-PE), que acaba de ser aprovada pela Câmara dos Deputados, para ser a nova ministra.

Não sei se a deputada foi escolhida por ser mulher, por ser filha de Miguel Arraes ou por ser mãe de Eduardo Campos. O ideal seria que, antes de tudo, a ministra tivesse um currículo brilhante e adequado para o cargo. A grande decepção do cidadão no Brasil de hoje é a prevalência do interesse político sobre todos os demais critérios na escolha de ministros.

No caso de Ana Arraes, o que mais me preocupa são suas declarações, ao antecipar que não aceita a paralisação de obras, embora afirme estar disposta a combater a corrupção. A deputada nos dá a impressão de estar mais preocupada com o ritmo das obras do que com a defesa do erário público.

Temos mostrado reiteradas vezes as raízes e o crescimento da impunidade no País. É claro que o problema é muito mais vasto, pois, com a politização crescente, o TCU vai perdendo sua eficácia. O loteamento político do Tribunal, no entanto, já vem de muito antes de Ana Arraes. A escolha do ministro José Jorge, por exemplo, em 2009, teve apoio muito mais amplo do que o da base governista PT-PMDB, pois ele havia sido ex-deputado federal e ex-senador pelo DEM-PE, além de candidato a vice-presidente da República na chapa de Geraldo Alckmin (PSDB-SP), nas eleições de 2006.

Desencanto. Diante da baixa credibilidade de nossas instituições, em todos os níveis da administração pública, o cidadão brasileiro razoavelmente informado está cada dia mais desencantado. A meu ver, nesse processo, as duas piores descrenças decorrem não apenas do enfraquecimento do TCU, mas, em especial, de decisões decepcionantes do Judiciário, como a anistia ao terrorista italiano Battisti e as anulações de provas contundentes de corrupção colhidas pela Polícia Federal nas operações Boi Barrica, Satiagraha, Navalha, Mãos Limpas e Pandora.

E é bom não esquecermos da contribuição mais recente da Câmara dos Deputados, na absolvição da deputada Jaqueline Roriz, por 266 votos a 166, em votação secreta.

Como se sente, leitor, diante desse teatro de horrores?

GOSTOSA


JOSUÉ GOMES DA SILVA - Pré-sal: bilhete premiado


 Pré-sal: bilhete premiado

JOSUÉ GOMES DA SILVA
FOLHA DE SP - 25/09/11 

À parte das questões políticas que permeiam a distribuição de royalties do pré-sal, há prioridades das quais o país não pode abrir mão para capitalizar essa dádiva geológica.
Os recursos são gigantescos e sua aplicação deve ser responsável, olhando para o futuro. Uma oportunidade efetiva de melhorarmos a educação, investirmos na ciência e tecnologia, combatermos a miséria, garantirmos segurança e atendimento dignos à população na saúde pública.
Tais recursos também devem ser usados na formação de poupança, constituindo fundos que assegurem benefícios às gerações futuras.
Muitos países detentores de reservas minerais riquíssimas não conseguiram sair do subdesenvolvimento ao explorá-las. Na verdade, poucos usaram seus recursos naturais de maneira inteligente e responsável e conseguiram saltar em direção ao desenvolvimento sustentável.
Os resultados do pré-sal são como um bilhete premiado da loteria. Muitos são os felizardos que, por falta de visão, dilapidam todo o prêmio deixando uma esteira de ruínas, em geral terminando em situação financeira pior do que antes da alegria inesperada. Poucos, entretanto, são os que conseguem transformar a bolada recebida em melhoria duradoura para suas famílias.
Qualquer que seja a distribuição dos royalties do pré-sal entre a União, os Estados e os municípios, a sociedade deve participar das decisões quanto à sua destinação.
Se forem mal gastos ou desperdiçados, seriam questionáveis os investimentos vultosos na extração do petróleo, em um momento no qual a chamada economia do carbono está em xeque frente às exigências da sustentabilidade.
Se não formos prudentes e eficazes quanto à construção do amanhã, aproveitando inteligentemente esses recursos, estaremos expostos a riscos. Um dos maiores: a possibilidade de desindustrialização, que passou a ser conhecida nos meios acadêmicos como "doença holandesa".
O ingresso excessivo de moeda estrangeira causa a sobrevalorização cambial, prejudicando as vendas externas e estimulando a importação de produtos industrializados. O termo refere-se à exportação de hidrocarbonetos pela Holanda nos anos 60, que derrubou a manufatura no país.
A descoberta e a exploração da "província do pré-sal" são excepcionais conquistas de nossa engenharia. Aproveitá-las e acelerar a marcha rumo ao desenvolvimento é possível.
Não podemos dar um passo atrás e sermos meros exportadores de matéria-prima, submetidos às imposições dos detentores de conhecimento e tecnologia. Não podemos desperdiçar estes recursos construindo "fontes luminosas". Nosso petróleo, que é finito, só tem sentido se for agente do desenvolvimento infinito.

AMIR KHAIR - Guinada na política econômica


Guinada na política econômica
AMIR KHAIR
Estado de S.Paulo - 25/09/11

O governo Dilma caminha a passos decisivos para romper com as amarras da política financista que atrelou o País a níveis de crescimento aquém do potencial que possui. O fantasma da inflação sempre preponderou como ameaça a qualquer tentativa de acelerar o crescimento econômico. Isso chegou ao fim. A decisão do governo poderá demonstrar que é possível crescer e controlar a inflação.

O empurrão decisivo para essa guinada na política econômica foi dado pela recidiva da crise internacional, que já afeta todas as economias, reduzindo as perspectivas de crescimento, gerando pânicos nas bolsas e apreensão quanto ao seu desdobramento. O FMI divulgou dia 20, no seu Panorama da Economia Mundial, a redução de 4,5% para 4% para a estimativa de crescimento da economia mundial neste ano, devido às crises nos Estados Unidos e na União Europeia. Estima que as economias avançadas cresçam apenas 1,6%, e que a mundial não terá desempenho pior em 2011 graças aos mercados emergentes, cuja atividade deve crescer 6,4%.

No caso do Brasil o fundo reduziu a previsão de crescimento de 4,1% neste ano para 3,8%. Esse nível está descolado do grupo dos países emergentes e abaixo do crescimento mundial, o que confirma o acerto da decisão do governo em ativar a economia. A recidiva da crise reforça a necessidade de pisar no acelerador para escapar da recessão. É bom lembrar que, apesar das ações de estímulo feitas pelo governo, a crise de 2008 derrubou a economia em 0,6%.

A decisão do Banco Central (BC) de iniciar o processo de redução da Selic, conjugada com a garantia de cumprimento de metas fiscais, marca o salutar início desse processo, que acabou de receber o apoio do FMI neste Panorama. Pela avaliação do fundo, a inflação brasileira deve chegar a 6,3% em dezembro, a média para 2012 é 5,2% e as pressões continuarão cedendo até o fim do ano.

É um desafio extraordinário para o governo efetuar essa inflexão na política econômica. Está fazendo o que não foi feito em governos anteriores e terá de enfrentar a reação do mercado financeiro, acostumado ao ganho fácil nos juros dos títulos do governo, bombados pela Selic nas nuvens, e nas taxas de juros de agiota cobradas aos consumidores e empresas que não conseguem acessar as fontes do BNDES.

Felizmente, as análises que atribuem à Selic o controle da inflação não resistiram aos fatos. A inflação deve ser controlada por um conjunto mais amplo de políticas, que passam por questões fiscais, cambiais e taxas de juros aos tomadores de empréstimos, que constituem o que se pode classificar como taxa de juros da economia e que não guarda relação alguma com a Selic.

Ao enfrentar o processo de redução da Selic, o País sairá ganhando em várias frentes. Em primeiro lugar, na questão da sua imagem internacional, ao deixar a vexaminosa posição de longa data de líder da mais alta taxa básica de juros.

Na esfera fiscal, irá aliviar o peso da conta de juros, que consome 6% do PIB, e o custo de carregamento das reservas internacionais que, pelos dados do balanço do BC, só neste primeiro semestre, atingiu R$ 46,2 bilhões! Neste ano, poderá ultrapassar R$ 100 bilhões, o que supera todo o esforço do governo federal em alcançar o superávit (exclusive juros) de R$ 91,8 bilhões.

Na questão cambial, o País deixará de ser o preferido da especulação externa, em ambiente de elevada liquidez internacional e de juros negativos nas economias desenvolvidas. Essa especulação tem o efeito de uma bomba de sucção, que retira recursos do governo e da sociedade para fora do País.

O tripé superávit primário, câmbio flutuante e meta de inflação (leia-se Selic), tão louvado nas avaliações conservadoras, cede lugar a uma nova versão: equilíbrio fiscal (que incorpora juros), câmbio administrado, para enfrentar a guerra cambial, e meta de inflação apoiada em políticas integradas de governo. Constitui um avanço sobre a política paralisante da ameaça permanente da inflação.

Ao dar esse passo decisivo, o governo está sendo duramente criticado pelo mercado financeiro, que procura desacreditar o objetivo de alcançar as metas fiscais deste e dos próximos anos, de não conseguir controlar a inflação, de subserviência política do Banco Central ao governo, etc.

Na minha avaliação, o governo tem todas as condições de conquistar excelente resultado fiscal, caso mantenha a economia em crescimento, que será facilitada com o novo salário mínimo. Terá maior arrecadação (devido à atividade econômica e menor inadimplência), redução nas despesas com juros e no custo de carregamento das reservas internacionais.

Não é de estranhar, no entanto, a reação do mercado financeiro. Apostou suas fichas na tese do crescimento da inflação no País, o que faria com que o BC não reduziria a Selic, para conter a demanda.

Essa análise peca, pois a Selic não controla a demanda. O que pode influenciá-la são as taxas de juros bancárias, que estão descoladas da Selic. Essas são dependentes das medidas macroprudenciais, como ficou provado a partir da implementação delas ao final de 2010, seguindo decisão do Conselho Monetário Nacional.

Vale destacar, sobre taxas de juros, o que ocorre na China. Lá, a taxa básica de juros equivalente à Selic é de 3%, e a cobrada pelos bancos ao consumo, de 6%. Quando é alterada a taxa básica, repercute na taxa ao consumidor, pois a relação entre elas é próxima. Assim, a taxa básica tem eficácia no controle da demanda. Na quase totalidade dos países, que praticam taxa de juros civilizada, é isso que ocorre. Aqui a relação chega a ser de 17 (!) vezes, com o cheque especial em 188%.

A análise do mercado financeiro peca, também, ao desconsiderar que a queda da Selic influi significativamente sobre a decisão das empresas em investir, o que eleva a oferta de bens e serviços para atender a demanda, principal antídoto contra a inflação futura. A recente sondagem feita às empresas revela a disposição em investir face às perspectivas de queda da Selic.

Em síntese, a Selic não influi sobre a demanda e desestimula a oferta. Em vez de atenuar a inflação, a agrava.

Apesar disso, ainda existem análises que, usando o falso argumento do controle da inflação, querem que a Selic permaneça elevada. A inflação pode até permanecer em patamar acima da meta de 4,5% durante algum tempo, dependendo do impacto interno da crise no câmbio e na demanda internacional por alimentos e commodities, mas a Selic não interfere nisso.

Ao que tudo indica, o governo joga uma cartada perigosa ao rumar contra a crise, mas não tem como recuar. Se persistir, tem a chance de reduzir a força do rentismo no País e criar os espaços fiscais necessários ao financiamento das suas atividades, como a da expansão necessária das despesas com a saúde, educação e distribuição de renda, bem como para sustentar investimentos necessários à Copa, Olimpíada e à precária infraestrutura do País.

Há, sem dúvida, uma guinada na política econômica, que tem tudo para fortalecer o governo e diferenciá-lo dos que o antecederam. Vamos aguardar.

CARLOS HEITOR CONY - Médicos e monstros


Médicos e monstros

CARLOS HEITOR CONY
FOLHA DE SP - 25/09/11 

RIO DE JANEIRO - Parece que dessa vez sai a tal Comissão da Verdade. Sua constituição deverá provocar alguma polêmica, mas sua necessidade é evidente. Afinal, durante muitos anos, sobretudo entre 1964 e 1985, passamos por um túnel sinistro no qual muitos foram massacrados ou perseguidos. Deve haver em algum lugar dos ministérios militares e das polícias estaduais e municipais um vasto acervo de crimes do Estado contra os cidadãos.
Não falo dos mortos e desaparecidos, que dificilmente serão assumidos pelas autoridades da época. Para citar dois casos insuficientemente explicados até agora: a morte de Vladimir Herzog, produzida nos porões de um quartel como um suicídio improvável; e o desaparecimento do deputado Rubens Paiva.
São milhares as vítimas, centenas os algozes, é necessário e urgente que fiquemos sabendo o que se passou e foi criminosamente escondido pelos responsáveis. Além dos mortos e desaparecidos, durante os anos de chumbo milhares de brasileiros foram presos e sequestrados, submetidos a interrogatórios e torturas.
Pouco antes de morrer, JK, um homem sem mágoas, preso num quartel em 1968 (AI-5) e tendo respondido a diversos e humilhantes IPM's ao longo do período, confessava que sua maior frustração foi não ter divulgado os numerosos depoimentos que prestou aos inquéritos, as pressões e constrangimentos que ele e sua família passaram, a tomografia computadorizada de um tempo em que em que ele foi, ao mesmo tempo, um dos principais personagens e uma das vítimas principais.
Os jovens de hoje que, patrioticamente, encaminham-se para as escolas de formação militar precisam conhecer as causas e as consequências que podem fazer, de bem-intencionados médicos, verdadeiros monstros contra a sociedade.

ELIANE CANTANHÊDE - Anomia e lei da selva


Anomia e lei da selva

ELIANE CANTANHÊDE
FOLHA DE SP - 25/09/11 

BRASÍLIA - O que significa anomia? Ausência de lei ou de regras. É exatamente o que ocorre quando o Legislativo se omite e não legisla. O que vive acontecendo.
Como um erro puxa outro, o Judiciário preenche o vácuo e acaba assumindo o papel de legislador. O que ocorre cada vez mais.
O último exemplo é o do aviso prévio. A constituinte de 1988 determinou que fosse proporcional ao tempo de serviço, com um mínimo de 30 dias. O Congresso teve 23 anos para regulamentar e não o fez, o mercado ajustou pelo mínimo e ficou por isso mesmo, até a Câmara, na última quarta-feira, estabelecer aviso prévio de até 90 dias.
Sem regulamentação, o Supremo pode fazer mandado de injunção ou ação direta por omissão, além de notificar o Congresso para corrigir a falha. No caso do aviso prévio, houve uma notificação em 1993, mas entrou por um ouvido dos parlamentares e saiu pelo outro. Havia cerca de 40 projetos, sem votação.
Segundo exemplo: o julgamento de greve no serviço público. A falta de regulamentação também criou uma situação esdrúxula e obrigou o STF a "legislar", transpondo a lei de greve da iniciativa privada para o setor público. Um quebra-galho.
Terceiro: o FPE (Fundo de Participação dos Estados), que pode chegar a 60% da receita de algumas unidades da Federação, como o Amapá. Como nunca foi regulamentado, não pode, ou poderia, ser aplicado.
Mas... ou muitos Estados vão à falência ou a Justiça fecha os olhos e o que é ilegal passa a ser corriqueiro.
Os exemplos são extensos e comprovam: 1) a desarticulação política entre os governos e o Legislativo; 2) o desvio de foco dos partidos e seus membros, mais ocupados com as disputas políticas do que com as leis; 3) o jeitinho brasileiro.
O Brasil, que caminhou tão bem em várias direções, continua assim vivendo a lei da selva.

PAULO MATHIAS - A UNE hoje é só fabricante de carteirinhas


A UNE hoje é só fabricante de carteirinhas

PAULO MATHIAS
FOLHA DE SP - 25/09/11 

A entidade precisa retomar para si a responsabilidade de lutar pelas causas nacionais, no geral, e pela melhoria do ensino, em particular


A história recente do Brasil em muito se mistura à da União Nacional dos Estudantes, a UNE. Fundada no dia 11 de agosto de 1937, a entidade atuou fortemente em favor de causas fundamentais para o país, como a democracia, o respeito aos direitos individuais e à escola pública e gratuita, a redução do valor das mensalidades e a reforma universitária.
Foi a UNE que, em 1992, foi às ruas com sua legião de caras-pintadas, abrindo caminho para o movimento que culminou com a cassação do então presidente Fernando Collor de Mello.
A trajetória aguerrida da entidade, porém, se esvaziou com a chegada do PT ao poder. A UNE de hoje não é, nem em sombra, aquela que lutou bravamente pela redemocratização, que gritou no calor das "Diretas-Já!" ou que foi às ruas no "Fora, Collor". Um exemplo recente foi a ausência da entidade nas manifestações contra a corrupção que ocorreram em todo o país no feriado de 7 de Setembro.
A atuação da UNE do século 21 está mais alinhada à dos partidos da base do governo federal do que às necessidades dos universitários brasileiros. Patrocínios de empresas públicas federais, como a Petrobras, estão estampados no site da entidade. O último congresso da UNE, realizado em julho, contou com apoio maciço do governo petista, cujos ministros (ao lado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva) foram as estrelas principais.
Não nos parece que, a partir de 2003, os problemas da educação tenham terminado. Pelo contrário. As universidades federais estão sucateadas, com obras paradas e prédios que servem apenas para segurar placas de inauguração de espaços que não são, de fato, utilizados para formar bons profissionais.
O fato de o Brasil contar com programas de bolsas de estudo, apesar de importante, não resolve os problemas da falta de infraestrutura das universidades, do preço das mensalidades e da baixa qualidade do ensino.
O jovem brasileiro precisa de uma entidade representativa e independente, que participe das grandes discussões nacionais sobre educação, que envolva e integre o estudante. Infelizmente, quando pensamos na UNE hoje, vem à mente apenas uma entidade que fabrica carteirinhas de meia-entrada.
É natural que um jovem que goste de política se filie a um partido. O que não é natural é que, em um cenário tão amplo quanto o universitário, uma organização como a UNE não expresse a voz da ampla maioria dos estudantes e privilegie uma burocracia que visa à perpetuação do poder.
Parcela expressiva da base do movimento estudantil, os dirigentes de centros acadêmicos, diretórios centrais de estudantes e atléticas não são filiados a partidos, mas desfrutam de notável legitimidade aos olhos dos colegas.
Como diz o grito dos militantes, a UNE representa e dá voz à juventude do país. É preciso, portanto, que retome para si a responsabilidade de lutar pelas causas nacionais, no geral, e pela melhoria do ensino, em particular. Que encerre esse ciclo de partidarização e reencontre a sua missão fundamental: fazer política em prol do bem comum e de melhorias significativas para o Brasil.

GAUDÊNCIO TORQUATO - A régua civilizatória


A régua civilizatória
GAUDÊNCIO TORQUATO
Estado de S.Paulo - 25/09/11

Cena pungente 1: crianças de olhos vidrados, pele e osso, e bandos de moscas passeando sobre os rostos côncavos. O documentário na TV mostra o campo de refugiados de Badbaabo, o maior de Mogadíscio, capital da Somália, país que, com Djibuti, Etiópia e Eritreia, integra o Chifre da África. Na região devastada pela pior seca em 60 anos, há 10 milhões de crianças dilaceradas pela fome, das quais 29 mil morreram nos últimos três meses por absoluta carência de proteína. Iman Abdi Noono, de 60 anos, andou dez dias até o acampamento, mas seis de seus nove filhos morreram no caminho. Um dado arremata a lúgubre paisagem: a fome no mundo mata uma criança a cada cinco segundos.

Cena pungente 2: flagrante de um menino preparando uma pedra de crack, no centro de São Paulo (primeira página do Estado, 21/9), ilustrando matéria sobre usuários da droga, que se igualam (38%) aos viciados em álcool na rede pública de saúde em cidades paulistas entre 50 mil e 100 mil habitantes.

Cena pungente 3: no hospital de Emergência e Trauma, em João Pessoa, vídeo mostra uma furadeira de parede sendo usada para abrir o crânio de um paciente que sofreu acidente de moto.

As três cenas, mesmo diferentes, deixam transparecer sua origem comum, eis que são raízes da frondosa árvore da miséria com que se defronta o planeta neste início da segunda década do terceiro milênio. Já se disse que o mundo está dividido, hoje, em três espécies de nações: aquelas onde as pessoas gastam rios de dinheiro para não ganhar peso, aquelas onde milhões de seres comem para viver e os devastados territórios em que os famintos não sabem de onde virá a próxima refeição. Na perspectiva do pão sobre a mesa, a visão planetária é aterradora, pois 1 bilhão de pessoas passa fome e 1,5 bilhão vive na pobreza.

Aqui, em nossos trópicos, se fez e se faz enorme esforço para aliviar as cotas de miséria. Mas, é forçoso reconhecer, há ainda milhões de barrigas vazias, ao lado dos olhos sem vida de milhares de crianças desnutridas. Temos, sim, um pouco de Somália resvalando pelas beiradas sociais.

Como o solo devastado extrapola a fronteira do alimento, conveniente seria que este planeta cada vez menos azul usasse um termômetro mais sensível para medir o grau de desenvolvimento dos 195 países independentes que o integram. Algo como uma régua capaz de aferir se a condição humana recebe vitamina para desenvolver os seus plenos potenciais. A régua civilizatória - eis o que se propõe - teria função maior que a de medir o índice de desenvolvimento humano (IDH), que compara países por vetores da economia e qualidade de vida, com base numérica entre 0 e 1 (lembre-se que, nesse modelo, o Brasil registra 0,699, a 73.ª posição entre 169 países).

Nossa régua abrigaria todo o escopo dos direitos humanos fundamentais, a partir da pletora de valores éticos, morais e políticos, base da vida com dignidade, liberdade e igualdade. No compartimento político, por exemplo, o apetrecho seria aplicado para examinar a qualidade de costumes e práticas. Como estaria nossa esfera representativa? Seguramente, em maus lençóis, ganhando pontuação muito baixa numa escala de 0 a 100. Os rastros da velha política deixam-se ver por todos os lados. Amarras ao passado impedem avanços, basta olhar para a tão propalada reforma política. Quem nela acredita? Os entes partidários praticam um jogo de soma zero. O ganho de uns é a perda de outros.

Já no palanque, a expressão dos grandes atores causa arrepios: "Político tem de ter casco duro. Se tremer cada vez que alguém disser uma coisa errada sobre ele e não enfrentar a briga para dizer que está certo, acaba saindo mesmo". O ator/autor, Luiz Inácio, simplesmente sugere aos políticos envolvidos em escândalos reagir. Não baixar a cabeça.

O mandonismo, o caciquismo, o fisiologismo e o patriarcalismo, frutos da seara patrimonialista, continuam a escapar de seu tradicional reduto para se infiltrar em outros compartimentos institucionais. A perplexidade avulta. Não é outro o sentimento que se espraia por vertentes sociais ante situações surpreendentes, como a do Superior Tribunal de Justiça, que, de modo inusual, acelera a anulação de provas obtidas pela Polícia Federal. A recente decisão sobre a Operação Boi Barrica deixou uma interrogação no ar.

A bem da verdade, registre-se a boa avaliação da régua nos respeitados espaços do Supremo Tribunal Federal. Há bom tempo nossa mais alta Corte põe em pauta e decide sobre matérias de transcendental importância para a harmonia das relações sociais. Notas positivas, como se pode constatar, começam a aparecer no painel das decisões de impacto para a vida social. Veja-se essa Comissão da Verdade. Trata-se de instrumento que poderá propiciar ao País e a seu povo o encontro com sua verdadeira História. Contribuirá para a montagem do acervo de injustiças, agressões e violências aos direitos humanos. E servirá de alerta para que o Estado Democrático de Direito jamais se desvie de seu caminho.

A nossa régua civilizatória registra, por último, que o País tem passado por grandes transformações. As distâncias entre os estratos sociais da base e do meio da pirâmide diminuem. Mas sua medida para determinados setores (política, saúde, educação) continua sofrível. Pois o andar é vagaroso e cheio de tropeços.

O Brasil, esta é outra imagem, é submetido permanentemente a uma disputa de cabo de guerra: uns puxam para a frente e outros, para trás. O exército de vanguarda carrega o País para o futuro. O grupo de retaguarda sustenta os feudos do passado. Em nossas vitrines se veem as mais revolucionárias ferramentas do desenvolvimento e da tecnologia. A face moderna do Brasil quase potência. Ao lado da estética de Mogadíscio, de crianças sem forças para verter uma lágrima. Um território bárbaro. Um faroeste. Ainda longe da Pátria e da Nação, hábitat de civilidade, igualdade e dignidade.

GOSTOSA


VINICIUS TORRES FREIRE - A mãe e o berçário político do país


A mãe e o berçário político do país

VINICIUS TORRES FREIRE 
FOLHA DE SP - 25/09/11

`Novas lideranças' políticas comandam partidos vazios, não têm projetos para o país e bajulam Lula e Dilma


É A MÃE. Foi por causa da mãe, ou pela causa da mãe, que a gente pôde assistir ao batismo nacional de um novo líder político. Eduardo Campos, "ecce homo", vulgo "Dudu Beleza", causa admiração por ter sido o cabo e o general eleitoral da mãe, que venceu na Câmara dos Deputados a indicação para o cargo de ministra do TCU (Tribunal de Contas da União), semana passada.
Campos é governador de Pernambuco, do PSB, reeleito para o cargo com mais de 80% dos votos. Ana Arraes, a mãe, é deputada federal do PSB, filha de Miguel Arraes (1916-2005), líder do socialismo populista sertanejo e de outros atrasos.
O posto no TCU é uma sinecura eterna. Campos começou a carreira ocupando cargos no governo do avô Arraes. Familismo, boca-rica, cargo público. Campos deve causar invejas e ternuras no Congresso.
Campos é uma "nova liderança" do Brasil. Assim como Gilberto Kassab, o prefeito paulistano, do nascituro PSD. Como Sérgio Cabral, governador do Rio, do PMDB. São os juniores do time das "novas lideranças" já velhuscas, como Aécio Neves e Geraldo Alckmin, do PSDB.
Note-se que nenhum deles é petista. A maioria, aliás, é ou foi do que nominalmente se conhece por oposição. Todos eles, porém, se engraçaram de algum modo com Lula ou com Dilma Rousseff.
Cabral é paralulista. Kassab é paradilmista. Está fundando um partido que acabou de afundar o DEM-PFL, de onde o prefeito paulistano brotou, e de desmoralizar o PSDB (Kassab foi cria de José Serra, a quem sucedeu na prefeitura).
Campos bebeu no lulismo para se fortalecer como "líder moderno" do Nordeste. Lembre-se que Ciro Gomes (também no PSB) já fez esse papel em outro filme, no tucanato.
Aécio se arranjou com Lula e com o PSB de Campos e Ciro Gomes a fim de manter influência na política da capital mineira (comandada pelo PSB. Essa aliança transgênero pode se repetir em 2012). Alckmin, tanto por boniteza como precisão, se dá muito bem com Dilma, que o considera "republicano e pragmático". Há o rumor de que Dilma poderia levar Gabriel Chalita (PMDB) para o ministério (para tirá-lo da disputa pela Prefeitura de São Paulo). Chalita, como se recorda, nasceu de uma das costelas direitas de Alckmin, a religiosa, e foi seu secretário de Educação.
Além de bajularem em maior ou menor grau os presidentes petistas, as novas lideranças têm em comum a aversão por manifestar ideias em público, vamos dizer assim.
Ressalte-se a boa vontade: não se está afirmando que esses jovens senhores não têm o que dizer sobre o país, que são politicamente vazios ou intelectualmente medíocres. Por ora, a hipótese é que a turma seja, digamos, tímida ou modesta demais para apresentar seus planos sobre o Brasil ou discutir as decisões do presente governo. Pois é.
Os partidos que comandam são igualmente vazios de caráter ou de substância. Os mais espertos são o PSB de Campos e o nascituro PSD de Kassab, que se banham na maré do petismo para ocupar a praia onde secam os cadáveres do PSDB e do sempre ridículo DEM.
Isso é o futuro. Isso.

FÉRIAS DA CRISE
Este colunista ficará quatro semanas de férias da crise. Que, infelizmente, não vai tirar férias

JOÃO UBALDO RIBEIRO - Lula der Grosse


Lula der Grosse
JOÃO UBALDO RIBEIRO
O Estado de S.Paulo - 25/09/11

Estou em Berlim, chegado de Viena, onde passei cinco dias praticamente sem falar em política, porque o evento a que compareci foi o 9.º Congresso Alemão de Lusitanistas, realizado pelo Instituto de Filologia Românica da Universidade de Viena e pela Associação Alemã de Lusitanistas. Minha participação principal foi uma sessão em que fizemos leituras bilíngues de textos meus, seguidas por uma animada conversa com uma plateia muito simpática. Costumo lembrar que apenas escrevo e não entendo nada de literatura, mas não acreditam e aí eu me benzo e vou em frente de qualquer maneira. A ajuda divina apressadamente invocada deve ter funcionado, porque creio que não envergonhei a pátria. E, claro, fiz o que pude para passear outra vez em Viena, uma das mais encantadoras cidades do mundo, onde a todo instante a gente tem que parar, fascinada pela beleza, riqueza histórica e cultura emanadas até dos blocos de pedra dos edifícios e monumentos. A única coisa que faltou foi o mergulho no Danúbio azul que sempre me prometi, mas sei que nunca vou fazer, por recear voltar ao Brasil em forma de picolé. Grande, incomparável Viena, que não pode estar ausente de nenhuma excursão pela Europa e que todo mundo deveria poder visitar? a vida fica sempre mais enriquecida e a sensibilidade mais apurada..

Quanto a Berlim, onde já morei, é outra coisa. É uma de minhas cidades favoritas e a volta é sempre um festival de reminiscências insubstituível. Sofreu o impacto dos bombardeios que pouparam Viena e, posteriormente, o trauma da reunificação, que não deixa de persistir e levará algum tempo para ir-se embora de vez. Mas que cidadaço! Cosmopolita, bonita e também cheia de história e cultura, com alguns museus únicos no mundo, não para nunca e, ao contrário das outras cidades alemãs, projeta uma atmosfera boêmia e pouco convencional, onde todas as tribos convivem e se manifestam e as ruas mais movimentadas são uma festa. Pode ser até que eu esteja fazendo propaganda turística, mas a verdade é que, no Brasil, Berlim me parece subestimada, se comparada pelos que estiveram na Europa e não a visitaram com outras cidades grandes que não chegam nem perto de sua sofisticação e seu charme, talvez difícil de perceber ao primeiro olhar. E os alemães de fato não têm o temperamento de povos como o nosso, mas não é impossível que o visitante perdido numa rua qualquer, peça ajuda a um passante e este chegue a mudar sua trajetória, para acompanhar o desamparado a seu destino, se for numa rua próxima - já me aconteceu mais de uma vez.

E, ao contrário dos habitantes de outras cidades aparentemente mais antenadas com o mundo, o número de berlinenses que se interessa pelo que se passa em países como o Brasil é considerável, a começar pelos motoristas de táxi, que, claro, falam em futebol e vários são capazes de lembrar os principais jogadores das seleções brasileiras. Mas não falam somente em futebol, como aconteceu com um deles, no trajeto até meu hotel. Estava mesmo ocorrendo no Brasil uma terrível praga de moscas, como ele tinha ouvido no rádio? Os hospitais brasileiros estavam tomados por temíveis moscas tropicais assassinas?

Era o caso das varejeiras que infestaram o hospital Pedro Ernesto, no Rio. Eu, que já havia dado uma olhada nos jornais brasileiros pela internet, tranquilizei-o e passei-lhe as dimensões verdadeiras do caso. Ele me respondeu que já tinha suspeitado disso, principalmente depois do governo do presidente Lula, que havia mudado radicalmente o Brasil, livrando-o do atraso e das condições terríveis em que o nosso povo antes vivia, a começar pela saúde pública. Quase não tive coragem de contradizê-lo um pouco, explicando que, se ele visitasse hospitais públicos brasileiros, talvez não se recuperasse do choque, pois não era bem assim. Mas ele nem ouviu minha resposta. Descobri que estava num táxi do PT, ou pelo menos de um lulista fanático. Ou então os comerciais do governo estavam passando na televisão daqui. Pelo visto, a popularidade do homem havia chegado com força a Berlim. Despedimo-nos com ele exclamando "Lula!" e apontando o polegar para cima com um sorriso.

Mais tarde, verifiquei que, entre vários amigos daqui, o lulismo também se espalhou e, mais ou menos do mesmo jeito que em relação ao motorista de táxi, eles não gostam de ouvir contestações e Lula é ainda mais revestido de teflon que no Brasil, nada contra ele cola. Como explicar que nossos indicadores de desenvolvimento humano estão entre os mais baixos do mundo? Como explicar que as nossas estatísticas são geralmente enganosas e que, em matéria de saúde pública, também estamos em vergonhosa rabeira? Como explicar o uso de aprovação automática nas escolas e o fato de que um número espantoso de brasileiros que frequentaram uma escola não aprendeu nem a ler, nem a escrever, nem a fazer uma conta elementar? Como explicar que pagamos os mais altos impostos do mundo para ter saúde pública e somos obrigados a gastar ainda mais com planos particulares caríssimos, que, por sinal, já estão ficando cada vez mais parecidos com a chamada saúde pública, e que nenhuma autoridade é maluca o suficiente para recorrer à rede hospitalar pública?

Não era nada disso, eles liam os noticiários e sabiam da verdade. Se a Alemanha tivesse um primeiro-ministro como Lula, seria uma felicidade. Não disse, mas pensei comigo mesmo que tinha um ideia melhor. Por que não importavam Lula para governá-los? Certamente seria conhecido como Lula der Grosse, que não é o que você está pensando, mas "Lula, o Grande". Essa exportação de nosso Grosse seria muito benéfica. Para o Brasil, não para a Alemanha, pensei, mas de novo não disse.

LUIZ FERNANDO VERISSIMO - Família Brasil Revelações


 Família Brasil Revelações
LUIZ FERNANDO VERISSIMO
O ESTADÃO - 25/09/11

A posteridade não é mais um lugar seguro. Com a nova liberalidade, principalmente em matéria de sexo, as biografias agora contam tudo. Biografia sem uma revelação antes desconhecida ou suprimida não tem graça, ou não é biografia. Até as autobiografias precisam incluir confissões reveladoras, para serem confiáveis.

Existe um livro que diz explicitamente o que todos já desconfiavam: que J. Edgar Hoover, eterno diretor do FBI, defensor da lei, da ordem e dos bons costumes, caçador de comunistas e um notório durão, ia a festas vestindo um tutu rodado. John Kennedy, sabe-se agora, jamais perguntava a americanas o que seu país poderia fazer por elas, mas o que elas poderiam fazer pelo seu país ali mesmo, em cima da mesa do Gabinete Oval.

Durante os anos Kennedy, a maior ameaça à segurança dos Estados Unidos era alguma moça disparar foguetes nucleares contra a União Soviética com sua bunda, sem querer.

(E quando os mísseis soviéticos começassem a cair sobre Washington em retaliação, se ouviria da Casa Branca a voz de Kennedy gritando: “My God, isto é o que eu chamo de orgasmo!”.)

Em breve saberemos que Cristóvão Colombo desembarcou no Novo Mundo de mãos dadas com um marinheiro.

Que Átila, o Flagelo de Deus, era secretamente chamado pelos seus comandados de Rainha dos Hunos e vivia maritalmente com seu cavalo. Que mesmo durante a guerra Winston Churchill continuou reunindo-se todas as quintas com ex-colegas de escola para relembrarem as festas no dormitório, inclusive com as ligas pretas. E que certa vez Charles de Gaulle foi convidado para a reunião, chocou-se com o que viu, mas no meio da noite já estava só de combinação.

Alguns detalhes históricos serão esclarecidos. Napoleão enfiava a mão dentro da túnica seguidamente para ajeitar o soutien. Stalin tinha um bigode cor de rosa para usar em ocasiões especiais. Monsieur e Madame Curie eram a mesma pessoa. O doutor Frankenstein inventou a história do monstro criado no seu laboratório para justificar aquele halterofilista morando com ele.

Etc. etc.

Telefone (Da série “Poesia numa hora dessas?!”)

Isto é uma gravação.

Eu não estou aqui.

Fui pra rua, viajei

ou quem sabe morri.

Depois do sinal

deixe o recado.

Se não for palpite pra Sena, explicação do mundo, samba da Maria Rita, convite pra festa ou declaração de amor,

será desconsiderado.

MARCELO GLEISER - O Universo e a vida


O Universo e a vida
MARCELO GLEISER
FOLHA DE SP 25/09/11

A evolução não leva à vida complexa e inteligente: ela leva a formas de vida bem adaptadas ao seu ambiente


SE VOCÊ tem prestado atenção nas últimas notícias sobre ciência, deve ter percebido que está chovendo planeta. (Semana que vem falaremos da suposta descoberta de partículas mais rápidas do que a luz.)
Na semana passada, astrônomos da Universidade de Genebra, na Suíça, descobriram o planeta que mais se parece com a Terra até agora, ao menos em termos da sua massa e posição. O HD85512 b tem massa 3,6 vezes maior do que a da Terra e orbita sua estrela na "zona habitável", região onde a água, se existir, pode ser líquida.
Claro, não sabemos ainda se existe vida no planeta, ou mesmo se ele é rochoso como a Terra. Serão anos até que seja possível analisar, mesmo que superficialmente, a composição de sua atmosfera. Porém, o entusiasmo é justificável: quanto mais planetas semelhantes à Terra forem encontrados, maiores as chances de a vida existir em outro lugar. As descobertas recentes mostram que planetas como a Terra devem existir. Será que o Universo é mesmo propício à vida?
Cientistas acreditam que a vida é comum no Universo devido à regularidade das leis da física e da química. Galáxias distantes se movem segundo as mesmas leis que conhecemos aqui na Terra; suas estrelas e gases são compostos pelos mesmos elementos químicos.
Portanto, é razoável supor que os mesmos processos que levaram a vida a surgir aqui na Terra há cerca de 3,5 bilhões de anos devem ter ocorrido em outras plataformas planetárias. Esse é o argumento da regularidade cósmica.
Mas será suficiente? A suposição é que, se a física e a química são as mesmas, a biologia também será. Quando pensamos em vida extraterrestre, estamos implicitamente supondo que ela obedece à teoria da evolução por seleção natural de Darwin. Claro, só saberemos se esse é mesmo o caso quando obtivermos uma amostra de vida alienígena e estudarmos suas propriedades e composição genética. Porém, é difícil imaginar que os princípios dar-winistas não se aplicarão.
Mas isso nada diz sobre as particularidades das formas de vida. Quando falamos de vida extraterrestre, é fundamental distinguir entre vida unicelular e vida multicelular. Ao contrário do que muitos supõem, a evolução não leva da vida unicelular à vida complexa e inteligente: ela leva a formas de vida bem adaptadas ao seu ambiente.
Aqui na Terra, durante 2,5 bilhões de anos, a vida se resumiu a seres unicelulares. As transições que levaram da vida unicelular à vida multicelular complexa foram muitas e são ainda pouco compreendidas: de células simples a células com o material genético isolado, como as nossas; daí a seres multicelulares; deles, a criaturas com órgãos diferenciados, mas cuja funcionalidade é integrada.
O que aprendemos com o único exemplo que conhecemos é que a história da vida num planeta depende completamente da história geológica desse planeta (ou lua). Se pudéssemos mudar um evento importante na nossa história, digamos, a colisão com o asteroide que exterminou os dinossauros, a história da vida terrestre teria sido outra. Provavelmente, não estaríamos aqui. Do que vemos até agora, a Terra permanece uma joia rara no cosmo. E merece nosso respeito e cuidado.

DANUZA LEÃO - Perigosas tentações


Perigosas tentações
DANUZA LEÃO
FOLHA DE SP - 25/09/11

"Encontrar um antigo amor é sempre embaraçoso -e complicado. Um dos dois fez o outro sofrer, claro, por isso não dá para dizer (nem ouvir) um "oi, tudo bem?", que poderia soar como uma cruel indelicadeza.
Em lugares com muita gente é possível disfarçar, apertando os olhos e fingindo que ficou míope, por exemplo. Pode também atender o celular (que não tocou, mas dá para fingir que ele vibrou) e cortar a possibilidade de uma conversa.
E conversar sobre o quê? Política, o último filme? Sobre o passado? Difícil, um encontro desses, e quando essas duas pessoas tiveram um grande caso de amor há muitos e muitos anos, nunca mais se viram e o acaso fez com que eles se encontrassem, aí é muito grave.
Primeiro é o susto, seguido de uma fração de segundo para reconhecer -quem diria?- o que foi uma grande paixão.
Essa hesitação acontece com os dois; não que um tenha se esquecido do outro, mas tudo aconteceu há tanto tempo que, quando esse encontro acontece, a ficha leva alguns segundos para cair.
Ele vai tentar reconhecer nela aquela mulher que tanto amou -sem conseguir. Ela vai achar que o tempo foi cruel com ele, esquecida de que o tempo passou para ela também.
Mais do que qualquer ruga, foi a expressão do olhar que mudou. Por expressão do olhar entenda-se o brilho das ilusões dos 30 anos, das esperanças, da certeza de que o amor seria eterno.
O tempo passa e a vida vai nos fazendo menos crédulas e mais práticas; menos românticas, sobretudo.
Quando eles se olham, se dão conta de tudo isso e de muito mais; sabem que cada marca no rosto, cada fio de cabelo branco, é resultado de outros amores que aconteceram desde a última vez em que se viram, das experiências pelas quais passaram, um sem o outro. É a dolorosa constatação de que a vida passou. Para elas, é sempre pior, já que as mulheres costumam ser dramáticas.
Como é possível perguntar a um ex-grande amor o que aconteceu nos anos em que não se viram, se ele sofreu quando se separaram, se esqueceu, se se apaixonou de novo?
E não poder dizer que em todo esse tempo nunca surgiu outro homem que apagasse a lembrança de tudo que eles foram, que quando toca a música que era a deles seu coração ainda bate forte, e que ela nunca perdeu a esperança de que ele um dia aparecesse dizendo que foi tudo um grande erro, que queria ela de novo para sempre; como dizer isso a um homem que não vê há 20 anos?
Não dá, simplesmente não dá.
Quando esse encontro acontece e os dois vão, civilizadamente, tomar um vinho, a conversa pode ser perigosa, e é melhor que mintam e não mostrem fotos dos filhos. O que está feliz não fala, por delicadeza. E o outro, que não é infeliz nem feliz, também se cala. Problemas sentimentais podem ser contados a amigos, não a ex-amores.
Mas tem pior. É quando ela reencontra esse homem que não vê há tanto tempo, esse homem por quem teria feito todas as loucuras, e não sente absolutamente nada. E pensa: "Como é que eu perdi tanto tempo com esse cara?" A autoindulgência a poupa de pensar "como eu era boba".
Por essas razões e mais umas 500, é prudente deixar o passado em seu devido lugar; mas se acontecer um desses encontros e pintar a vontade de voltar no tempo, é melhor ser forte e resistir à tentação. Mesmo sofrendo, se for o caso.
Em certas coisas não se deve mexer, e o passado é, decididamente, uma delas."

MARTHA MEDEIROS - O medo de errar


O medo de errar
 MARTHA MEDEIROS 
ZERO HORA - 25/09/11

A gente é a soma das nossas decisões.

É uma frase da qual sempre gostei, mas lembrei dela outro dia num local inusitado: dentro do súper. Comprar maionese, band-aid e iogurte, por exemplo, hoje requer expertise. Tem maionese tradicional, light, premium, com leite, com ômega 3, com limão, com ovos “free range”. Band-aid, há de todos os formatos e tamanhos, nas versões transparente, extratransparente, colorido, temático, flexível.

Absorvente com aba e sem aba, com perfume e sem perfume, cobertura seca ou suave. Creme dental contra o amarelamento, contra o tártaro, contra o mau hálito, contra a cárie, contra as bactérias. É o melhor dos mundos: aumentou a diversificação. E com ela, o medo de errar.

Assim como antes era mais fácil fazer compras, também era mais fácil viver. Para ser feliz, bastava estudar (magistério para as moças), fazer uma faculdade (Medicina, Engenharia ou Direito para os rapazes), casar (com o sexo oposto), ter filhos (no mínimo dois) e manter a família estruturada até o fim do dias. Era a maionese tradicional.

Hoje, existem várias “marcas” de felicidade. Casar, não casar, juntar, ficar, separar. Homem com mulher, homem com homem, mulher com mulher. Ter filhos biológicos, adotar, inseminação artificial, barriga de aluguel – ou simplesmente não tê-los.

Fazer intercâmbio, abrir o próprio negócio, tentar um concurso público, entrar para a faculdade. Mas estudar o quê? Só de cursos técnicos, profissionalizantes e universitários, há centenas. Computação Gráfica ou Informática Biomédica? Editoração ou Ciências Moleculares? Moda, Geofísica ou Engenharia de Petróleo?

A vida padronizada podia ser menos estimulante, mas oferecia mais segurança, era fácil “acertar” e se sentir um adulto. Já a expansão de ofertas tornou tudo mais empolgante, só que incentivou a infantilização: sem saber ao certo o que é melhor para si, surgiu o medo de crescer.

Todos parecem ter 10 anos menos. Quem tem 17, age como se tivesse 7. Quem tem 28, parece ter 18. Quem tem 39, vive como se fossem 29. Quem tem 40, 50, 60, mesma coisa. Por um lado, é ótimo ter um espírito jovial e a aparência idem, mas até quando se pode adiar a maturidade?

Só nos tornamos verdadeiramente adultos quando perdemos o medo de errar. Não somos apenas a soma das nossas escolhas, mas também das nossas renúncias. Crescer é tomar decisões e, depois, conviver pacificamente com a dúvida. Adolescentes prorrogam suas escolhas porque querem ter certeza absoluta – errar lhes parece a morte.

Adultos sabem que nunca terão certeza absoluta de nada, e sabem também que só a morte física é definitiva. Já “morreram” diante de fracassos e frustrações, e voltaram pra vida. Ao entender que é normal morrer várias vezes numa única existência, perdemos o medo – e finalmente crescemos.

RENATA LO PRETE - PAINEL


Cansei
RENATA LO PRETE
FOLHA DE SP - 25/09/11

Governadores que desembarcaram dias atrás em Brasília para tratar da emenda 29 foram embora contrariados com a dinâmica do Planalto: repetidas vezes, dá corda à ideia de instituir novo imposto para a saúde; em seguida, tira o corpo fora. Foram eles, depois de encontro com Dilma Rousseff em fevereiro, os primeiros a colocar em pauta a recriação da CPMF, e acabaram sem apoio federal. Daí o time da presidente ressuscitou a conversa. Os governadores se rearticularam em defesa de novas fontes de recursos. Diante de novo silêncio oficial, recolheram armas. Agora, dizem que só entrarão nessa novamente se Dilma entrar junto.


Abre-alas Ainda que meio mundo no Congresso esteja com o pé atrás em relação ao relatório de Henrique Fontana (PT-RS) sobre a reforma política, Lula comandará, no próximo dia 4, um ato em defesa das medidas ali contidas, entre elas o financiamento público de campanha. A ideia é reunir partidos, centrais sindicais e entidades. No dia seguinte, o texto será apreciado na comissão especial da Câmara.

A propósito Com o combate à corrupção em voga, o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), resolveu desengavetar proposta enviada ao Congresso em 2010 por Lula para punir, nas esferas civil e administrativa, empresas que pratiquem fraudes contra a administração pública.

Perigo! Pela primeira vez em meses, a Câmara terá longa folga para discutir projetos dos deputados. A próxima medida provisória só trancará a pauta no fim de novembro. Má notícia para Dilma.

Força da mente João Paulo (PT-PE) aconselhará Dilma a criar programa de meditação coletiva na Esplanada para diminuir o estresse diante das quedas de ministros. O ex-prefeito de Recife, que ensinou o método à então candidata em 2010, acredita que, se ela tivesse mantido a prática, não teria enfrentado tantos problemas com aliados no início do mandato.

Gato... A ida de Celso Russomanno para o PRB frustra tucanos que pretendiam alijá-lo da disputa pela prefeitura paulistana com o acordo que deu ao PP o comando da CDHU. A aliança, cujo pilar é o tempo de TV da sigla de Paulo Maluf, também visava minar o ex-deputado, crítico dos governos do PSDB e com desempenho de até 20% nas pesquisas.

...por lebre O mal-estar entre os fiadores das negociações é ainda maior porque, em privado, Maluf diz que o pacto com Geraldo Alckmin se restringe à capital. O ex-governador negocia com o PT em cidades estratégicas onde afirma haver "afinidade histórica" entre os partidos.

Carteirinha 1 O PSDB-SP estuda fórmula mista para o colégio eleitoral das prévias que escolherão o candidato do partido à prefeitura paulistana. Em vez de restringir a votação aos delegados ou estendê-la aos 25 mil filiados, tucanos planejam formatar a figura do "militante".

Carteirinha 2 A ideia é mapear quem participa da vida partidária por meio de atas e verificações de presenças em atividades, perfazendo, assim, um universo de 5.000 votantes. O modelo será definido na quinta-feira.

Aquecimento Fernando Haddad, Jilmar Tatto e Carlos Zarattini confirmaram participação numa preliminar das prévias petistas à Prefeitura de SP. Os três serão sabatinados individualmente por militantes num ciclo patrocinado pelo vereador Carlos Neder, que começa em 17 de outubro. Marta e Eduardo Suplicy, também pré-candidatos, não deram resposta.

com LETÍCIA SANDER e FÁBIO ZAMBELI

tiroteio

"Só se quiserem dar atestado de burrice às assessorias jurídicas de FHC e de Lula, que criaram, recriaram e prorrogaram a CPMF por emenda constitucional."
DO SENADOR FRANCISCO DORNELLES (PP-RJ), sobre a especulação de que o governo Dilma Rousseff poderia tentar transformar a CSS em substituta do imposto do cheque por meio de uma lei complementar.

contraponto

Caminhos da notícia


No curto e agitado intervalo entre a demissão de Pedro Novais e a indicação de seu sucessor no Ministério do Turismo, a imprensa fez marcação cerrada sobre o líder do PMDB na Câmara, Henrique Alves.
-Como vai ser o anúncio?- perguntou um jornalista.
-Simples: a Dilma vai dizer o nome, o Michel vai me ligar, e eu vou tuitar! E, se vocês deixarem, vou ligar para a minha namorada blogueira em Natal, para ela dar antes de vocês! -respondeu o deputado, rindo.
-Aí é nepotismo!- protestou uma repórter.

JOSÉ SIMÃO - Ueba! Tô com overdose de ONU!


Ueba! Tô com overdose de ONU!
JOSÉ SIMÃO
FOLHA DE SP - 25/09/11

E pra que o Brasil quer cadeira na ONU? Só se for pra se livrar do Sarney! Senta ele lá e esquece!

Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O Esculhambador Geral da República! E saiu a simpatia pra prender a pessoa amada: coloca um quilo de pó na mochila dela e chama a polícia. Rarará! E adorei essa faixa na Bahia: "Semana da Família! Paróquia de Pintadas!".
E a Grécia? Sabe por que a Grécia quebrou? De tanto quebrarem pratos. De tanto quebrarem pratos a economia ficou um caco! E sabe por que eles não se entendem? Porque falam grego! E como disse um amigo meu: "Agora que eles não terminam aquela Acrópole mesmo". Rarará! Só apelando para os deuses. Teseu, o deus do tesão. E Zorba, o deus da cueca! Rarará! E eu tô com overdose de ONU! Passei a semana inteira vendo a ONU! ONU por ONU, prefiro Honolulu!
Essa semana que passou foi da Dilma na ONU! Muita digna, muito inteligente, mas a estilista deve ser decoradora do Center Norte. Tudo forro de sofá! Dilma, a Mulher-Sofá! Eu acho que a Dilma devia ter feito o discurso na ONU com o macacão da Lilia Cabral! Combate a corrupção? Chama o Pereirão!
E pra que o Brasil quer cadeira na ONU? Só se for pra se livrar do Sarney! Senta ele lá e esquece! E eu já disse que a ONU só serve pra uma coisa: aquela bandeirinha pendurada na antena do carro que permite estacionar em qualquer lugar em Nova York.
A ONU só serve pra estacionar! O Brasil deveria querer uma cadeira em Honolulu, uma cadeira de praia!
E o Rock in Rio? Essa frase ainda é válida: "No céu estão Amy Winehouse, Freddie Mercury, Jim Morrison, Cobain, Cazuza, Cassia Eller, Renato Russo, Elvis e Michael Jackson! Tá valendo mais a pena morrer que ir pro Rock in Rio".
E adoro as exigências dos astros. Todos pedem a mesma coisa: 340 mil toalhas. O que eles tanto lavam? O que prova que não tem mais roqueiro. Roqueiro mesmo não toma banho! Se toma, não enxuga! E hoje é dia do Metallica. Trilha sonora da guerra do Iraque! Nós é que deveríamos fazer exigências pra ir ao Rock in Rio.
Um amigo meu vai exigir 2.648 toalhas brancas e uma noite de sexo selvagem com a Shakira. Ou então 2.648 noites de sexo selvagem com a Shakira e UMA toalha branca! Rarará!
E o Elton John é um fofo! Parece a Vovó Mafalda! Mas tem gente que acha o Elton John parecido com o Joelmir Betting. Rarará! Nóis sofre mas nóis goza.
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!