quinta-feira, setembro 22, 2011

ARTHUR VIRGÍLIO - Lula sem compostura


Lula sem compostura
ARTHUR VIRGÍLIO
BLOG DO NOBLAT

Mal conheço a deputada Ana Arraes. Fui muito amigo de seu pai, o saudoso governador Miguel Arraes de Alencar, de Pernambuco, meu colega de Câmara na legislatura de 1983 a 1986. E me considero amigo pessoal de seu filho, o hoje governador Eduardo Campos. Este, aliás, sabe sobejamente que fui leal a ele num momento em que a lealdade era artigo apreciável.

Discordo, porém, da indicação de sua mãe, a deputada, para o Tribunal de Contas da União. Afinal, estarão em causa convênios federais com Pernambuco e, mesmo se declarando impedida de atuar nesses processos, sua presença pairará sobre a Casa, de certa forma constrangendo seus novos pares.

Pensei muito antes de emitir esta opinião. Muito mais cômodo não fazê-lo, neste país que premia a omissão e valoriza as relações pessoais mais que certos princípios que deveriam ser pétreos na vida pública. Mas o comentário já está feito e dele não me arrependo de jeito nenhum.

Nessa “campanha” para o TCU, triste mesmo foi o papel do ex-presidente Lula, que fez campanha aberta pela candidata vitoriosa, a despeito de a boa postura recomendar, a quem já governou o Brasil, distância de embates assim. Claro que não me preocupo se ele se desgastou ou não com seu ex-ministro Aldo Rebelo, alias fiel amigo de Eduardo Campos. Interessa-me é anotar que estamos diante de um homem que perdeu inteiramente a noção dos limites.

Acha normal fazer palestras milionárias sempre para os mesmos “patrocinadores”, invariavelmente empresas que se beneficiaram de sua gestão e atualmente se valem de seu prestígio junto a Dilma Rousseff. Usa o jatinho da Camargo Correia, até para viagens internacionais, como se estivesse pegando carona no fusca de um vizinho.

Tudo para ele é “normal”. Nada o trava. Mais um pouco e começará a andar nu, aplaudido pelo séquito de acólitos que, vendo-o em campanha aberta pelo Planalto, supõem que a eleição já está decidida, ainda que o eleitorado não tenha sido consultado. Ainda que não seja hora de consultar eleitorado nenhum. Ainda que Lula tenha pela frente o “pequeno” problema de dizer a Dilma que ela não terá direito a disputar a reeleição.

Para o Brasil, a melhor coisa será que Lula vire passado de uma vez por todas. As novas gerações agradecerão um dia, se for assim.

ANCELMO GOIS - Gois no Rock in Rio



Gois no Rock in Rio
ANCELMO GOIS
 O Globo - 22/09/2011


Veja, como eu ia dizendo, o quanto de dinheiro os grandes eventos derramam na economia. Uma pousadinha bem simples (e sem nome), perto do Riocentro, alugou seus quartos pela bagatela de... R$ 750. A diária. Fora do bafafá, o preço da diária é de R$ 80.

Gois no Rock in Rio II
A P o l y - som, única fábrica de v i n i l d a América Latina, abriu, junto com a gravadora Musickeria, uma loja de discos no Rock in Rio. Ficará em frente ao Palco Mundo, o principal, e vai vender álbuns e compactos como este, dos Secos e Molhados (foto).

O show acabou 
O prédio onde funcionava a casa de espetáculos Scala, no Leblon, no Rio, foi leiloada ontem pelo governo estadual. O que se diz é que um revendedor da Hyundai ofereceu R$ 90 milhões. A avaliação oficial é de R$ 44,5 milhões. Mas ainda há um recurso na comissão de licitação.

Dilma em Davos
Dilma
 prometeu ontem em Nova York ao alemão Klaus Schwab, criador do Fórum Econômico, que estará em Davos em janeiro. O Brasil será o tema da próxima edição do evento.Rádio Corredor 

Daniela Carvalho, protagonista da última temporada de Malhação, estaria de namorico com... Neymar.

Pife Muderno 
Em tempos de Rock in Rio, um ritmo brasileiro é atração do outro lado do mundo. Carlos Malta, nosso grande flautista, apresenta seu xote e baião com a banda Pife Muderno, amanhã, no Concert Hall, em Pequim.

Justiça com as mãos
A 10a- Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio condenou a Google Brasil a pagar R$ 10 mil de indenização por danos morais a José Albucacys Castro Júnior. O bombeiro modelo teve fotos dele se masturbando veiculadas num site.

Em tempo... 
Albucacys ganhou fama ao posar para o calendário de 2003 do Corpo de Bombeiros, cuja madrinha era Luma de Oliveira.

Samba em NY 
Depois
 de Diogo Nogueira, outro carioca levará samba ao país de Obama. Moacyr Luz, pai do “Samba do trabalhador”, viaja dia 2, pela primeira vez, aos EUA. Vai tocar em Los Angeles e em Nova York.

John Cusack no Rio
A Riofilme fechou acordo com o produtor americano Scott Steindorff. Em janeiro, ele roda um filme no Rio com o ator John Cusack (foto), de “O júri”. Só o orçamento carioca beira uns US$ 5 milhões.
Barraco em Santa 
A Associação
 de Moradores dos Prazeres, favela em Santa Teresa, acusa o condomínio Equitativa de querer roubar o campo de futebol dos moradores do morro, além de impedi-los de passar pelo local — inclusive crianças a caminho da escola. O condomínio quer fechar o portão de acesso ao campo.Salomé, Painho 

O Jockey Club do Rio vai homenagear Chico Anysio. Em todos os páreos deste domingo haverá nomes dos personagens criados pelo mestre do humor, que também é proprietário de cavalos.

Gois no Rock in Rio III 
A Claro montou no Rock in Rio nove quartos para vencedores de uma promoção que poderão dormir na Cidade do Rock.

Natureza chora 
Desde 2006, autorizada pelo Ibama, a concessionária CCR começou a derrubar, acredite, 4.540 árvores às margens da Rodovia Presidente Dutra. Esta semana foi postado no Youtube um vídeo de uma figueira de 60 anos indo abaixo. Veja em http : //you-tu.be/6QlpgZ8kjqQ.

ALON FEUERWERKER - Cada um por si


Cada um por si
ALON FEUERWERKER
CORREIO BRAZILIENSE - 22/09/11


Desde que o mundo é mundo as relações entre países se definem pela força de cada um e pelas alianças que conseguem construir para fortalecer o projeto nacional
Voltam os pronunciamentos sobre a necessidade de coordenar esforços para tirar o mundo da crise econômica. Costuma ser assim nas crises, pelo menos recentemente. 
Foi assim em 2008, quando a chegada da quebradeira estimulou certa modalidade de fuga para adiante. O Brasil chegou a acreditar que estávamos diante de uma oportunidade histórica para alavancar o livre-comércio. 
A previsão frustrou-se. Todas as tentativas de Luiz Inácio Lula da Silva e de Celso Amorim para retomar e concluir a Rodada Doha deram em nada. E o livre-comércio foi saindo de moda. Ninguém mais fala nele a sério. 
De tempos em tempos, volta-se a sonhar com a ascensão do G20. Apenas para constatar que o G8 tem sido mesmo é substituído pelo G2 (Estados Unidos e China). 
A moda é proteger-se da tempestade, antes de gastar fosfato com as dores alheias. Piedade, só nos discursos. 
É a lógica. Dois tipos de países estão em vantagem estratégica para emergir depois do tsunami: quem tem mercado interno vigoroso e quem consegue alcançar alta produtividade. 
Se conta com os dois, como a China, está no melhor dos mundos. Mas mesmo um só já ajuda bem. 
É o caso do Brasil. Competitividade e produtividade não são nosso forte, mas temos ainda muitas dezenas de milhões para serem transformados em consumidores plenos, e um governo ocupado em não deixar estancar a inclusão social. 
Se vai conseguir é outra história, pois a fonte externa vai minguando, a bonança foi-se. Mas está empenhado. 
Quais os prêmios que o Brasil teria a colocar na mesa da "coordenação geral contra a crise"? A valorização do real? A coisa caminha no sentido oposto. 
O governo bate palmas e solta fogos para a desvalorização da nossa moeda, desde que o Banco Central cortou juros e mostrou que vai cortar mais. 
A abertura do mercado brasileiro para produtos e serviços? A medida recente de proteção às montadoras locais de veículos mostrou que não é por aí. 
Assembleias Gerais da Organização das Nações Unidas costumam ser palco propício para o desfilar de bons propósitos. 
E só. Costumam também esgotar-se nelas mesmas. Como é provável que aconteça com esta. 
Desde que o mundo é mundo as relações entre os países definem-se pela força de cada um e pelas alianças que conseguem construir para fortalecer o projeto nacional. 
Isso não dá sinal de querer mudar. 

CaciqueO candidato do PMDB conseguiu apenas metade dos votos da bancada na disputa da vaga no Tribunal de Contas da União. 
É mais um sintoma de que algo não vai bem no sócio principal do condomínio político liderado pelo PT. 
O cenário é também produto da música que toca no Palácio do Planalto. A reconcentração de poder segue em marcha batida. E não só na Esplanada dos Ministérios. 
Na empreitada, o Planalto tem explorado bem certa contradição entre lideranças estabelecidas e parlamentares novos. 
De repente, do nada, o cacique percebe que não é mais tão cacique assim. 

FinanciamentoO relator da reforma política, deputado Henrique Fontana (PT-RS), esclarece como funcionariam as contribuições financeiras privadas ao fundo comum eleitoral. 
Pelo projeto, a Justiça fixará o volume total de recursos a serem gastos na eleição. Depois, haverá um prazo para as doações privadas. Ao fim desse prazo, as verbas públicas complementariam o que ficou faltando para atingir o teto previamente estabelecido. 
Tudo isso antes do início efetivo da campanha. Doações, só antes das convenções. 

PSDDe olho na mais de meia centena de votos de parlamentares a caminho do PSD, o relator Fontana estuda melhorar no seu projeto a condição financeira de legendas que não tenham disputado a última eleição e atinjam certa massa crítica em número de deputados e senadores. 
Vai ganhar uns votos na turma do prefeito paulistano, Gilberto Kassab. Mas pode ter problemas na turma candidata a precisar apertar um pouco mais o cinto. 

JOSÉ CECHIN - O envelhecimento e os gastos com a saúde


O envelhecimento e os gastos com a saúde
JOSÉ CECHIN
O ESTADÃO - 22/09/11


Costuma-se medir a velocidade de envelhecimento de uma nação pelo tempo que a sociedade demora a duplicar a proporção de idosos. Enquanto esse processo demorou mais de 120 anos na França; 85 anos, na Suécia; 76 anos, na Áustria; e 70 anos, nos Estados Unidos; no Brasil ele ocorrerá em menos de 20 anos, de 2011 a 2023.

Atualmente, 10% da população do País está com 60 ou mais anos de idade. Nos próximos 20 anos, esse número chegará a 19% e, em 2050, crescerá para quase 30%. Essa profunda mudança demográfica traz consequências e as sociedades devem se preparar. Estas são óbvias para a Previdência: despesas com benefícios aumentam, trazendo enormes desafios para os sistemas públicos e privados. Menos óbvias, mas igualmente importantes, são as consequências para as despesas com saúde.

Dores nas costas afligem 1,2% das pessoas até 17 anos, enquanto afetam 30 vezes mais os maiores de 70 anos. Para o diabetes, a relação supera cem vezes; e para a hipertensão a relação é de 220 vezes. Exemplos que mostram como idosos recorrem mais aos serviços de saúde, utilizando os de maior complexidade e mais dispendiosos.

Nos últimos 50 anos as despesas com saúde cresceram mais de 2 pontos porcentuais acima do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em todos os países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Nos Estados Unidos e na Espanha, passaram de 5,1% e 1,5% do PIB, em 1960, para 15,2% e 9,2%, em 2008.

Nessa descrição dos impactos nos gastos com saúde não desejo transmitir uma sensação de pessimismo. Temos, no entanto, um sério problema a equacionar no universo da saúde: o financiamento dos planos de saúde dos idosos.

Considerando que a maioria dos planos (mais de 70%) é custeada essencialmente por empresas, a aposentadoria traz, como regra geral, o fim do benefício. E, como vimos, é justamente nesta fase que as pessoas mais gastam e utilizam serviços de saúde, além de terem sua renda diminuída.

As normas dos planos estabelecem um pacto entre gerações: o preço é um pouco maior do que o custo médio das faixas etárias abaixo dos 59 anos, para que possa ser menor para os idosos. Mas, para se sustentar no tempo, é necessário que se mantenha certa proporção de jovens para cada beneficiário maior de 59 anos. Como essa relação está se alterando profundamente, não haverá jovens em número suficiente para subsidiar os planos de saúde de tantos idosos que existirão.

Algumas reflexões a respeito desta nova realidade são pertinentes. Primeiro, a saúde está se convertendo num dos maiores setores da economia. As crescentes demandas poderão trazer, como contrapartida, oportunidades de negócios e sustentar o crescimento econômico nos próximos anos.

Segundo, o desenvolvimento tecnológico que aumenta a precisão dos diagnósticos e terapias, reduz sofrimentos e prolonga o tempo de vida com qualidade é desejo de todos. No entanto, sua incorporação às práticas médicas deve obedecer à comprovação de seu custo-efetividade e das possibilidades econômicas da sociedade.

Em terceiro, parte do crescimento das despesas se deve ao crescimento das doenças crônicas. O retorno a hábitos saudáveis pode conter a epidemia de obesidade e de diversas doenças que dela se originam. Por isso a importância de estimular o pleno desenvolvimento das pessoas, inclusive assumindo responsabilidades com sua própria saúde.

Como no Brasil, e em outros países em desenvolvimento, a transição demográfica ocorre de forma acelerada, não se pode esperar que apenas adaptações progressivas sejam suficientes para equacionar os problemas que decorrem dessa profunda mudança. Medidas drásticas serão necessárias e, quanto mais tardarem, mais draconianas serão. É urgente que a sociedade se debruce sobre este desafio e busque soluções sustentáveis para a nova realidade que atingirá a todos.

FERNANDO REINACH - A origem do excesso de autoconfiança



A origem do excesso de autoconfiança 
 FERNANDO REINACH
O Estado de S.Paulo - 22/09/11

Quem já foi vítima de uma ilusão de ótica sabe que os olhos podem nos enganar. Mas nosso cérebro nos engana de outras formas, e a mais bem estudada é o fenômeno do excesso de autoconfiança. Se perguntarmos a mil estudantes se eles se consideram líderes mais capazes do que a média do grupo, 70% afirmarão ser melhores que a média. Entre professores, 94% dirão ser melhores que a média de seus colegas. Entre médicos, 80% vão se achar mais competentes e o mesmo ocorre entre investidores, políticos e motoristas de carro. Como é matematicamente impossível mais da metade de uma população ser melhor que a média, esses resultados demonstram que os seres humanos expressam um excesso de autoconfiança sempre que se comparam a seus pares. A única amostra de seres humanos na qual a autoavaliação se comporta como o esperado (aproximadamente 50% se acham piores que a média e 50% melhores que a média) é a composta por indivíduos com diagnóstico clínico de depressão.
Esse excesso de autoconfiança independe da idade, da cultura, do nível educacional ou da posse de bens materiais. Todos os estudos indicam que essa forma de autoengano é uma propriedade intrínseca e hereditária do cérebro humano. Mas se ela é uma característica do ser humano, como teria surgido e sobrevivido à seleção natural? Ninguém duvida que o excesso de autoconfiança provoca avaliações equivocadas e uma propensão exagerada a correr riscos. Portanto - raciocinavam os geneticistas - se ela é prejudicial, pessoas com excesso de autoconfiança deveriam ter menos chance de sobreviver e, ao longo de milhões de anos, a seleção natural deveria ter selecionado indivíduos com uma capacidade crescente de autoavaliação. Mas por que isso não ocorreu? Agora, um grupo de cientistas propôs uma explicação para a manutenção do excesso de autoconfiança nas populações humanas.

Imagine duas pessoas que desejam um mesmo objeto. Se ambas tentam agarrar o objeto, acabam brigando. Nesse caso, ambas pagam um preço por terem brigado (se machucam, por exemplo) e a mais forte fica com o objeto.

Se nenhuma tenta capturar o objeto, nenhuma paga o preço da briga, mas tampouco fica com o objeto. Mas, se as duas pessoas puderem estimar corretamente a capacidade de briga do concorrente, a melhor estratégia é o mais fraco abdicar da briga e o mais forte ficar com o objeto (neste caso, a vantagem do mais fraco é não ter o custo de brigar).

Imagine agora que o custo da briga diminui a capacidade reprodutiva do indivíduo, mas a posse do objeto aumenta sua capacidade reprodutiva. Usando este modelo, os cientistas simularam populações de indivíduos que competiam pelos objetos e se reproduziam dependendo do balanço entre o "custo reprodutivo" provocado pela briga e o "lucro reprodutivo" resultante da posse do objeto. Essas simulações foram repetidas milhares de vezes ao longo de centenas de gerações, variando a distribuição dos níveis de autoconfiança na população original, o custo reprodutivo da briga e a vantagem reprodutiva conferida pela posse do objeto.

Os resultados demonstram que sempre que o custo da briga é baixo em relação à vantagem conferida pelo objeto, os indivíduos com um excesso moderado de autoconfiança acabam predominando na população. Também ficou claro que os indivíduos com uma avaliação precisa de sua capacidade de briga somente têm vantagens sobre os excessivamente autoconfiantes em muito poucos cenários, geralmente quando o custo da briga é significativamente maior que a vantagem conferida pela posse do objeto. Ou seja, possuir um excesso de autoconfiança e consequentemente disputar algumas brigas nas quais a derrota advém da má avaliação do adversário parece ser a estratégia que garante uma melhor capacidade reprodutiva.
Esses resultados não somente propõem uma explicação para a origem de nosso excesso de autoconfiança, mas explicam sua manutenção nas populações atuais. Se realmente somos excessivamente autoconfiantes e inerentemente propensos a tomar riscos isto talvez ajude a explicar a instabilidade nos mercados financeiros, guerras e outros fenômenos que resultam de nossa incapacidade de avaliar com precisão nossos pares. Outra consequência dessa descoberta é que modelos econômicos que se baseiam na premissa de que as decisões humanas são racionais e derivadas da capacidade humana de avaliar objetivamente a realidade não se aplicam ao Homo sapiens que habita o planeta Terra.

PAULO SANT’ANA - Um leitor sábio


Um leitor sábio
 PAULO SANT’ANA 
ZERO HORA - 22/09/11

O leitor André Kessler acertou na mosca na mensagem que me mandou: “A concorrência no trabalho, para tantos, é algo que assusta, para outros, nem tanto, e para uns é o que os move. Às vezes, me pergunto, lendo a tua coluna, se tens um concorrente, alguém que ameaça tomar o teu lugar. Penso também que podes não ter um. Talvez ele não exista hoje, mas como seria o perfil dele?”.

Acertou na mosca o leitor. Na mosca!

É que eu sou inseguro. Então, me impus um mecanismo mental perante o qual imagino que há sempre alguém querendo o meu lugar aqui nesta coluna.

E, nesses 40 anos em que escrevo aqui, sempre caprichei de forma a que ninguém cogitasse de me substituir neste meu lugar.

Agarrei-me firmemente à hipótese de que por qualquer motivo pudessem me substituir.

Por isso é que me esmero, chego a pensar que, não fosse eu tão inseguro, então minhas colunas não teriam a qualidade que, modéstia à parte, têm.

Temos então que a insegurança, que se pensava fosse negativa para as pessoas que a possuem, no meu caso é positiva, como disse o leitor que me provocou a esse assunto, é essa insegurança que se torna responsável pela qualidade do meu trabalho.

Chego a pensar delirantemente que os seguros escrevem mal, que precisa ser inseguro para escrever bem.

Como posso ser inseguro? – hão de perguntar. Sei lá, devo ter nascido inseguro.

A minha competição, pois, consiste nesse fantasma ameaçador que criei mentalmente. Estou sempre achando que, se eu não me superar, o meu cachimbo cai.

Deve ser por isso que os meus superiores aqui em ZH colocam para me substituir, quando não posso escrever, pessoas de grande talento, os chamados interinos.

E, quando eles escrevem em meu lugar, como são seguros do que fazem! Vêm com uma segurança que parece até que querem tomar o meu lugar.

Por isso é que sempre disse que minha profissão é competitiva. Tem muita gente querendo um lugar melhor do que ocupa. Como tornei este espaço em ZH um lugar invejável do jornal, quem é que não estaria disposto a ocupá-lo quando for chamado?

E por isso é que criei um dia um tipo inesquecível: o interino priápico, é o que vem com tudo. Quando é chamado, entra no palco com um afã e uma ambição invencíveis.

E eu tenho de ficar me cuidando dessas investidas.

Na vida, tudo também é assim. Um amante capricha com sua amante porque não quer perder o lugar no seu coração.

O lema dos que substituem ou têm desejo de substituir é o de que ninguém é insubstituível.

E o meu lema é o de que, quanto mais talento e trabalho eu mostrar, só assim eu não serei substituído.

Esse meu medo, confessem, foi uma coisa absolutamente certa e imprescindível.

LUIZ FERNANDO VERISSIMO - Para não esquecer


Para não esquecer
 LUIZ FERNANDO VERISSIMO
O GLOBO - 22/09/11

Imagino que a escrita nasceu da necessidade de não esquecer. O primeiro pré-homem que pensou “preciso me lembrar disto” deve ter olhado em volta procurando alguma coisa que ele ainda não sabia o que era. Era um pedaço de papel e uma Bic. Claro que para chegar ao papel e à esferográfica tivemos que passar antes pelo risco com vara no chão, o rabisco com carvão na parede da caverna, o hieróglifo no tablete de barro etc.

Mas a angústia primordial foi a de perder o pensamento fugidio ou a cena insólita. Pense em quantas ideias não desapareceram para sempre por falta de algo que as retivesse na memória e no mundo. A história da civilização teria sido outra se, antes de inventar a roda, o homem tivesse inventado o bloco de notas.

As espécies que não desenvolveram a escrita valem-se da memória intuitiva. O salmão sabe, não sabendo, o caminho certo para o lugar onde nasceu e onde deve depositar seus ovos. Dizem que o elefante guarda na memória tudo que lhe acontece na vida, principalmente as desfeitas, mas vá pedir que ele bote seu ressentimento no papel. Já o homem pode ser definido como o animal que precisa consultar as suas notas. Nas sociedades não letradas, as lembranças sobrevivem na recitação reiterada e no mito tribal, que é a memória ritualizada. As outras dependem do memorando.

E mesmo com todas as formas de anotação inventadas pelo homem desde as primeiras cavernas, inclusive o notebook eletrônico, a angústia persiste. Estou escrevendo isto porque acordei com uma boa ideia para uma crônica e botei a ideia num papel. Normalmente não faço isto, porque sempre esqueço de ter um bloco de notas à mão para não esquecer a eventual ideia e porque sei, intuitivamente, que se tivesse o bloco de notas à mão a ideia viria no chuveiro.

Mas desta vez a ideia coincidiu com a proximidade de um pedaço de papel e um lápis e anotei-a assim que acordei. Não exatamente a ideia, mas uma frase que me faria lembrar da ideia. Estou com ela aqui. “Conhece-te a ti mesmo mas não fique íntimo”.

E não consigo me lembrar de qual era a ideia que a frase me faria lembrar.

Algo sobre os perigos da autoanálise muito aprofundada? Sobre o pensamento socrático? Ou o quê? Não consigo me lembrar. Um consolo, numa situação destas, é pensar que se a ideia não é lembrada, é porque não era tão boa assim. Mas geralmente se pensa o contrário: as melhores ideias são as que a gente esqueceu. O que é terrível.

GOSTOSA


VINÍCIUS TORRES FREIRE - Mágicas e milagres nos EUA


Mágicas e milagres nos EUA
VINÍCIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SP - 22/09/11

A REUNIÃO do Banco Central dos Estados Unidos, o Fed, lembrou um pouco aqueles filmes de índio de tempos politicamente incorretos. Dentro do forte, resta meia dúzia de "heróis brancos". Lá fora, milhares de apaches ululam. Um dos "heróis brancos" (o Fed) acaba por descobrir que resta mais uma caixa de balas para atirar nos "selvagens". Avisa aos moradores do forte que ainda tinham alguma munição para resistir. Mas, ao ouvir a história, o pessoal do forte não dá a mínima, e sai correndo pelos fundos. O Fed falou, o mercado tombou.
Quase todo mundo esperava que o Fed anunciasse um novo malabarismo monetário. Certos ou não, os povos do mercado já não acreditavam muito na eficácia da nova estratégia. Quando leram o comunicado do Fed, de modo correto ou não, acharam que o diabo pintado era muito mais feio que o antevisto -a crise estaria muito mais feia.
Afora o susto e o paniquito de final de tarde, o resto era o previsível. O Fed vai ao mercado vender títulos da dívida pública de curto prazo e vai comprar os de mais longo prazo. Vai enxugar a oferta de papéis longos e tentar assim elevar seus preços, o que reduziria as taxas de juros de longo prazo, inclusive a dos juros de dívida privada semelhante. Enfim, o Fed quer fazer com que os donos do dinheiro ponham seu capital para correr risco.
Mais direto ao ponto, o Fed vai ainda usar os rendimentos dos títulos imobiliários privados de sua carteira para comprar outros tantos. Na prática, o Fed vai manter seu papel de "financeira", de refinanciador de dívida imobiliária, tentando manter baixos os juros para imóveis.
O Fed faz essas coisas esquisitas porque: 1) Sua taxa de curto prazo já é zero; 2) Já despejou na economia dinheiro além da conta, comprando ativos demais (inflou seu balanço para US$ 2,4 trilhões); tal atitude inflaciona demais o preço de ativos como Bolsas e commodities (petróleo e comida), o que enfim pode ser contraproducente.
Vai dar certo? Os entendidos mais ponderados e honestos dizem que é o correto e o que resta a fazer. Mas a taxa de juros de títulos públicos de dez anos já estava em torno de 1,9%, 2% ao ano. Caiu tanto porque o mercado compra títulos da dívida americana mesmo que eles não rendam nada (exceto eventuais ganhos de capital). O investidor grande teme aplicar em quase qualquer outro ativo neste mundo à beira do colapso. Quanto mais pode cair o juro longo nos EUA, pois? Outro "mas": a taxa de juros para a compra de imóveis já está no nível mais baixo em 40 anos, por exemplo. Muita taxa para empresa está barata. Vai cair quanto mais?
Pior, muita gente que quer empréstimo não leva porque os bancos selecionam clientes a dedo. Muita gente não pega empréstimo porque está assustada com o desemprego do vizinho, com a confusão política, com a Europa, com o diabo.
As políticas do Fed fizeram algum efeito. Evitaram o colapso financeiro final dos EUA. Mais tarde, ajudaram muita gente a refinanciar sua dívida. Inflaram as Bolsas, recompondo patrimônios e abatendo, assim, um pouco do desânimo. Mas nesses tempos de colapso da confiança, mesmo a juro zero, o que religa a máquina do mundo é o reemprego de trabalhadores e empresas ociosas. Isso era tarefa de Barack Obama, o fraco. Que fraquejou.

ILIMAR FRANCO - O enterro


O enterro
ILIMAR FRANCO
O GLOBO - 22/09/11



Apesar da pregação do ex-presidente Lula, o PT e o PMDB não chegaram ontem a um acordo sobre a reforma política. "Não aceitamos a lista", resume o presidente do PMDB, senador Valdir Raupp (RO). "A proposta de financiamento público é irreal", acrescenta o líder do PMDB na Câmara, Henrique Alves (RN). A despeito do lero-lero pró-reforma, a proposta do relator Henrique Fontana (PT-RS) desandou por falta de apoio político.

Rasgação de sedaA secretária de Estado americana, Hillary Clinton, ao cruzar ontem, na ONU, com o embaixador do Brasil nos Estados Unidos, Mauro Vieira, comentou o discurso da presidente Dilma: "Estupendo, sobretudo no que falou da mulher."

O QUE É ISSO, Sarney!? Um grupo de familiares de desaparecidos políticos realizava ato pela aprovação da Comissão da Verdade, na manhã de ontem, no gramado do Congresso, quando foi surpreendido por seguranças do Senado. Disseram ter ordem para não permitir a manifestação e começaram a arrancar do solo dezenas de cruzes feitas de pau, que representavam os parentes perseguidos e que foram mortos no regime militar.
Não é por falta de recursos financeiros que os líderes dos países desenvolvidos ainda não encontraram uma solução para a crise. É por falta de recursos políticos e de clareza de ideias" - Dilma Rousseff, presidente da República, na Assembleia da ONU

O SENADOR e presidente da Confederação Nacional dos Transportes (CNT), Clésio Andrade (MG), ex-PR, vai se filiar ao PMDB. Ele recebeu convite ontem.

O EX-DEPUTADO Severino Cavalcanti, prefeito de João Alfredo (PE), reapareceu. Pediu votos para o TCU para a deputada Ana Arraes (PSB-PE): "Do pai dela (Miguel Arraes) não gostava não. Mas dela eu gosto".

O MINISTRO Moreira Franco (Assuntos Estratégicos), na reunião de Altos Representantes nas Questões de Segurança, ontem, na Rússia, foi instigado a falar sobre os programas sociais que criaram uma nova classe média no Brasil.

O PT no governo Dilma: quem é quem?A participação dos petistas no governo Dilma é hegemonizada pela tendência Construindo um Novo Brasil. Com 41 deputados e 11 senadores, a CNB tem 12 ministros. A proporção é de um ministro por 4,3 votos no Congresso. A Mensagem, com 21 deputados e um senador, tem três ministros. Cada 7,3 votos dá direito a um ministro. O Movimento PT, com oito deputados, tem um ministro; e a Articulação de Esquerda, reduzida a um deputado e um senador, tem um ministro no governo.

Cabo eleitoralO ex-presidente Lula ainda estava no Palácio do Jaburu, na reunião sobre reforma política, quando a deputada Ana Arraes (PSB-PE) foi eleita para o TCU. Eles falaram ao telefone. Lula foi efusivo: "Minha ministra, meus parabéns!"

Mirando o futuroO economista Edmar Bacha será o coordenador de um grupo de trabalho organizado pelo Instituto Teotônio Vilela, do PSDB, para atualizar as bandeiras e o programa partidário. As propostas serão submetidas ao partido em outubro.

ConstrangimentoA obsessão americana por segurança gerou escaramuças diplomáticas ontem no hotel Waldorf Astória. Estavam hospedados lá os presidentes Obama e Dilma. Ministros brasileiros foram barrados e submetidos a detectores de metais.

O nó do financiamento públicoMesmo que os políticos deem declarações favoráveis ao financiamento público, muitos líderes partidários o consideram inviável. Eles temem a reação da opinião pública e avaliam que, para arcar, com realismo, com o custo das campanhas, será preciso muito dinheiro. Ontem, na reunião do Jaburu, foi feito um exercício relativo às eleições municipais do ano que vem. Nele, fixou-se que o financiamento total seria de R$3 bilhões. Feita a divisão pelo número de candidatos a prefeito e a vereador, nos mais de cinco mil municípios do país, deu uma receita por candidato de R$4 mil. Não se faz campanha por esse valor no Brasil.

CONTARDO CALLIGARIS - Meus pais são bipolares


Meus pais são bipolares
CONTARDO CALLIGARIS
FOLHA DE SP - 22/09/11 

Hoje, a bipolaridade não é só um transtorno para alguns mas um traço da personalidade de todos nós


O termo "bipolar" se tornou corriqueiro na boca dos adolescentes. Não é que eles citem diagnósticos psiquiátricos, no estilo "sabe, minha mãe toma remédio porque os médicos dizem que ela é bipolar".
Nada disso; para eles, o termo é a descrição genérica de um estado de espírito dominado por altos e baixos radicais. Além disso, muitos adolescentes acham que, hoje, ser bipolar é a regra.
Não acho ruim que termos clínicos se vulgarizem e entrem na linguagem comum. Só me preocupa o fato de que, às vezes, psiquiatras e psicólogos adotam essa vulgarização, confundindo a tristeza banal com o transtorno depressivo ou, então, variações do humor banais com o transtorno bipolar.
Com isso, claro, a indústria farmacêutica faz a festa, pois vende antidepressivos a pessoas que estão apenas tristonhas ou morosas e estabilizadores do humor a pessoas que são apenas mais alegres pela manhã do que à noite. Seja como for, talvez os adolescentes tenham razão. Talvez a bipolaridade, além de um transtorno para alguns, seja hoje um traço da personalidade de todos nós. Por quê? Um pequeno desvio para responder.
Existe um grupo de trabalho encarregado de revisar o "Manual Estatístico e Diagnóstico de Transtornos Mentais", cuja quinta versão ("DSM V") será publicada em 2013. Esse grupo manifesta periodicamente suas decisões e seus pensamentos no site www.dsm5.org. Foi assim que em 2010, se não me engano, soubemos que o "transtorno da personalidade narcisista" sumiria da próxima versão do "Manual". Tanto mais bizarro que, aos olhos de muitos (assim como aos meus), a personalidade narcisista, longe de estar extinta, é a que melhor resume a subjetividade contemporânea. Antes de defini-la, vamos ver quais foram as reações.
A más línguas observaram que sempre somem os transtornos contra os quais a indústria farmacêutica não tem remédios para vender (não existe pílula para transtorno narcisista, enquanto existem várias para bipolaridade e depressão).
Outros, considerando que o transtorno da personalidade narcisista coincidiria com o espírito de nossa época, acharam normal que ele não fosse mais considerado como uma patologia.
Enfim, muitos psicanalistas (sobretudo alunos de Heinz Kohut e de Otto Kernberg, grandes intérpretes do narcisismo) protestaram, e eis que, numa revisão de 21 de junho passado, o transtorno narcisista reapareceu no "DSM" (http://migre.me/5JNlu).
Em síntese, o narcisista não é, como sugere a vulgata do mito de Narciso, alguém apaixonado por si mesmo ou por sua imagem no espelho. Ao contrário, o problema do narcisista é que ele depende totalmente dos outros para se definir e para decidir seu próprio valor: ele se orienta na vida só pela esperança de encontrar a aprovação do mundo.
Infelizmente, nunca sabemos por certo o que os outros enxergam em nós. Às vezes, o narcisista se exalta com visões grandiosas de si, ideias infladas do amor e da apreciação dos outros por ele; outras vezes, ao contrário, ele despenca no desamparo, convencido de que ninguém o ama ou aprecia.
Ora, a modernidade é isso: um mundo sem castas fixas, onde cada um pode subir ou descer na vida justamente porque seu lugar no mundo depende da consideração (variável e sempre um pouco enigmática) que os outros têm por ele.
Ou seja, a modernidade nos predispõe a um transtorno narcisista permanente e, no coração dessa personalidade narcisista (sina de nosso tempo), há uma oscilação bipolar.
O adolescente tem razão: a bipolaridade talvez seja especialmente manifesta nos pais. Como disse, na sociedade moderna, só somos o que os outros reconhecem que sejamos, e os pais não são uma exceção a essa regra.
Nem lei simbólica, nem legado divino, nem provas genéticas bastam para me transformar em pai ou mãe de meus filhos. Hoje, para eu ser pai ou mãe, é preciso que os filhos me reconheçam como tal, ou seja, sem o amor e o respeito de meus filhos, eu não serei nem pai nem mãe.
Consequência: todo pai moderno é condenado à bipolaridade, entre a felicidade de ser genitor e uma consternadora queda do alto dessa nuvem. Se ele tenta educar, corre o risco de não ser mais amado e, portanto, de não ser mais pai.
Se desiste de educar para ser amado, corre o risco de não ser mais respeitado -ou seja, novamente, de não ser mais pai. É isso: os pais são bipolares.

CELSO MING - O xarope do Fed


O xarope do Fed
 CELSO MING
O Estado de S.Paulo - 22/09/2011

Nesta quarta-feira, o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos), presidido por Ben Bernanke, confirmou as expectativas que vinham se firmando há algumas semanas e lançou a Operação Twist.

Trata-se da troca de títulos de curto prazo (de até 3 anos) que se encontram depositados na carteira do Fed pelos de longo prazo (de 6 a 30 anos). Essa operação será completada em junho de 2012 e alcançará um total de US$ 400 bilhões.

Como foi adiantado na coluna de terça-feira, dia 20, essa troca traz a vantagem de não elevar o balanço do Fed, ou seja, dispensa emissões de moeda e, correspondentemente, o aumento do volume de ativos em seu poder. Alguns poderiam pensar que essa não passa de troca de seis por meia dúzia. Mas não é bem isso. Por aumentar a procura de títulos de longo prazo, tenderá a reduzir os rendimentos (yields) desses ativos e, nessas condições, dará mais horizonte de custos para os investidores.

O resultado prático dessa operação é duvidoso. Muitos analistas dos Estados Unidos a reivindicaram não propriamente por contarem com efeitos milagrosos, mas por entenderem que alguma coisa o Fed tinha de fazer para passar a impressão de que enfrenta corajosamente a paradeira exasperante da economia americana e o drama de 14 milhões de desempregados (9,1% da força de trabalho).

Nesta quarta mesmo, a reação do mercado após o anúncio do Fed foi de frustração e desânimo, aparentemente por não conseguir rechaçar a percepção de que não será apenas essa colherada de xarope caseiro que irá curar a pneumonia americana.

A outra novidade anunciada pelo Fed foi a de que reinvestirá em novos créditos hipotecários o total obtido em resgates que receber dos títulos aplicados em hipotecas de sua carteira. Esses ativos integram o US$ 1,7 trilhão que o Fed se viu na contingência de comprar em 2008 e 2009, para apagar focos de incêndio da crise – a mesma iniciada com o estouro da bolha hipotecária dos subprime.

Essa decisão é o reconhecimento de que a estagnação da economia americana foi, em grande parte, causada pelo excessivo endividamento das famílias em financiamentos habitacionais, num ambiente agravado pela queda dos preços dos imóveis. Pressionado por essa carga e pelo medo do desemprego, o mutuário americano baixou seu consumo e parou de fazer dívidas. Em contrapartida, o produtor não contrata pessoal nem investe, temendo o encalhe de mercadoria.

A decisão do Fed de reaplicar mais recursos na recompra de hipotecas cria certa demanda por ativos imobiliários no mercado secundário e pode ajudar a reerguer os preços dos imóveis.

O Fed não estimou o volume de recursos envolvido na operação de recompra de ativos lastreados em hipotecas. Mas qualquer um sabe: créditos hipotecários têm prazos longos, de 10, 15, 20 anos. Não há indicações sobre o prazo médio de vencimento da carteira hipotecária em poder do Fed. E, no entanto, o vencimento dos atuais títulos é condição necessária para reaplicar recursos. De todo modo, as quantias envolvidas devem ser algo baixas. Afora isso, aliviar a carga dos mutuários americanos seria tarefa de natureza fiscal, que não cabe à autoridade monetária, mas, sim, ao Tesouro.

Enfim, é mais uma demonstração de que o Fed pode ser um bom bombeiro, mas não tem a solução para a reconstrução da economia.

Confira
A cotação do dólar continua sua estilingada no câmbio interno. Com base no fechamento desta quarta-feira, acumulou uma alta de 15,8% somente em setembro (14 dias úteis).

CPMF neles. A União Europeia recomendou a instituição de um Imposto sobre Movimentação Financeira (IMF) para conter a especulação financeira e arrumar mais receitas para tesouros combalidos. Esse imposto só poderá ser cobrado em escala nacional, um sério obstáculo para sua adoção. Exportaria operações financeiras para países onde esse imposto não seria adotado.

CASCO DURO E CARA DE PAU


EDITORIAL O ESTADÃO - Cascos duros


Cascos duros
EDITORIAL
O ESTADÃO - 22/09/11 

O Brasil andou. A presidente Dilma Rousseff fez menos do que a sociedade anseia em matéria de combate à corrupção. Mas talvez tenha feito o possível, até aqui, dentro das herdadas condições em que lhe é dado governar. Ela exerce o poder dependendo de uma cáfila de políticos a quem o então presidente Lula ensinou que tudo lhes será perdoado desde que não criem problemas para a "governabilidade" do País. De todo modo, apesar das limitações com as quais lida pelo método do ensaio-e-erro, e ao contrário do seu patrono, soa convincente quando louva a ética pública e reitera de que lado está entre o vício e a virtude.
Por uma dessas coincidências a que se deve ser grato, porque lançou um súbito facho de luz sobre o contraste entre a mentalidade que reinava até há pouco no coração do governo e a que tenta se afirmar, quanto mais não seja pela força da palavra, Dilma e Lula falaram de corrupção no mesmo dia, anteontem, em locais e circunstâncias tão diferentes como os dizeres de cada qual. No hotel Waldorf Astoria, em Nova York, perante dignitários de 46 países, a começar do americano Barack Obama, ela foi uma das oradoras da sessão inaugural da organização Parceria para o Governo Aberto, da qual o Brasil é um dos codirigentes. A entidade incentiva o livre fluxo da informação oficial a fim de promover a participação das sociedades nas decisões do Estado e a vigilância sobre a conduta das autoridades.
Nesse cenário, a presidente brasileira deu o seu recado não propriamente aos grandes deste mundo, mas aos residentes do mundo político brasileiro, cuja integridade não raro é inversamente proporcional ao tamanho de sua propensão para a falcatrua e de suas expectativas de impunidade. Daí ela ter renovado a advertência que ecoou bem à época, mas os fatos subsequentes (e a licenciosa lição do passado) ameaçaram desmoralizar: "Fui muito clara desde o meu discurso de posse, em janeiro, quando afirmei que meu governo não terá compromisso com o erro, o desvio e o malfeito". Foi também para o Brasil, em especial para as pulsões liberticidas que costumam irromper no PT, o estudado elogio à "posição vigilante da imprensa brasileira, não submetida a qualquer constrangimento governamental".
Pano rápido para outra cena. Em Salvador, onde recebeu um título de doutor honoris causa da Universidade Federal da Bahia, Lula deu uma aula sobre o que os errados, desviantes e malfeitores devem ser - e o que não devem fazer - quando os seus atos são trazidos à tona. Reza o manual lulista de resistência à faxina que "político tem que ter casco duro". Quando acusado de fazer coisa errada, "não pode tremer".
Se não enfrentar a briga, ensinou, "acaba saindo mesmo". O ex-presidente não está nem remotamente preocupado com a presença de corruptos ou coniventes com a corrupção nos altos escalões da administração federal. É a sua sobrevida que lhe interessa. Foi assim consigo próprio. De início, atrapalhou-se com o mensalão. Se não chegou a tremer, fraquejou. Depois, o casco duro prevaleceu - e o escândalo foi debitado à "mídia golpista".
O Brasil andou, sim, mas tropeça quando menos se espera. Não fosse o injustificado bloqueio do presidente do Senado, José Sarney, e do seu colega Fernando Collor, relator da matéria, ao projeto da Lei de Acesso de Informação, que permite a divulgação de documentos secretos depois de 25 anos, prorrogados por outro tanto - e acaba com o sigilo de textos que envolvam direitos humanos -, Dilma não teria sofrido óbvio constrangimento no evento de Nova York em que falou sobre seus compromissos éticos. Ela ouviu Obama citar o México, a Turquia e a Libéria, mas não o Brasil, evidentemente, como exemplos de países que aprovaram leis "que garantem o acesso de suas populações à informação pública". Sarney e Collor alegaram que os diplomatas e os militares se opunham ao projeto do governo. O Itamaraty e as Forças Armadas os desmentiram.
Pensando bem, faz sentido. Esperar daquela dupla de "cascos duros", com seus notórios prontuários, apoio à transparência na gestão das instituições de governo equivale a esperar de Lula, de quem ambos foram aliados, intolerância à corrupção.

MÔNICA BERGAMO - FORA DE CAMPO



FORA DE CAMPO
MÔNICA BERGAMO
FOLHA DE SP - 22/09/11

O ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles deve recusar o convite de Ricardo Teixeira, da CBF, para ser diretor-executivo do comitê que organizará a Copa de 2014 no Brasil. A presidente Dilma Rousseff já deixou claro que não gostaria que ele assumisse o cargo.

"NADA DECIDIDO"
Meirelles confidenciou a decisão a amigos num jantar em sua homenagem, anteontem, organizado pelo casal Marcos e Bete Arbaitman, em SP. À coluna admitiu que leu "aqui e ali, na imprensa", que Dilma é contra sua aproximação com a CBF. "Mas nada está decidido", disse. Ele deve agendar encontro com a presidente nos próximos dias.

FOGÃO
No mesmo jantar, amigos e interlocutores de Meirelles, convidado pela CBF justamente para que a entidade se reaproximasse do governo, opinavam que ele não deveria aceitar. Julgam que Teixeira, além de escanteado por Dilma, estaria "queimado" na opinião pública.

TIJOLO POR TIJOLO
A SDE (Secretaria de Direito Econômico) do Ministério da Justiça publica hoje o resultado de uma investigação sobre formação de cartel das maiores empresas de cimento do país. Controlando 80% do mercado, elas combinariam preço e dividiriam suas áreas de atuação para evitar concorrência. Votorantim, Camargo Corrêa, Cimpor e Holcim têm agora dez dias para apresentar as alegações finais da defesa.

TIJOLO 2
O processo depois segue para julgamento no Cade. Caso fique caracterizado o cartel, a multa pode superar o recorde de R$ 3 bilhões cobrados do "cartel dos gases". Votorantim e Camargo Corrêa (InterCement) não comentam. A Holcim diz que não foi comunicada. A Cimpor não se manifestou.

ESTAMOS EM OBRAS
Antonio Grassi, da Funarte, entregou nota técnica sobre a reforma do TBC (Teatro Brasileiro de Comédia) ao Ministério do Planejamento. Pede a liberação imediata de R$ 16 milhões.

ETIQUETA
Ana Hickmann vai lançar uma linha de suplementos alimentares e fitoterápicos. O laboratório com quem se associará já pediu autorização à Anvisa para comercializar os produtos. A apresentadora já tem jeans, esmaltes, óculos, bolsas e sapatos com sua marca.

DOCE LAR
E Ana só começará em março a construção de sua casa no Pacaembu. O projeto inicial, de 1.500 m², foi interditado pela prefeitura. O imóvel teve que diminuir para 800 m², num terreno de 1.650 m².
"Vamos fazer uma casa mais apertada, aconchegante", diz seu marido, Alexandre Corrêa.

A DONA DA RUA
A modelo Camila Alves, mulher do ator americano Matthew McConaughey, será a estrela do desfile que a grife Mandi fará no dia 1º, a céu aberto, na rua Amauri, em São Paulo.
A via será fechada desde as 14h, com apresentação de DJs e painéis sobre moda.

MAIS UM DO SANTORO
A revista internacional "Hollywood Reporter" elogiou "Heleno", longa brasileiro estrelado por Rodrigo Santoro, que conta a história do jogador de mesmo nome. A publicação compara o trabalho do diretor José Henrique Fonseca ao de Martin Scorsese e diz que outro cineasta, John Frankenheimer, poderia ter assinado o filme.

CURTO-CIRCUITO

Acontece hoje, às 18h, o vernissage da exposição "Pinokio", de M.A.R.A., no ClubNoir, na rua Augusta.

A Direito GV entrega hoje o Prêmio Mendes Júnior de Monografias Jurídicas, no Leopolldo.

A AACD inaugura nesta semana centros de reabilitação nos bairros de Santana e Campo Grande. Juntas, as unidades farão 430 atendimentos por dia.

O Museu Lasar Segall promove hoje oficina de desenho com modelo vivo, às 10h. 18 anos.

Seu Jorge fará show de seu novo disco, "Música para Churrasco - Volume 1", no dia 7 de outubro, às 22h, no Credicard Hall. Classificação: 14 anos.

com DIÓGENES CAMPANHA, LÍGIA MESQUITA e THAIS BILENKY

JOSÉ SIMÃO - Ueba! Dilma é a Fiona Shrek!


Ueba! Dilma é a Fiona Shrek! 
JOSÉ SIMÃO
FOLHA DE SP - 22/09/11

Adorei a Dilma na capa da "Newsweek": "Dilma Dinamite". Vão usar ela pra estourar caixa eletrônico?


Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O Esculhambador Geral da República! Voltei! O tempo passa, o tempo voa e as pessoas continuam falando de dois assuntos: Sarney e Corinthians.
E a manchete do Piauí Herald: "Na ONU, Dilma assegurará ao mundo que Sarney não é imortal". E o mundo não acreditará! E a Dilma vai criar com o Obama um novo PAC: Program to Avoid Corrupção. E o mundo não acreditará! Rarará!
E a Dilma tá muito digna, muito inteligente, mas tá a cara da Fiona Shrek! E a estilista dela deve ser a decoradora do Center Norte. Forro de sofá! E a ONU é muito chique, mas só serve pruma coisa: amarrar a bandeirinha na antena do carro e estacionar em qualquer lugar em Nova York. A ONU só serve pra estacionar. Rarará! E, ONU por ONU, prefiro Honolulu! E o Corinthians? Eu falei que o Timão na liderança era uma vaca em cima da árvore: ninguém sabe como ela foi parar lá, mas todo mundo sabe que vai cair.
E olha o que corre na internet: se você receber um e-mail sem título, favor enviar pro Corinthians. Rarará! E adorei a Dilma na capa da "Newsweek": "Dilma Dinamite". Vão usar ela pra estourar caixa eletrônico? Rarará!
Dilma Dinamite, demite, demite. E claro que, enquanto eu estava fora, caiu mais um ministro. E assumiu um ministro piada pronta: Gastão Vieira. Gastão o outro também era. Por isso que o dólar tá subindo, é o gastão!
E achei três predestinados na Espanha. Em Sevilha: "Implantes Dentales Jesus de Las Três Caídas". Você implanta oito e caem três! Dentadura com três caídas! E essa: "Viajes Encarnación". É pra viajar pra outra encarnação. A vida tá ruim? Viaja pra outra encarnação.
E, em Valência, encontrei a formação da torcida são-paulina: "Centro de Educación Infantil BAMBY". E só duas nacionalidades estão comprando: brasileiros e chineses. Só que brasileiro entra nas lojas em dois ou quatro. E os chineses entram em 20. Se jogar água, viram 200. Como os gremlins. Rarará!
E eu tava no Museu dos Toros quando a guia falou: "Esta cabeza non es la cabeza dun toro, es la cabeza duna vaca. Es la cabeza de la madre del toro que mató Manolete". De vingança, eles mataram o touro e a mãe do touro: a vaca. Coitada. Mataram la madre. Viva Almodóvar. Rarará! Nóis sofre mas nóis goza.
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

CRISTIANE ALKMIN J. SCHMIDT - Adeus à regra de Taylor e bem-vinda à regra Rousseff


Adeus à regra de Taylor e bem-vinda à regra Rousseff
CRISTIANE ALKMIN J. SCHMIDT
VALOR ECONÔMICO - 22/09/11

Dilma pressionou politicamente, Mantega forjou um ajuste fiscal e Tombini cedeu ao jogo político. Essa foi a sinalização dada, ainda que possa ter sido uma desafortunada coincidência de pronunciamentos. O fato é que após cinco reuniões com aumentos sucessivos na taxa Selic - que saiu de 10,75%, em dezembro de 2010, para 12,5%, em agosto de 2011-, o Banco Central (BC) a diminuiu para 12%, em 31/08/11, deixando o tripé da política macroeconômica (câmbio flutuante, superávit primário e metas de inflação) ainda mais frágil.

O câmbio, balizado por interferências consecutivas do governo ao longo de 2011, já não era visto há algum tempo como flutuante, diferentemente da percepção de outrora, entre 1999 a 2010. Nas entrelinhas dessas ações, uma possível leitura é que uma "banda cambial" implícita passou a nortear a política cambial do atual governo.

O superávit fiscal, por sua vez, pelo menos desde setembro de 2010, tem sido construído com base em redução de investimento, contabilizações duvidosas (capitalização da Petrobras) e aumento de receitas extraordinárias (exemplo: receita de R$ 6 bilhões da Vale). Sem mencionar que um governo que gasta (ao redor de) R$ 1 trilhão se vangloriar em deixar de gastar (com receitas extras) R$ 10 bilhões e chamar esse fato de ajuste fiscal, parece estranho.

Com isso, mesmo que a "foto" dos números pareça bonita, a dinâmica do superávit primário gera desconfiança acerca do "filme" da sua evolução futura. Em parte porque algumas despesas, como as transferências de renda (exemplo: Bolsa Família) e subvenções econômicas (exemplo: Minha Casa, Minha Vida) são promessas de campanha e, por isso, devem apresentar maior peso em 2012, além dos investimentos relativos aos compromissos da Copa do Mundo e da Olimpíada. Todos importantes, mas que podem levar a foto brasileira a vir a se assemelhar com a feia aparência de países europeus, se não houver corte em outras despesas em custeio.

Os pronunciamentos do governo ostentando "austeridade fiscal", ainda que bem-vindos, têm sido vistos com descrença. Por que não estabelecer um compromisso crível com a sociedade com metas fiscais de longo prazo?

Resta o sistema de metas de inflação. Nesse arcabouço, o único objetivo do BC (artigo 2º do decreto nº 3088, de 21/06/99) é alcançar uma meta previamente definida, hoje em 4,5%. Naquele decreto, vale dizer, diferentemente do Fed, o banco central americano, nada é dito sobre metas de emprego ou de crescimento do PIB.

Como o BC não fixa preços (de forma geral), seu trabalho é coordenar as expectativas dos agentes para, assim, controlar a inflação. O trinômio reputação-credibilidade-transparência torna-se fundamental para ancorar ditas expectativas e o principal instrumento para alcançar aquele objetivo é a Selic. Nesse contexto, a regra de Taylor é um dos modelos utilizados para inferir qual seria essa meta (função de reação do BC). Grosso modo, ela diz que a Selic deve variar positivamente quando a inflação esperada estiver acima da meta ou quando a demanda efetiva estiver acima do produto potencial.

Como a inflação esperada está acima da meta e como o mercado de trabalho segue pujante, ainda que a economia esteja dando sinais de desaquecimento, a maioria dos economistas previa uma manutenção da meta-Selic e não uma queda - pior, de 50 pontos-base. A justificativa do Copom teve como pano de fundo as incertezas quanto à deterioração no quadro internacional, que, supostamente, levará o Brasil a uma recessão nos moldes de 2008. O cenário externo, principalmente o da Europa, de fato não é bom. Mas daí a mudar radicalmente a rota (com significativo corte na Selic e viés de baixa, segundo a ata da 161ª reunião do Copom) é questionável, não só porque uma recessão como a de 2008 é improvável que ocorra, mas, principalmente, porque a inflação segue alta (embora, segundo consta na ata, o BC entenda que ela, no acumulado 12 meses, passe a decrescer a partir deste trimestre e a convergir tempestivamente).

Criar reputação é difícil e leva tempo, mas destruí-la é fácil e rápido. A credibilidade no BC, que já estava abalada (pois as expectativas com respeito à meta já haviam se descolado de 4,5%), levou um choque negativo, até mesmo pelo extenso e não usual comunicado quando da divulgação de sua decisão, como se estivesse se desculpando. Criou-se, então, um problema de previsibilidade, que reflete na confiança no BC, que, por sua vez, reflete na expectativa da inflação e que, por fim, reflete na inflação real.

Com uma inflação acumulada, em 12 meses, em 7,23% e a de serviços, em 8,92%; com um provável aumento nos preços das commodities como álcool e açúcar (quebra de safra) e soja, trigo e milho (seca nos EUA); com aumento real de salário mínimo entre 2012 e 2015 já definido (Lei 12.382, de 25/2/11), sendo o de 2012 em torno de 14%; com os dissídios salariais mirando reajustes acima da meta; com propostas no Congresso como a emenda 29 e PEC 300, que podem aumentar os custeios em 2012 em mais de R$ 25 bilhões; com a queda na arrecadação de R$ 24 bilhões com o Plano Brasil Maior; e com um possível aumento nos salários do funcionalismo do Judiciário - não pareceu prudente a mudança da meta-Selic na reunião de agosto.

Mas, como tudo na vida, o sucesso resulta de uma mistura de competência, esforço e sorte. Resta aos brasileiros conceder o benefício da dúvida e torcer para que o governo conduza a nova política monetária - seguindo a "Regra de Rousseff" - gerando crescimento e queda de inflação ao mesmo tempo.

Cristiane Alkmin J. Schmidt é doutora em economia pela EPGE/FGV, professora da FGV e ex-secretária adjunta da SEAE/MF.

GOSTOSA


JOSÉ SERRA - O ruim pelo pior


O ruim pelo pior
JOSÉ SERRA
 O Estado de S.Paulo - 22/09/11

A democracia representativa é a celebração de um compromisso: o cidadão delega a um igual o privilégio de ser seu porta-voz. Se esse vínculo se perde, se o representante se distancia do representado, então é o próprio modelo que se descaracteriza. Depois de algum tempo, cerca de 70% dos eleitores brasileiros não se lembram do voto para deputado estadual e federal. O custo de nossas eleições parlamentares é astronômico, o mais alto do mundo, e a vigilância que o votante exerce sobre o votado é praticamente nenhuma, o que concorre para a degeneração dos partidos.

Campanhas caras, falta de representatividade e frustração dos eleitores com os parlamentares: eis um tripé característico da política brasileira. Esses fatores têm raízes históricas e culturais. Resultam também da falta de controles legais, da impunidade e das falhas de informação. E ainda, como nos últimos anos, da generalização do uso sem pudor das máquinas de governo, pela entrega de capitanias a partidos e grupos de partidos. Mas não há dúvida de que as regras político-eleitorais têm tido papel decisivo na manutenção desse tripé.

Pelas regras atuais, os partidos apresentam listas de candidatos que disputarão os votos de todos os eleitores do Estado (ou município, nas eleições para vereador). Nesse sistema proporcional, quanto mais candidatos por legenda, melhor, pois a soma de votos deles vai definir o número de parlamentares eleitos por partido. E elegem-se os individualmente mais votados.

O sistema exacerba o individualismo político, cria um fosso entre o eleito e o eleitor e implica gastos elevadíssimos. Em São Paulo, por exemplo, cada candidato a deputado deve buscar votos entre 30 milhões de eleitores, em todo o Estado, competindo com centenas de rivais, inclusive os colegas de partido. Note-se que os altíssimos custos dessas campanhas são, em boa parte, transferidos para os candidatos majoritários - a presidente, governador e senador (e prefeito, nas eleições municipais).

A partir da introdução da reforma política na agenda do Congresso, abriu-se o debate e vieram as ideias sobre mudar as regras de voto e introduzir o financiamento exclusivamente público das campanhas eleitorais. Isso acabou sendo um dos tópicos centrais do projeto preparado pelo relator da reforma na Câmara, deputado Henrique Fontana (PT-RS). Para ele e seu partido, as campanhas deveriam ser pagas com recursos do Orçamento federal. Esses recursos iriam para um fundo público de campanha, sendo distribuídos pelo TSE aos partidos; 80% seriam alocados de forma proporcional aos votos que as agremiações obtiveram na eleição anterior para a Câmara de Deputados; 15%, de forma igualitária entre as que têm representantes na Câmara; e 5% igualmente entre todos os partidos. Poderia haver contribuições privadas, de pessoas físicas e jurídicas, mas a esse fundo, e não diretamente a candidatos ou partidos.

Segundo seus defensores, as virtudes da mudança seriam duas: primeira, baixar os custos de campanhas eleitorais, a partir da fixação do teto de despesas; e, segunda, reduzir a influência do poder econômico nas eleições.

É sintomático que a proposta descrita beneficie diretamente os dois maiores partidos - PT e PMDB -, que detêm hoje o maior número de deputados federais e por isso ganhariam uma vantagem financeira insuperável. Os partidos com bancadas grandes já dispõem da vantagem do maior tempo de TV no horário gratuito e de maior fatia anual do fundo partidário. Essas regalias são caras: o horário eleitoral custa aos cofres do Tesouro pelo menos R$ 850 milhões, sob a forma de dedução do Imposto de Renda das TVs e rádios; o fundo partidário, previsto no Orçamento federal, custa mais R$ 300 milhões por ano.

Na sua essência, a proposta em debate pretende, no mínimo, congelar a correlação de forças. Eventuais mudanças nas preferências dos eleitores em quatro anos não terão nenhum reflexo nos recursos disponíveis para cada partido na eleição seguinte. Mais ainda: um partido forte num Estado (ou município), mas modesto em termos de bancada federal, sofreria prejuízos ainda maiores na campanha estadual (ou municipal) seguinte. Assim, uma nova distorção seria introduzida na política brasileira e não seria compensada pela redução dos custos das campanhas eleitorais ou pela maior igualdade de recursos entre os candidatos, pelo simples fato de que o financiamento público exclusivo só faria aumentar a tentação do "caixa 2".

Se ao lado das contribuições privadas legais hoje ainda existem suspeitas de persistir o financiamento paralelo, imagine-se o que aconteceria caso elas fossem proscritas. Como disse o senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), a proibição do financiamento privado só contribuirá "para esconder as relações dos partidos com entidades privadas e organizações da sociedade civil, mas não para impedi-las". Na mesma linha, segundo o ex-ministro Nelson Jobim, o projeto do PT "empurraria os candidatos para a ilegalidade", até porque o anteprojeto apresentado à Câmara também prevê um novo sistema eleitoral que preservaria os altos custos atuais.

Segundo a proposta petista, o eleitor deveria votar duas vezes: numa lista partidária preordenada de um partido e num candidato com nome e sobrenome, de qualquer partido, escolhendo entre centenas de candidatos que concorrem em cada Estado (ou município). Não há aqui espaço para explicar a nova metodologia, de tão confusa. Se o eleitor já entende pouco das regras atuais, a chance de compreender as novas seria menor ainda. Elas só fariam aumentar a opacidade e as taxas de manipulação do sistema político-eleitoral. Trocar-se-ia o ruim pelo pior.

A redução de custos, a transparência, a maior vinculação entre eleitor e eleito e o fortalecimento dos partidos, tudo isso pode ser alcançado por outro caminho: introdução de um sistema eleitoral distrital, puro no caso dos vereadores dos municípios maiores e misto no caso dos deputados. Mas esse é assunto para outro artigo.

RENATA LO PRETE - PAINEL DA FOLHA



Para ficar com ele
RENATA LO PRETE
FOLHA DE SP - 22/09/11

A vitória folgada de Ana Arraes (PSB-PE) na disputa pela vaga no Tribunal de Contas da União foi fruto de uma espécie de torneio, envolvendo expoentes governistas, da oposição e do nascituro PSD, para ver quem mostrava mais serviço a Eduardo Campos (PSB-PE). Os motivos de tamanha adulação dizem respeito a 2012 -na romaria para eleger a mãe, o governador levou consigo um mapa das disputas municipais, prometendo colocar seu partido a serviço de quem o ajudasse agora- e a 2014, ano em que ele é cotado para ser tanto um eventual candidato a presidente alternativo do campo governista como vice de muita gente.
Quem perde Os maiores derrotados de ontem foram o líder do governo, Cândido Vaccarezza (PT-SP), que se expôs além da conta no apoio a Aldo Rebelo (PC do B-SP), e o do PMDB, Henrique Eduardo Alves (RN), que tentou ficar bem com todo mundo, mas se queimou no partido com o pífio resultado do correligionário Átila Lins (AM).

Simples assim A julgar pela reação dos caciques, Lula não conseguiu fazer mágica na reunião em que tentou convencer o PMDB a aprovar o financiamento público de campanhas. E, sem o PMDB, o projeto petista até passa na comissão especial da Câmara, mas morre no plenário.

No armário Do governador Marcelo Déda (PT-SE), no dia em que a Câmara aprovou a emenda 29, sem a CSS: "O novo imposto da saúde é um desejo que ainda não se atreveu a virar estratégia. Estamos à espera de um milagre. Mas santos guardam distância de matéria tributária".

Borbulhante Em clima de missão cumprida, Dilma Rousseff dividiu uma garrafa de Veuve Clicquot com um pequeno grupo de auxiliares ao voltar para o hotel depois do discurso nas Nações Unidas. Feita a rápida comemoração, ela se despediu e foi se preparar para os encontros bilaterais da tarde.

Troca Marco Antonio Castello Branco será o novo secretário particular de Geraldo Alckmin. O ex-deputado se diz motivado para assumir o posto, hoje ocupado por Fábio Lepique, que cuidará do comitê da Copa e da tesouraria tucana na capital.

Tenho dito De Gabriel Chalita, sobre virar ministro e abdicar de 2012: "Trabalhei e torço muito pela presidente Dilma, mas meu foco e o do PMDB é cuidar de São Paulo. Estamos totalmente engajados nesse projeto".

Novo CEP Bruno Covas, outro pré-candidato, oficializará a transferência de domicílio eleitoral de Santos para São Paulo na segunda, às 12h, na sede do PSDB-SP.

Radar A Assembleia paulista criou subcomissão para acompanhar os preços dos pedágios, com poderes para averiguar planilhas e monitorar contratos de concessão.

Placar final O secretário Saulo de Abreu Filho (Transportes) foi absolvido por unanimidade no último dos processos a que respondia no TJ-SP relativos ao período em que comandou a Segurança (2003-2006). Nenhum resultou em condenação. À época, o procurador-geral de Justiça era Luiz Antônio Marrey, desafeto maior de Abreu Filho no Ministério Público.

Visita à Folha Marco Antonio Bologna, diretor-presidente da TAM S/A, visitou ontem a Folha, onde foi recebido em almoço. Estava acompanhado de Libano Miranda Barroso, presidente da TAM Linhas Aéreas, Marcelo Mendonça, diretor de Assuntos Corporativos, e Carla Dieguez, gerente de Imprensa. com LETÍCIA SANDER e FÁBIO ZAMBELI

tiroteio

"Há um movimento em curso para desmoralizar investigações sérias. Por que só se anulam provas quando os alvos são políticos e conglomerados poderosos?" DO DEPUTADO FERNANDO FRANCISCHINI (PSDB-PR), delegado da PF, sobre recentes decisões do Superior Tribunal de Justiça que paralisaram ações decorrentes de importantes operações policiais.

Maior apoio

Em meio à profusão de cabos eleitorais de Ana Arraes, escolhida ontem pela Câmara para ser ministra do TCU, Chico Alencar (PSOL-RJ) avistou em plenário Márcio França, deputado licenciado do PSB e secretário de Turismo do tucano Geraldo Alckmin.
-Ué, até você? Precisou se deslocar até aqui para controlar o voto dos paulistas?
França saiu pela tangente:
-Eu não vim para controlar nada, não. Estou apenas dando uma força...

MERVAL PEREIRA - Revolução educacional


Revolução educacional 
MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 22/09/11

O senador Cristovam Buarque, que marca sua atuação na política brasileira pela defesa da melhoria da educação, tendo ficado conhecido como o candidato "de uma nota só" - coisa que muito o orgulha, aliás - quando se apresentou na disputa pela Presidência da República em 2006, tem uma nova utopia: a ampliação da rede de escolas públicas federais, hoje com cerca de 300 unidades (Pedro II, escolas técnicas, colégios militares, institutos de aplicação).

Elas estão entre as melhores do país, com média melhor do que a das escolas particulares, ao contrário das escolas públicas municipais e estaduais, que estão entre as de mais baixo nível educacional de acordo com o mais recente Enem.

Um fato que gera entusiasmo, ressalta o senador, é ver os resultados das recentes olimpíadas de matemática e, em especial, o desempenho dos alunos das escolas federais. As 300 federais têm a melhor média do Ideb entre todos os segmentos da educação de base.

Ele entregou à ministra Gleisi Hoffmann (Casa Civil) uma proposta para federalizar a educação no Brasil em um prazo de algumas décadas, ao mesmo tempo em que se melhorariam as escolas municipais e estaduais, durante o processo de substituição do sistema vigente pelo novo sistema federal.

A proposta, que ele chama de Revolução Republicana na Educação, consiste em levar, com qualidade ampliada, essas 300 escolas a todo o território nacional em 20 anos.

"A História nos dá a chance de sermos líderes da construção desse novo Brasil. Os "Cieps do Brizola" falharam ao focar na unidade escolar e na arquitetura, e não na cidade inteira: nos professores, no conteúdo e nos equipamentos", analisa o senador do PDT.

Ao trocar o enfoque na escola por enfoque na cidade, o projeto levará a uma inflexão da educação brasileira, da simples evolução para uma revolução, aposta Buarque.

Os dois movimentos propostos são: (a) fazer uma revolução em cidades pré-escolhidas, as Cidades com Escola Básica Ideal (Cebi); e (b) avançar na qualidade de todo o Sistema Educacional Vigente (SEV).

Todas as escolas do país seriam melhoradas ao mesmo tempo em que todas as escolas de determinadas cidades sofreriam radical revolução: teriam seus professores selecionados pelo governo federal, com carreira nacional; com salários atraentes, com regime especial de formação e exigências específicas de dedicação; os prédios seriam reconstruídos e receberiam os mais modernos equipamentos pedagógicos; todas as crianças teriam ao menos seis horas/dia de atividade escolar.

O senador ressalta que o resultado seria que, de imediato, o ensino nessas cidades teria a qualidade dos países mais avançados. Ele estima que em um período de cerca de 20 anos, as Cebis poderiam chegar a todo o território nacional.

As cidades seriam escolhidas com base em critérios como: (i) tamanho - cidades de porte pequeno; (ii) História - cidades com alguma tradição educacional; (iii) compromisso - cidades cujos prefeitos e governadores apresentem história de compromisso com a educação e vontade de participar do financiamento dessa Revolução Educacional.

A proposta supõe, no primeiro ano, atender 3,5 milhões de crianças em 200 cidades pré-selecionadas, com população média de 70 mil habitantes, a um custo de R$9 mil por aluno, e custo total de R$40,3 bilhões.

Nesse custo, ressalta o estudo do senador, está incluído o salário da carreira nacional de R$9 mil/mês - equivalente ao salário pago em países como Coreia do Sul, Finlândia e Chile - para 120 mil novos professores, além do custo da nova infraestrutura de ponta associada ao ensino de qualidade.

Também os salários dos professores do SEV seriam aumentados, passando dos atuais R$1.527 para R$4.000, com um novo regime de formação e dedicação e gastos com infraestrutura capazes de disseminar o horário integral em todas as cidades, a um custo adicional de R$118,7 bilhões.

Nos anos posteriores ocorreria a ampliação das Cebis, substituindo a cobertura do SEV até a revolução chegar a todas as cidades, todas as escolas, todas as crianças do Brasil.

Na medida em que aumentam o número de alunos e o custo para as Cebis, o sistema tradicional iria sendo encolhido, até zerar.

O custo da Revolução Republicana na Educação, daqui a 20 anos - no seu último ano de implementação, quando todo o novo sistema de educação básica tiver substituído o sistema tradicional vigente -, será de 6,4% do PIB, assumindo o crescimento do PIB em 3% ao ano nesse período, o que Buarque considera "conservador".

Descontando os gastos atuais com a educação de base (3,04% do PIB), o custo líquido da revolução será de 3,36% do PIB. O custo total dessa revolução (incluindo os gastos com o ensino superior) seria de apenas 7,1% do PIB, "perfeitamente dentro das possibilidades da economia brasileira", na avaliação de Buarque.

O peso dos custos será bastante menor ao longo dos anos, ressalta o senador, se levarmos em conta o impacto da educação sobre a taxa de crescimento do PIB, como também a redução quase automática nos custos dos programas sociais.

"Nossa evolução é mais lenta do que o aumento nas exigências, e a consequência é o aumento na brecha educacional que hoje caracteriza um verdadeiro apagão intelectual, em um país que tem a 7ª economia mundial", adverte o senador.

Para ele, "quando a educação é distribuída desigualmente, ela termina sendo o berço da desigualdade".

Por isso, a continuidade de um Brasil "democrático, justo, eficiente, com presença internacional vai depender de um salto na educação brasileira, como fizeram no passado os países hoje desenvolvidos e países como Coreia do Sul, Irlanda, Espanha, Cingapura e outros que, há poucos anos, estavam atrás do Brasil e hoje nos superam, em muito, na renda per capita, na equidade, na produção de bens de alta tecnologia".

"CORRUPTA"



EUGÊNIO BUCCI - TV Brasil: pública, estatal ou governamental?


TV Brasil: pública, estatal ou governamental?
EUGÊNIO BUCCI
O Estado de S.Paulo - 22/09/11

Criada por medida provisória em 2007, a Empresa Brasil de Comunicação (EBC), responsável pela TV Brasil, está às vésperas de uma possível mudança de comando. Notas nos jornais dão conta de que a atual diretora-presidente, Tereza Cruvinel, cujo mandato se encerra no próximo mês, não será reconduzida ao cargo. Nada existe de oficial a respeito. Por enquanto, só o que há são rumores.

Há quatro anos Tereza interrompeu uma carreira brilhante no jornal O Globo para assumir uma função pública espinhosa, a de presidir uma empresa pública. Sua gestão enfrentou controvérsias, como seria inevitável, mas foi pautada pela tentativa de elevar a qualidade editorial da instituição e de fazer da EBC uma instituição menos estatal e mais pública. São metas respeitáveis.

Quanto à qualidade, o saldo é positivo. Conheço alguma coisa desse assunto. Entre 2003 e 2007 presidi a Radiobrás (empresa que foi incorporada, ao lado da TV-E do Rio de Janeiro, pela atual EBC). Hoje, como observador, posso atestar que a programação da TV Brasil é bastante superior àquela que tínhamos no meu tempo. Quanto a transformar as emissoras de rádio e TV da EBC em emissoras verdadeiramente públicas, bem, nesse ponto continuamos atrasados.

Para entender o atraso não adianta muito especular sobre quem sai ou quem vem. Isso é espuma. Muito mais essencial é verificar a quem cabe resolver a transição. A interrogação que interessa é outra: onde, afinal, será decidido o destino da TV Brasil? A resposta é tão esclarecedora quanto desalentadora: a instância máxima da EBC não está dentro da própria empresa, mas no Palácio do Planalto. De acordo com o artigo 19 da Lei n.º 11.652, de 7 de abril de 2008 (que efetivou a medida provisória de 2007), é a Presidência da República que nomeia o diretor-presidente e o diretor-geral da empresa.

Esse mecanismo, apenas esse, já basta para um primeiro diagnóstico. A EBC, uma estatal como tantas outras, muito parecida com a velha Radiobrás, não é, na forma da lei, o que as democracias aprenderam a chamar de emissora pública. Nas emissoras públicas o executivo-chefe é escolhido por um conselho de representantes da sociedade. Nas estatais, quem escolhe o dirigente é o governante da vez. Por esse critério, portanto, ela é uma estatal, embora suas emissoras, como a TV Brasil, veiculem programas típicos de emissoras públicas.

Pior ainda: além de ter a natureza jurídica de uma estatal, a EBC é encarregada de operar, produzir e veicular comunicação governamental. O artigo 8.º da lei de 2008 a incumbe de "prestar serviços no campo de radiodifusão, comunicação e serviços conexos, inclusive para transmissão de atos e matérias do governo federal", além de "exercer outras atividades afins, que lhe forem atribuídas pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República". A EBC reporta-se diretamente à Secretaria de Comunicação Social (Secom). Ela está legalmente subordinada a uma autoridade que lhe é externa, e essa autoridade, a Secom, tem por missão cuidar da imagem do governo federal. Logo, a EBC é parte orgânica da estratégia do Palácio do Planalto para construir e preservar a boa imagem do governo. Outra vez, isso não atende aos requisitos conceituais de uma emissora pública.

É verdade que muitos que atuam na EBC se esforçam para que ela se afaste dos marcos oficialistas. Eu mesmo, quando presidi a Radiobrás, ajudei a dar início a essa corrente: queríamos transformar a velha radiofonia chapa-branca numa instituição de comunicação pública. Acontece que a lei de 2008, que deveria coroar esse projeto, foi tímida demais. Criou uma estatal que, entre outras incumbências, tem o dever de veicular o discurso governamental, como antigamente. Diante disso, o mínimo que se pode dizer, hoje, é que a EBC continua abrigando duas vocações antípodas: fazer comunicação pública, a exemplo da BBC inglesa ou da PBS americana, e prestar serviços de proselitismo governista ao Planalto, na linha da Voz do Brasil. A tensão interna, que se instalou por ali logo no início de 2003, não se resolveu com a lei de 2008 e não se resolveu até agora.

Essa tensão se manifesta hoje na presença de dois conselhos, ambos previstos na Lei n.º 11.652: o Conselho Curador e o Conselho de Administração. O primeiro é uma inovação positiva (não havia nada parecido com ele na Radiobrás). Embora nomeado pela Presidência da República, reúne especialistas independentes e se inclina, no mais das vezes, na direção de estimular uma comunicação não governamental. Ocorre que esse primeiro conselho não exerce o poder de fato. Quem detém o comando da gestão na empresa é o segundo, o Conselho de Administração. Seus integrantes também são nomeados pela Presidência da República e, entre eles, há representantes de ministérios. Esse conselho é que manda. É ele que elege e destitui os seis diretores da empresa (com exceção do diretor-presidente e do diretor-geral, nomeados diretamente pelo Palácio).

Cindida por essas duas vocações contraditórias, a estatal, hoje, tem mais cara de projeto de governo (e para o governo) do que de projeto da sociedade (e para a sociedade). Um projeto caro: o Palácio catapultou seu orçamento para a casa dos R$ 471 milhões/ano, um patamar superior ao de muitas emissoras privadas. Na contracorrente, o Conselho Curador toma decisões salutares, que desafinam do oficialismo. Há poucos meses propôs a extinção dos cultos religiosos da grade da TV Brasil, medida que deve entrar em prática no dia 25 de setembro. Também em 2011 denunciou a omissão do jornalismo da casa, que demorava a noticiar o escândalo do enriquecimento do então ministro Antônio Palocci. Essa centelha crítica mantém vivo o sonho da estatal que quer ser pública. Mas só isso não bastará.