segunda-feira, julho 25, 2011

GUILHERME FIUZA - Itaquerão: o Brasil começa a perder a Copa


Itaquerão: o Brasil começa a perder a Copa
GUILHERME FIUZA
REVISTA ÉPOCA

São Paulo, Brasil, 1971. Jogando contra a Áustria, Pelé faz seu último gol pela Seleção Brasileira. Local: Estádio Cícero Pompeu de Toledo, o Morumbi, palco sagrado de mais de uma década de lances geniais do maior jogador de todos os tempos. Se, naquele momento, alguém escrevesse uma crônica futurista sobre uma Copa do Mundo no Brasil, na qual o Morumbi ficaria fechado e a abertura da competição seria jogada no estádio Itaquerão, o autor seria considerado um péssimo humorista.

O que seria só uma piada de mau gosto naquele momento histórico é plena realidade 40 anos depois. Eis o roteiro que ninguém levaria a sério naquele tempo (e em nenhum outro): o Brasil ganha a sede da Copa do Mundo de 2014 e o Morumbi, um dos principais estádios do mundo, é barrado no baile. Seu projeto de reformas, orçado em quase R$ 300 milhões, é considerado “insuficiente”. Sob regência do corintiano Luiz Inácio Lula da Silva e a bênção da Confederação Brasileira de Futebol, a CBF, surge um projeto considerado “mais viável” pelos organizadores da competição: a construção de um novo estádio no distrito paulistano de Itaquera por R$ 820 milhões.

Questionado algumas vezes se o milagre do Itaquerão iria mesmo se consumar até a Copa do Mundo, o presidente do Corinthians – e mago do projeto – apresentou sua garantia: Lula quer. Um argumento forte. Como todos sabem, quando Lula quer, os caminhos se abrem – e os cofres públicos também.

A engenharia financeira do novo estádio é mais espetacular que final de Copa do Mundo (especialmente para quem a montou). O dono é o Corinthians, mas a “garantidora” é a empreiteira encarregada das obras. Ela vai garantir a entrada daqueles milhões todos com um “fundo de investimento imobiliário” que ainda não existe. Mas, quando as cotas desse fundo forem postas à venda no mercado, tudo vai dar certo: o BNDES despejará R$ 400 milhões no canteiro de obras.

Como se vê, quando Lula quer, as coisas acontecem. Deve ser o tal carisma de que tanto falam.

O mais genial é que o garantidor final dos recursos,
o avalista, é uma entidade que nunca falha: você
E como o Corinthians vai pagar ao BNDES essa dinheirama que a construtora “garantiu” e recebeu (sob a fiel torcida de Lula)? Com “eventuais patrocínios” e venda de ingressos no Itaquerão. Poderiam ter acrescentado ao projeto a venda de picolés dentro do estádio. Sem os picolés, essa conta vai levar só mais uns 40 anos para ser paga – na hipótese otimista de que seja devidamente cobrada. Serão 80 anos do último gol de Pelé pela Seleção no Morumbi, o que não terá mais a menor importância, considerando a sucessão de glórias que virão com a era do Itaquerão.

O mais genial dessa engenharia é que o garantidor final dos recursos, o avalista do BNDES, é uma entidade que nunca falha: você, que paga religiosamente, com impostos diretos e indiretos, quase a metade do que ganha.

O projeto do Itaquerão contará também com isenções fiscais de até R$ 420 milhões. É você, de novo, fazendo a diferença. Houve só um probleminha nesse projeto impecável: faltaram 20 mil lugares para que o estádio possa receber público de Copa do Mundo. Um detalhe. Mas a solução já está encaminhada: o governo de São Paulo vai entrar com mais R$ 70 milhões para o “arremate”.

É comovente ver o Poder Público brasileiro movendo montanhas (de dinheiro) para substituir o Morumbi pelo Itaquerão na Copa de 2014. O Brasil estava mesmo precisando de uma grande causa.

Assim como várias outras obras para a Copa, o Itaquerão está em perfeita consonância com projetos como o trem-bala e a usina hidrelétrica de Belo Monte, “meninas dos olhos” do governo Lula-Dilma. Todos eles se encaixam numa forma de capitalismo absolutamente nova, que não precisa de capital: o governo combina tudo com a iniciativa privada e chama o contribuinte para pagar.

Itaquera será o símbolo da Copa do Mundo Ltda., essa que os brasileiros já começaram a perder. De goleada.

Por que engavetou? - Revista Época


Por que engavetou?
Revista Época 

No fim de 2006, Erenice Guerra rejeitou uma proposta de investigação sobre denúncias graves que envolviam o Ministério dos Transportes

Leonel Rocha e Murilo Ramos

Em novembro de 2006, a então secretária executiva da Casa Civil da Presidência da República, Erenice Guerra, recebeu uma carta com denúncias graves. A correspondência falava sobre como grandes empreiteiras pagavam propina aos dois últimos ministros dos Transportes, Anderson Adauto e Alfredo Nascimento, a políticos do PL e a diretores do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) durante o primeiro governo Lula. Endereçada à então chefe de Erenice, Dilma Rousseff, ministra da Casa Civil na ocasião, a denúncia detalhava valores de obras, citava quem pagava e quem recebia dinheiro. Tudo muito semelhante ao esquema revelado no atual escândalo do Ministério dos Transportes.

A carta denúncia chegou ao governo depois de recebida em casa por um alto funcionário da Secretaria de Controle Interno do Palácio (Ciset), órgão que fiscaliza a lisura dos contratos firmados pela Presidência. O funcionário diz que a carta era anônima. Apesar de apócrifa, os auditores do Palácio se convenceram da necessidade de apurar. Diante do conteú­do delicado do documento, decidiram procurar Ere-nice Guerra. ÉPOCA ouviu dois funcionários da Ciset que acompanharam a história para saber o que aconteceu. De acordo com eles, depois de ler a carta, Erenice pediu um tempo para reflexão. Mais tarde, no mesmo dia, informou que não aceitaria a recomendação – mandar investigar a denúncia – para não criar problemas com a base governista no Congresso Nacional.

Hoje, lendo a carta com atenção, chega-se à conclusão de que, se as acusações tivessem sido apuradas, boa parte das suspeitas de corrup-ção surgidas nas últimas semanas – que levaram à demissão de mais de uma dúzia de funcionários dos transportes, entre eles o ministro Alfredo Nascimento – teria sido evitada.

O documento apócrifo pedia providências para que, no segundo mandato do presidente Lula, não fosse mantido o esquema de corrupção montado pelo Partido Liberal, o PL, no Ministério dos Transportes. Depois do escândalo do mensalão, em 2005, o PL mudou de nome e passou a se chamar Partido da República, PR. O remetente anexou cinco extratos de contrato do Dnit com empreiteiras e uma planilha que relaciona os pagamentos feitos pelo governo às empresas, com distribuição de propina. Esses contratos teriam rendido R$ 866,6 milhões a cinco construtoras. Segundo a denúncia, essas empreiteiras teriam repassado R$ 41,8 milhões de propina a políticos e funcionários do Dnit por intermédio de outra empresa, chamada EMPS. A maior parte dos pagamentos ilegais (R$ 25,9 milhões), segundo a planilha, foi feita ao PL, cujos dirigentes também teriam recebido outros R$ 4,3 milhões. São citados como beneficiários desse dinheiro os deputados federais Valdemar Costa Neto e Milton Monti, ambos de São Paulo. Ainda segundo o documento, alguns diretores e altos funcionários do Dnit tam-bém teriam sido beneficiados:

1) Mauro Barbosa, na ocasião diretor-geral do Dnit, com R$ 8,6 milhões, equivalente a 1% das verbas liberadas;

2) Hideraldo Luiz Caron, diretor de Infraestrutura do Dnit até a semana passada, com R$ 1,5 milhão;

3) Luiz Prosel Jr., coordenador de Construção Rodoviária do Dnit na ocasião, com R$ 800 mil;

4) Márcio Guimarães de Aquino, que era chefe da Comissão Permanente de Licitação do Dnit, com R$ 400 mil;

5) Hugo Sternick, ex-chefe da Divisão de Projetos, com R$ 200 mil.

Segundo funcionários, Erenice disse que não investigaria para não criar problemas com a base

Os dois primeiros nomes da lista foram diretamente atingidos pelo escândalo atual. Barbosa era o chefe de gabinete do então ministro Alfredo Nascimento até três semanas atrás. Caiu na primeira leva de demissões determinadas por Dilma.

No final da tarde da última sexta-feira, Caron pediu demissão depois de 15 dias de pressão. Desde o começo da crise, ele foi citado por integrantes do PR como o representante do PT na máquina de aditivos de contratos do Dnit. Contra ele, pesam cerca de 100 pro-cessos no Tribunal de Contas da União (TCU). Num deles, foi condenado em maio a restituir R$ 4,2 milhões aos cofres públicos, co-mo revelou ÉPOCA na semana passada.

As pessoas e empresas citadas no documento apócrifo foram procuradas por ÉPOCA. Por meio de sua assessoria, Dilma encaminhou a seguinte nota: "Não há registro de entrada desta denúncia na Ciset na ocasião citada. A Ciset recebeu hoje (22/7) um e-mail com remeten-te não identificado com relato de fatos que podem corresponder às denúncias narradas pela revista Época. Esses fatos serão apurados por processo administrativo". Erenice Guerra não foi encontrada.

O deputado Valdemar Costa Neto, secretário-geral do PR, diz que a denúncia não tem sustentação. Para o PR, essas acusações, como todas as outras que vieram a público nas últimas semanas, devem ser apuradas pela Polícia Federal.

Cinco empreiteiras são acusadas na carta de pagar propinas por obras na BR-101, no Rio de Janeiro e no Nordeste. A construtora Queiroz Galvão afirmou que refuta "toda e qualquer acusação de pagamento de propina e contratação de empresa para a realização deste tipo de pagamento". O Grupo ARG também negou pagamentos ilegais. As outras empreiteiras citadas no documento não responderam às ligações. Procurado para falar sobre os cinco funcionários citados na denúncia, o Dnit informou que todos desconhecem as acusações e negam qual-quer irregularidade. Na entrevista em que anunciou sua demissão, Caron disse que tinha sido procurado por ÉPOCA para falar sobre uma denúncia. Sem entrar em detalhes, afirmou: "Qualquer acusação é absolutamente mentirosa. Espero que quem escrever tenha no mínimo prova".

A prudência e o benefício da dúvida recomendam que se deve tratar com muito cuidado qualquer denúncia anônima. Todas as normas de boa conduta dos servidores públicos, porém, determinam que as acusações de irregularidades devem ser apuradas para que não pairem dúvidas sobre os responsáveis pelo uso do dinheiro público. A dimensão do escândalo atual mostra que a carta enviada ao Palácio do Planalto em 2006, embora apócrifa, trazia o roteiro de um grande foco de corrupção.

Agência Nacional da Propina - Revista Época


Agência Nacional da Propina
Diego Escosteguy
Revista Época 

Às 16h23 do dia 5 de maio de 2008, uma segunda-feira, dois assessores da Agência Nacional do Petróleo (ANP) encaminharam-se discretamente ao escritório da advogada Vanuza Sampaio, no centro do Rio de Janeiro. Os dois, Antonio José Moreira e Daniel Carvalho de Lima, acomodaram-se na sala de reuniões do escritório, tomaram cafezinho e conversaram por alguns minutos sobre amenidades. Ato contínuo, a advogada Vanuza assomou à porta. Vanuza é a advogada com mais volume de processos na ANP; conhece profundamente a agência. Tem como clientes distribuidoras de combustível, postos e empresários do setor de petróleo e gás - todos dependem da ANP para tocar seus negócios. Depender da ANP, conforme investigou ÉPOCA nos últimos dois meses, significa sofrer continuamente o assédio de tipos como Moreira e Daniel. Não são os únicos. Há muitos como eles. Mas, para a turma que transformou a ANP num cartório de extorsão, aquela não era uma segunda-feira tão ordinária. Daquela vez, dois deles foram gravados em vídeo, em pleno expediente subterrâneo. ÉPOCA obteve cópia dessa gravação, que integra uma investigação sigilosa do Ministério Público Federal e da Polícia Federal.

A pedido de ÉPOCA, a autenticidade do vídeo foi atestada pelo perito Ricardo Molina. "A gravação é autêntica e não sofreu nenhuma manipulação", disse Molina. O vídeo tem 53 minutos, três personagens e um repertório espantoso de ilegalidades, abusos e escracho com a coisa pública. São 53 minutos de corrupção exposta em seu sentido mais puro. Não há nenhum vestígio de decoro. O eventual medo de ser pilhado desaparece e cede lugar ao deboche. Não há diálogo em código ou fraseado evasivo. É tudo dito na lata. Esse descaso pode ser explicado pela impunidade com que a longeva máfia dos combustíveis atua no país. Nos últimos anos, a PF e o MP já produziram provas robustas contra expoentes desse grupo. Até o Congresso criou uma CPI para investigar os crimes - que engendrou ainda mais corrupção.

As investigações foram insuficientes para derrubar as estruturas viciadas do bilionário setor de combustíveis, que convive harmonicamente com a ilegalidade. Gasolina adulterada, sonegação de impostos, lavagem de dinheiro são práticas toleradas com frequência pela ANP, agência que deveria fiscalizar e regular esse rico mercado. Sob a condição de permanecer no anonimato por medo de sofrer retaliações, sobretudo físicas - o submundo do mercado de combustíveis convive com ameaças de morte -, empresários, lobistas, advogados, funcionários da ANP, policiais e políticos aceitaram falar a ÉPOCA. As narrativas não divergem. Todos contaram que as atividades do setor correm praticamente sem fiscalização e que, no vácuo, grupos rivais de funcionários e políticos transformaram a ANP numa central de achaque e extorsão.

A advogada Vanuza sabe bem como ela funciona. Naquele dia ordinário de maio, mal se sentou à mesa, Moreira deu início às tratativas. Tratou primeiro do caso da distribuidora Petromarte, cliente de Vanuza com "problemas" para renovar seu registro na ANP. "Conversei com o Edson (Silva, dirigente do PCdoB, ex-deputado federal e então superintendente da ANP) e ele não tinha muita noção de valores, você entende?", disse Moreira. Ele relatou a conversa que tivera com o superintendente Edson para dar uma solução ao assunto. "Você não quer conversar agora em torno de R$ 40 mil? (...) Você acha razoável?", diz Moreira no vídeo. Moreira prosseguiu, didaticamente: "Aí ele (Edson) me falou que ficaria com 25 (mil reais) e daria 15 (mil reais) para vocês (o próprio Moreira e Daniel)". Mais estarrecedor é o que se segue. Os assessores queriam também que Vanuza agisse em nome deles, numa espécie de terceirização da corrupção. Com a palavra, Moreira:

- Tá na minha mão uma, um processo (...) (empresa) tradicional (...) Chamada Rodonave, de Manaus.

Vanuza intervém:

- Mas por que quer cancelar o registro dela? Empresa antiga...

Moreira titubeia, e Vanuza pergunta:

- Mas é para arrancar dinheiro mesmo?

Moreira gagueja:

- É... É... Não sei se para arrancar dinheiro, é que não conheço o perfil das pessoas.

Ele diz que "burocratas são detestados" e que, por isso, não quer fazer contato direto com os donos da empresa. Vanuza insiste em saber a justificativa criada para ameaçar cassar o registro da empresa. Moreira nem sabe explicar. "Eu encaminhei um processo superficialmente. O assunto nunca foi explorado", diz. Dias depois, a dupla de assessores da ANP entregou a ela os documentos de registro da Rodonave. E disseram: "Vanuza, dá para ganhar dinheiro com esse processo". Moreira e Daniel apresentaram ainda uma lista com três empresas que deveriam ser objeto da investida de Vanuza: Flexpetro, Nova Gasoil e Comos Distribuidora. Todas detinham apenas registro provisório na ANP e haviam pedido o registro definitivo, que demora, em média, 180 dias. A dupla informou a Vanuza que, se as empresas quisessem obter o registro em menos tempo, deveriam pagar R$ 50 mil de propina.

Usina de malfeitores

Propina de R$ 40 mil, divisão de dinheiro sujo, achaque a empresas: há de tudo no vídeo de corrupção da ANP

"Quarenta mil reais é razoável?"

Neste trecho, os dois assessores da ANP (Antonio José Moreira e Daniel Carvalho de Lima) dizem à advogada Vanuza Sampaio que a Petromarte, cliente dela, terá de pagar R$ 40 mil de propina para resolver uma pendência na agência - com o aval do então superintendente de abastecimento da ANP, Edson Silva, dirigente do PCdoB

Moreira: Eu conversei com o Edson (superintendente da ANP) e ele não tinha muita noção de valores, você entende? Aí ele falou que era possível, que ia mexer. Mas ele é lento.

Advogada: É baiano.

Moreira: Baiano... Aí ele me falou: "Ó, você não quer conversar agora em torno de 40 mil reais? Você acha razoável? Quanto você acha razoável?". Falei "não sei, Edson, não sei quantificar, não sei valor". E foi a primeira vez que aconteceu alguma coisa. A gente pode estabelecer um bom relacionamento. Aí ele falou isso, que ficaria com 25 (mil reais) e daria 15 (mil reais) pra vocês. Esse é do Rodomarte. É... É do Petromarte.

"É para arrancar dinheiro mesmo?"

Depois de cobrar a propina, os assessores oferecem uma parceria à advogada Vanuza. Querem que ela achaque a empresa Rodonave, objeto de um processo na ANP.

Vanuza se espanta:

"Mas é para arrancar dinheiro mesmo?"

Moreira: Tá na minha mão um processo... O interesse é muito grande. (Empresa) tradicional chamada Rodonave, de Manaus.

Advogada: Mas por que querem cancelar o registro dela? (...) É para arrancar dinheiro?

Moreira: Não sei... não, eu acho que não é para arrancar dinheiro (...) Eu também não queria me indispor, chegar e ligar para a Rodonave... Então, se você tiver interesse, te dou uma orientada.

Lógica Petista

Em seguida, os três põem-se a discutir as diferenças entre os corruptos da agência. Roberto Ardenghy, antecessor de Edson Silva na Superintendência de Abastecimento, é citado como exemplo de negociante voraz. Diz o assessor Moreira: "Ele tinha uma lógica muito à petista. Era muito para ele"

Advogada: Ele (Ardenghy) sempre me travou de uma forma muito inteligente. Só hoje consigo ver o que ele ganhava de um outro lado.

Moreira: (...) Era uma lógica muito à petista. Era muito pra ele e ele avançava também para todos os lados (...) Uma vez eu trouxe um caso, ele queria cobrar muito. Falei "Ardenghy, não é o momento de cobrar muito". Ele falou "não, mas se a gente não cobrar muito (...) Se a gente cobrar pouco, você vê fantasmas todos os dias".

No vídeo, Vanuza reclama que funcionários da ANP assediavam seus clientes, transmitindo-lhes o recado de que, se não mudassem de advogado, perderiam todas as "pendências" que tivessem ou viessem a ter na agência. Esse ataque aos clientes coincidira com a mudança de nomes na ANP, com a chegada de políticos e filiados ao PCdoB. Desde o começo do governo Lula, em 2003, a ANP foi lentamente repartida entre apaniguados do PCdoB. Entraram diretores, como o atual presidente, Haroldo Lima, quadro antigo do partido, integrantes dos comitês estaduais da sigla e comunistas recém-convertidos aos encantos do capitalismo estatal. Quase todos com ficha de filiação ao PCdoB, mas, como se descobriu nos últimos anos, sem competência ou preparo técnico para gerenciar o mercado de petróleo no país. A entrega da agência ao PCdoB representou uma inflexão no submundo dos combustíveis. Com a ascensão do partido, o esquema de corrupção tornou-se orgânico e se ramificou por toda a ANP.

No caso denunciado pela advogada Vanuza, a burocracia da ANP primeiro passou a criar dificuldades para seus clientes. Para deferir pedidos simples, procrastinavam o máximo possível, exigindo documentos previamente entregues pelas empresas, caso da Lubcom. Em outros casos, como a Small Distribuidora, os funcionários da ANP deixaram de receber pedidos e, quando resolviam atender os representantes da empresa, requisitavam documentos desnecessários. Como Vanuza não cedesse às investidas, logo os assessores da ANP começaram a avançar diretamente sobre seus clientes.

Em fevereiro de 2008, sobreveio o bote. Os assessores Daniel e Moreira ligaram para Vanuza, marcaram uma reunião e explicaram que era preciso pagar por qualquer procedimento, mínimo que fosse. Disseram que estavam ali "em nome" de Edson Silva, o superintendente de Abastecimento - talvez o cargo mais poderoso da ANP, cujo ocupante define cotas de venda e compra de combustível, além de deter a prerrogativa de liberar ou cassar registros de distribuidoras e postos. Que qualificação tinha Edson para ser nomeado? Ser um "quadro histórico" do PCdoB. E só. Para se certificar de que os dois de fato falavam em nome do superintendente Edson, Vanuza pediu um encontro com a presença de todos. Dias depois, Vanuza, os dois assessores e Edson Silva tomaram um café nas cercanias da sede da ANP, no centro do Rio. Não se conversou sobre valores, mas Edson, segundo seu relato ao Ministério Público, deixou claro que os assessores detinham autorização para negociar com Vanuza. Agora, eles queriam que Vanuza lhes repassasse metade do lucro - ou dos clientes, encaminhados a um advogado que indicassem. Diante da voracidade, Vanuza entrou em pânico e procurou o MP. Orientada por agentes da PF, topou gravar uma reunião com a turma, de modo a produzir um flagrante. É por isso que, na gravação, a advogada procura estabelecer diferenças entre o grupo do PCdoB e seus antecessores.

Roberto Ardenghy, por exemplo, ocupou o cargo de superintendente de Abastecimento antes do comunista Edson Silva. Ardenghy fora indicado pelo ministro Nelson Jobim, com quem trabalhara na pasta da Justiça, ainda no governo Fernando Henrique Cardoso. Segundo documentos em poder do MP e da PF, como contas bancárias e e-mails, Ardenghy usava o cargo para ganhar dinheiro, agindo sozinho. Para se precaver nas conversas com os empresários, ele criara endereços de e-mail do Yahoo, como "mazaropi" ou "daniflores". Orientava seus clientes a depositar dinheiro numa conta do Bradesco, em nome do café e bar Ninense, no centro do Rio. Hoje, Ardenghy é diretor institucional da British Gas no Brasil.

Vanuza, por dever de ofício, naturalmente também conhece Ardenghy. No vídeo, ela elogia sua capacidade de fazer negócios e afirma que ele não "agride direto" como o comunista Edson Silva. O assessor Moreira reserva boas palavras para Ardenghy: "A lógica dele (Ardenghy) era muito à petista. Era muito para ele e ele avançava também por todos os lados". Depois, Moreira ainda faz chiste com o apetite financeiro de Ardenghy. "Eu trouxe um caso para ele e ele queria cobrar muito. Eu falei: 'Ardenghy, não é o momento de cobrar muito'." E cai na risada ao relatar a negativa de Ardenghy.

O rumo do papo anima Moreira. Ele relaxa, recosta-se na cadeira e se aproxima da advogada. Confidencia, com uma risada: "Aí o Ardenghy começou a cobrar serviço extra (das empresas). Mensalidade e serviço extra!". Moreira ri. Daniel ri. Todos riem. Moreira se anima, inclina-se novamente na cadeira e, ainda às gargalhadas, imita a voz de Ardenghy: "É que meu pessoal está faminto!". De tão confortável, Moreira pede a Vanuza que troque um cheque de R$ 11 mil, recebido por ele do advogado Cristiano Benzota, cujo principal cliente era Dirceu Antônio de Oliveira, conhecido como Major Dirceu e tido pelas autoridades como o maior adulterador de combustíveis do país. "Não posso depositar isso na minha conta", diz Moreira. Desde que o PCdoB entrou na ANP, as empresas do Major Dirceu, antes cassadas pela fiscalização da agência, voltaram a operar.

No meio da reunião, os três também comentam a prosperidade de Victor Martins, ex-diretor da ANP e irmão de Franklin Martins, ministro da Comunicação Social no governo Lula. Meses depois dessa conversa, descobriu-se que Victor era dono de uma consultoria que prestava serviço a municípios interessados em ganhar mais na partilha de royalties relacionados à produção de petróleo - precisamente a área da ANP que ele coordenava. "O que não pode (na ANP) é mau-caráter. Aquele Victor Martins, irmão do Franklin Martins, é desagregador, cheio de desconfiança", diz Moreira. O assessor Daniel confirma em seguida: "Ele é muito conflitante, briga muito". "A mulher dele é que está rica", afirma Vanuza.

Ela entregou o vídeo ao Ministério Público Federal no dia 16 de maio de 2008. Na ocasião, depôs sobre esses fatos ao procurador da República Carlos Aguiar. Também apresentou documentos que corroboram suas palavras, como ofícios trocados entre seu escritório e funcionários da ANP, números de telefone, endereços, cheques, e-mails, codinomes. Seu depoimento se assemelha ao dos empresários ouvidos por ÉPOCA. Esses relatos demonstram que a grande arma dos corruptos da ANP reside no poder da agência em carimbar qualquer etapa do processo de produção e distribuição de combustíveis. Cada cota, cada registro e cada fiscalização constituem uma oportunidade para negociatas. "É inescapável pagar", diz um dos maiores empresários do setor, cujo negócio depende continuamente dos caríssimos carimbos da ANP.

O ex-superintendente da ANP Roberto Ardenghy e o advogado Cristiano Benzota não responderam aos recados deixados pela reportagem de ÉPOCA. Procurados por e-mail, a assessoria da ANP, Moreira, Daniel e o assessor da presidência, Edson Silva, não haviam, até o fechamento desta edição, respondido às questões enviadas.

As primeiras agências reguladoras no país foram criadas na metade dos anos 1990, a partir da privatização dos setores de telefonia e energia. No mundo ideal, os principais objetivos das agências são: garantir o cumprimento das regras de mercado, incentivar os investimentos e fiscalizar as empresas que prestam serviços públicos para garantir serviços de qualidade aos cidadãos. Inspiradas no modelo americano, elas deveriam gozar de autonomia de decisão e financeira. No mundo real é diferente. A interferência política na condução desses órgãos e a escassez de recursos prejudicam sua atuação.

No início do governo do PT, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não gostava de ouvir falar nas agências, por considerá-las uma herança maldita do governo de Fernando Henrique Cardoso. Com o passar do tempo, o PT enxergou nas dezenas de vagas disponíveis nelas uma forma de acomodar políticos da base aliada (leia o quadro abaixo). Passou a loteá-las sem levar em conta a premissa de manter técnicos de primeira linha a sua frente. Um exemplo claro é Haroldo Lima, o presidente da ANP. Político do PCdoB, Lima cometeu gafes inesquecíveis. Uma delas foi divulgar, num seminário, informações estratégicas sobre campos de petróleo, alimentando a especulação. "Isso não é um problema meu. É um problema da Bolsa de Valores", afirmou.

Atualmente, o órgão mais representativo desse fatiamento político é a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Seu presidente, Bernardo Figueiredo, foi indicado pelo PT. O diretor Mário Rodrigues foi apadrinhado pelo deputado federal Valdemar Costa Neto (PR-SP). O diretor Ivo Borges contou com o apoio do senador Gim Argello (PTB-DF). Há, ainda, um representante do PMDB, o diretor Jorge Macedo Bastos.

Se a indicação política pode ser perniciosa, a indicação de empresas reguladas também merece ser vista com cautela. O atual presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Maurício Ceschin, é oriundo de operadoras de planos de saúde. Sua indicação foi contestada por servidores públicos, receosos de que Ceschin pudesse favorecer ou deixar de fiscalizar devidamente as empresas reguladas. Por meio de sua assessoria de imprensa, Ceschin afirmou que há dez anos não trabalha diretamente para empresas reguladas pela ANS.

Quem ousou contestar a realidade de funcionamento das agências saiu chamuscado. Ex-presidente da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o engenheiro Jerson Kelman, um técnico, foi repreendido pelo governo quando disse que deveria haver uma redução nos valores da taxa de fiscalização, tributo cobrado do consumidor e não usado inteiramente para financiar as atividades da agência. Também desagradou ao Planalto quando, em 2008, apontou riscos reais de novo apagão elétrico, comportamento interpretado como uma insubordinação política.

Os critérios de escolha dos diretores, apesar de mudanças perceptíveis, ainda são precários. Formalmente só é exigido do candidato que tenha nível superior e reputação ilibada. Na avaliação do presidente da Associação Brasileira de Agências de Regulação, José Luiz Lins dos Santos, deveria exigir-se do candidato conhecimento notório sobre o setor regulado. "É uma forma de garantir um profissional qualificado para importante função", afirma. Há sete anos tramita na Câmara dos Deputados um projeto de lei para definir atribuições, poderes e limites das agências reguladoras. É a falta de vontade do governo em tratar o assunto como merece que gera casos escandalosos como a ANP.

O perigo estava bem ao lado - Revista Veja


O perigo estava bem ao lado
Revista Veja 

O homem acusado de caluniar o governador de Brasília era contratado como funcionário de confiança... e não precisava trabalhar


Gustavo Ribeiro

Na semana passada, VEJA revelou as andanças do homem que se diz o guardião dos piores segredos do governador de Brasília, o petista Agnelo Queiroz. Ex-funcionário da União Química, uma das maiores empresas farmacêuticas do país, Daniel Almeida Tavares contou à reportagem e a políticos da cidade ter consigo um vídeo que mostraria uma entrega de dinheiro a Agnelo, quando ele ocupava uma diretoria da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Daniel afirmou também dispor de um comprovante de depósito bancário realizado na conta pessoal do governador - recursos que garantiam a atenção especial aos pleitos da companhia. Confrontado com o que se apresentava como uma clássica tentativa de chantagem, Agnelo admitiu que de fato conhecia o ex-representante da empresa e que esteve reunido com ele algumas vezes, mas garantiu que as conversas sempre se pautaram pelo respeito mútuo. O petista. porém, omitiu um detalhe importante. O homem que espalha pelos quatro cantos ter provas cabais de que o governador é corrupto foi recentemente contratado pelo governador.

No dia 31 de maio, quando as tais revelações que Daniel ameaçava fazer já eram de conhecimento de metade da cidade, ele foi nomeado assessor na gerência de orçamento da Administração de Brasília, cargo de. confiança, com salário de 1600 reais. Segundo o responsável pela sua nomeação, o administrador José Messias de Souza, amigo e homem de confiança de Agnelo, tudo aconteceu à revelia do governador: "Eu o convidei porque sei que ele atuava como assessor parlamentar de um político de cujo nome não me recordo. E trabalhava na área empresarial também". Daniel gozava de alguns privilégios no emprego. O melhor deles: não precisava trabalhar.

Durante a semana, também surgiram evidências de que são muito boas as relações entre o governo do Distrito Federal e o outro vértice da história, a União Química. O laboratório, que contribuiu oficialmente para a campanha do governador com 300.000 reais - doados por meio de duas empresas do grupo -, foi contemplado com incentivos fiscais para a instalação de uma fábrica na capital. No ano passado, a União Química também atendeu a um inusitado pedido do governador: patrocinou um clube de futebol da periferia de Brasília, na mesma época em que Agnelo iniciava um périplo para consolidar sua candidatura ao governo. O laboratório nega ter assinado qualquer contrato formal de patrocínio,e afirma desconhecer o porquê de sua logomarca ter ido parar nas camisas do time brasiliense.

Mesmo diante de suspeitas tão graves, tanto Agnelo quanto a União Química silenciaram ao longo da semana passada. Por meio de sua assessoria, o governador informou que vai processar o ex-funcionário. Até agora, porém. oficialmente houve uma única reação concreta: Daniel Tavares foi demitido. A exoneração foi oficializada na última terça-feira. O motivo? Segundo José Messias, seu chefe imediato, ele nunca foi visto na repartição. Era um fantasma, portanto. Curioso ter sido descoberto apenas na semana passada que o inimigo, além de íntimo, era tão próximo.

O Itaquerão é nosso - Revista Veja


O Itaquerão é nosso
Revista Veja 

Ou, pelo menos, a conta é. Ao contrário do prometido, o estádio do Corinthians será bancado com dinheiro público e custará 820 milhões de reais.


Otávio Cabral

O governo de São Paulo não colocará um tostão no estádio do Corinthians. Nenhum tostão"(governador Geraldo Alckmin, em maio de 2011).

"A prefeitura de São Paulo reafirma sua decisão de não utilizar recursos públicos para a construção de nova arena na cidade de São Paulo, pois entende que o seu papel é fazer investimentos em obras de infraestrutura urbana que melhorem ainda mais o cotidiano dos paulistanos" (nota da prefeitura de São Paulo, em junho de 2010).

"Os estádios serão construídos com dinheiro privado. Não haverá um centavo de dinheiro público para estádios" (ministro do Esporte, Orlando Silva, em dezembro de 2007).

Na última quarta-feira, os autores das frases acima se reuniram num palanque para anunciar o que todo mundo já sabia: o estádio do Corinthians - ou Itaquerão, como ficou irremediavelmente conhecido - será construído quase integralmente com dinheiro público. Hoje, ele está orçado em 820 milhões de reais. Desse total, a prefeitura bancará mais da metade por meio de incentivos fiscais. O governo federal contribuirá com 65 milhões de reais vindos de isenção de impostos. O restante será financiado com juros camaradas pelo BNDES, que o Corinthians pagará ao longo de quinze anos - desta vez, não com dinheiro público, mas "do público". Como a primeira parcela só deverá ser quitada depois da inauguração do estádio, o clube não terá de tirar um centavo dos seus cofres para erguê-lo: os pagamentos virão das rendas de jogos e shows a ser realizados no local. Tanta generosidade levou o presidente do clube, Andrés Sanchez, a verter lágrimas de gratidão durante a cerimônia. Ao contribuinte também não faltam motivos para chorar. O mais recente foi anunciado pelo governador Geraldo Alckmin: se for confirmado como local de abertura da Copa do Mundo de 2014, o Itaquerão precisará ter sua capacidade aumentada para 65.000 lugares (o projeto atual prevê 48.000). Nesse caso, quem abrirá a carteira será o estado de São Paulo. Geraldo "Nenhum tostão" Alckmin se comprometeu a pagar a diferença, cujo custo previsto é de 80 milhões de reais.

Partiu de Kassab o mais frágil argumento para justificar a construção, com dinheiro público, de mais um estádio numa cidade que já conta com uma arena do porte do Morumbi e tem problemas crônicos de transporte, saúde e educação. Disse o prefeito que a obra servirá para revitalizar a combalida Zona Leste da cidade. "Além do enorme retorno financeiro que a Copa do Mundo proporcionará. A região ganhará uma área para shows e eventos que vai oxigenar sua economia." O Engenhão, estádio erguido no Rio para ser uma das sedes dos Jogos Pan-Americanos de 2007, está aí para provar que a tese do prefeito pode ser apenas futurismo barato. Quatro anos depois da inauguração da arena, o bairro do Engenho de Dentro tem infraestrutura precária e não recebeu nenhum benefício. "O estádio sozinho muda muito pouco a vida de um bairro.

No caso do Engenhão, a região não ,foi alvo de intervenções públicas para melhorar o transporte, a saúde, a qualidade de vida . Não é um exemplo a ser seguido", afirma o economista carioca Sérgio Besserman.

Um dia antes da cerimônia que emocionou o presidente do Corinthians . a prefeitura da cidade francesa de Bordeaux anunciou o vencedor da licitação para a construção do novo estádio que sediará o campeonato europeu de futebol de 2016. O projeto foi assinado pela mesma empresa que ergueu o estádio chinês Ninho de Pássaro. Com capacidade para 43 000 pessoas, custará o equivalente a 375 milhões de reais. A diferença, segundo o Corinthians, se deve ao fato de que. ao contrário do estádio de Bordeaux, o Itaquerão será uma arena de "padrão Fifa". Ah, sim: o estádio de Bordeaux não consumirá um centavo de dinheiro público. E, nesse caso, não se trata de promessa.

Saídas do mesmo punho

A construção do Itaquerão e a possibilidade de sediar a abertura da Copa são apostas de Gilberto Kassab para tentar fazer seu sucessor em 2012 e, dois anos depois, disputar o governo de São Paulo. Mas, antes disso, o prefeito terá de resolver um problema mais premente: conseguir até o fim de setembro a licença para que o partido que criou, o PSD, possa participar das eleições do ano que vem. No papel, a fundação de um partido tem dois requisitos. O primeiro é fazer um registro em cartório - o PSD já superou essa fase, ao protocolar seu programa de 21 páginas, no qual examinou documentos entregues pelo partido à Justiça e atestou que assinaturas atribuídas a pessoas diferentes têm como origem "o mesmo punho escritor". Dez desses supostos apoiadores compareceram a um cartório eleitoral da Zona Leste de São Paulo para reconhecer se era autêntica sua assinatura. Oito disseram não ter assinado nada.

Antes disso, o Ministério Público em São Paulo já havia aberto uma investigação para apurar o uso de funcionários públicos municipais, em horário de expediente, na coleta de assinaturas para o PSD. Também já era alvo de apuração uma lista de apoio que, por influência do dono de uma fábrica, quase todos os funcionários assinaram. Em Santa Catarina, a polícia investiga se mortos "assinaram" a ata de fundação. No Paraná, foram encontradas cinco assinaturas de eleitores analfabetos. No Rio de Janeiro e no Amazonas, juízes eleitorais detectaram que assinaturas de eleitores foram falsificadas.

Com base nessas denúncias, o DEM, ex-partido de Kassab, pede à Justiça Eleitoral que convoque os eleitores para conferir a autenticidade de todas as assinaturas antes de conceder o registro definitivo ao PSD. A coleta de assinaturas de eleitores como requisito para a fundação de uma sigla pode ser uma etapa burocrática de uma lei anacrônica. Mas driblá-Ia, ou permitir que terceiros o façam, é ilegal e desonesto. O cartão de visitas do PSD já chega manchado.

MAÍLSON DA NÓBREGA - Orçamento atrasado


Orçamento atrasado
MAÍLSON DA NÓBREGA
REVISTA VEJA

Duas crises recentes envolveram emendas parlamentares ao Orçamento da União. Na primeira, aliados do governo obtiveram o desbloqueio dos recursos sob a ameaça de votar a favor de projetos que arrebentam as finanças públicas. Na segunda, emendas fizeram parte do escândalo no Ministério dos Transportes.

Na raiz desses eventos está o atraso institucional do Orçamento, incluindo a ideia de que ele é "autorizativo". Por aí, o governo poderia gastar apenas com o que fosse obrigatório: pessoal, previdência, transferências constitucionais a estados e municípios, educação e saúde. O resto ficaria a seu critério. Não há base para essa interpretação.

Pela Constituição (artigo 165, parágrafo 8°), "a lei orçamentária anual não conterá dispositivo estranho à previsão da receita e à fixação da despesa" (grifos meus). Os dois substantivos diferenciam os atos de arrecadar (estimativo) e gastar (obrigatório). O orçamento é uma lei e como tal deveria ser cumprido. O processo orçamentário contemporâneo nasceu de longa evolução, que limitou o poder dos reis absolutistas da Europa de tributar a seu talante e de gastar como lhes aprouvesse, sobretudo para fazer guerras. Os oito séculos de feudalismo criaram bolsões de forte resistência ao autoritarismo da monarquia.

Os barões feudais ingleses impuseram ao rei João sem Terra a Carta Magna (1215). A aprovação de tributos passou a depender da aprovação de uma assembleia de nobres e bispos. Caía um dos maiores poderes discricionários do monarca. Para muitos autores, o feudalismo, ao confrontar o absolutismo, lançou os alicerces da democracia moderna.

O aparecimento das cidades e a expansão do comércio internacional criaram novas forças políticas e interesses a defender. No século XVII, ideias de pensadores como Hobbes e Locke vincularam a legitimidade dos monarcas ao consentimento dos governados, e não à inspiração divina. Na Inglaterra, a solidariedade entre grupos sociais relevantes permitia defender seus direitos, mais do que em outros países.

A Revolução Gloriosa Inglesa (1688) adveio dessas transformações. A supremacia do poder passou para o Parlamento, ao qual se subordinavam os dois lados do orçamento, a receita (tributos e dívida) e a despesa. O Judiciário se tomou independente. O estado se fortaleceu. A Inglaterra se tomou a maior potência europeia no século seguinte.

Portugal não experimentou o feudalismo, pelo menos nos moldes existentes em outros países

europeus. O absolutismo lusitano, livre de contestações semelhantes, sobreviveu até o começo do século XX. Sob o patrimonialismo português, as posses do rei se confundiam com o orçamento. Herdeiros dessas tradições, atribuímos pouca importância ao orçamento, que vira peça de ficção. As emendas parlamentares constituem instrumento de barganha entre o Executivo e o Legislativo.

O Brasil avançou em muitas das instituições fundamentais para construir uma democracia funcional e uma economia orientada pelo mercado, associada a programas sociais em favor de segmentos menos favorecidos. Pode dar mais um passo essencial, o de assegurar a natureza impositiva do orçamento.

A mudança seria precedida de medidas para evitar que o Congresso superestime a receita e assim abrigue gastos excessivos e desastrosos. Países como a Alemanha e os Estados Unidos dispõem de mecanismos institucionais pelos quais a estimativa da receita é feita por indivíduos ou organizações independentes. Aqui, isso poderia ser feito por uma comissão mista de técnicos do Executivo e do Congresso, da qual participariam especialistas de reputação e saber reconhecidos.

Para a hipótese de a receita ficar abaixo das estimativas, seriam instituídas regras para o ajuste das despesas, mas sob a aprovação do Legislativo e rito sumário. O Executivo não mais poderia fazer cortes orçamentários, como estabelecido na Lei de Responsabilidade Fiscal. No curso da atual crise europeia, os ajustes na Grécia, na Irlanda, em Portugal e em outros países foram previamente aprovados pelos respectivos parlamentos.

O orçamento impositivo melhoraria a execução orçamentária, reduziria o potencial de corrupção do processo atual e contribuiria para melhorar a qualidade do sistema político.

Pobres homens ricos - REVISTA VEJA


Pobres homens ricos
Revista Veja 

A história do pedreiro e do vendedor que se descobriram empresários e donos de uma fortuna de 8 milhões de reais. Mas há um senador no meio do caminho



Rodrigo Rangel, Paulo Celso Pereira e Hugo Marques

Na sexta-feira passada, o pedreiro Roberto Ferreira da Cunha cumpriu normalmente sua rotina. Acordou às 5 da manhã. entrou em seu carro (um Uno modelo 1996). tomou café num bar (dois pastéis e um copo de leite) e seguiu para o trabalho (uma obra na periferia de Brasília). Ao meio-dia, parou para almoçar (um prato feito de arroz, feijão e carne assada). Seguiu no batente até as 7 da noite, quando voltou direto para casa (ele mora de favor com os três filhos na casa de uma irmã, a 40 quilômetros da obra). As contingências adiaram a parada programada no supermercado para comprar "umas coisas" para ajudar no almoço de sábado. Ele tinha apenas 3 reais no bolso. Vida dura demais para os padrões de alguém que tem 8 milhões de reais em uma conta bancária. O pedreiro não sabia que ele é um dos mais novos integrantes da seleta categoria dos milionários brasileiros. Não sabia que é um bem-sucedido empresário que enriqueceu fazendo negócios com o governo. Não sabia que ficou milionário graças a um senador da República, que ele não conhece e de quem nunca ouvira falar. Roberto Cunha não sabia de nada disso porque não era mesmo para ele saber. Roberto foi escalado para ser um "laranja", tendo seu nome usado criminosamente para ocultar os verdadeiros beneficiários de mais um golpe contra os cofres públicos disso, sim, muita gente sabia.

Durante cinco meses, o senador Romero Jucá, líder do governo. fez visitas ao Palácio do Planalto, a gabinetes de ministros, mobilizou aliados e fez todo tipo de pressão ao seu alcance para conseguir viabilizar a nomeação de Oscar Jucá Neto, seu irmão mais novo, para a diretoria financeira da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Havia muita resistência dentro do governo. Afinal, Jucazinho, um gestor com larga experiência em administrar restaurantes, tinha um currículo que impressionava. Em sua ultima passagem pejo governo, em 2009, como assessor da Infraero, a estatal que cuida dos aeroportos, ele acabou demitido no meio de uma faxina ética semelhante à que o governo promove agora no Ministério dos Transportes: A força do irmão poderoso, entretanto, prevaleceu e, em 20 de junho, Jucazinho assumiu o cargo e, por dever de ofício, a guarda de um cofre por onde passarão neste ano nada menos que 5 bilhões de reais. E eis que não tardou para que se descobrisse o porquê do interesse da família Jucá em ocupar o posto. Na semana passada, VEJA revelou que o primeiro ato formal de Jucazinho foi liberar irregularmente um pagamento a uma empresa de armazenagem que mantinha fazia anos um litígio com a Conab.

Na surdina, sem consultar ninguém, desrespeitando todos os procedimentos burocráticos e pareceres jurídicos e aproveitando a ausência do chefe. Jucazinho mandou depositar 8 milhões de reais na conta da empresa Renascença. Detonou uma crise política dentro do governo e dentro do PMDB. Informado, o ministro da Agricultura, Wagner Rossi, quis demiti-lo. O vice-presidente Michel Temer, presidente de honra do PMDB, não se opôs, mas foi pressionado pelo poderoso Jucá. Na semana passada, depois da reportagem de VEJA, a ministra Gleisi Hoffmann, chefe da Casa Civil, convocou Rossi para uma reunião, ouviu dele um relato detalhado sobre o caso e, por fim, acertou-se que Jucazinho deixaria o cargo, o que aconteceu na quinta-feira. Oficialmente, ele saiu por espontânea vontade, para permitir que os supostos erros administrativos sejam apurados com isenção por uma comissão de sindicância. Para garantir que o caso se resolvesse em paz, ficou combinado que não se falaria em fraude, muito menos em Polícia Federal ou Ministério Público. Um grupo de servidores vai ser encarregado de apurar as irregularidades. Enquanto isso, os 8 milhões de reais permanecerão bloqueados na conta da Renascença. O senador Jucá, embora irritado com o desfecho, concordou com a solução que, de certa forma preservou a ele e o irmão - pelo menos por enquanto.

A Renascença tem ligações históricas com os Jucá. Um primo do senador já esteve entre os cotistas da empresa. Desde que começou a cobrar a suposta dívida milionária da Conab. porém, ela foi "transferida". Um dos compradores foi o pedreiro e agora milionário Roberto Cunha. O outro é o vendedor Madson Martins de Oliveira. Funcionário de uma concessionária de carros de Brasília, Madson também não sabia que era empresário. Mas ele se recorda de um episódio que pode ajudar a elucidar o mistério. Conta que, certa vez, recebeu uma. oferta tentadora. Desempregado. foi abordado por um homem que perguntou se ele assinaria um documento em troca do equivalente a 150 reais. Assinou sem pestanejar. Informado sobre seu perfil secreto, Madson se assusta: "O que eu faço agora? Tenho cinco filhos e não posso perder o emprego". Assim como Roberto, o vendedor de carros. como sócio da empresa, é dono de uma fortuna. Outro pobre milionário.

O pedreiro e o vendedor encarnam o papel daquilo que o jargão do submundo da corrupção chama de "laranja". Suas identidades foram usadas por pessoas que têm algo a esconder. Os interesses da Renascença são defendidos por gente bem mais graúda – e influente o bastante para fazer o irmão do poderoso líder do governo no Senado arriscar a própria cabeça e efetuar o pagamento à revelia de todas as normas legais e dos princípios da boa administração. Na Conab, havia um lobby cerrado para que o dinheiro da Renascença fosse liberado. Não por coincidência, logo depois da decisão de Jucazinho de pagar os 8 milhões de reais, eis que surgiu o homem que se apresentou como o verdadeiro dono da empresa. TraIa-se de Hélio Mauro Umbelino Lôbo, ex-deputado federal e prefeito biônico de Goiânia na ditadura. "Eu sou o verdadeiro dono da empresa", garantiu, de olho nos milhões. O ex-parlamentar confirma que, a pedido de um amigo, transferiu as cotas da Renascença, mas não sabia que os novos donos eram laranjas. Por meio de uma procuração, entretanto, Hélio continua com todos os direitos de operar a empresa, inclusive abrir e movimentar as agora milionárias contas bancárias. Humm ... Ex-sócios, ele disse que só conhece a família Jucá de nome. Em entrevista a VEJA, Oscar Jucá afirmou que foi vítima de uma armação: "E tenho como provar".

O uso de laranjas para esconder malfeitorias é apenas um dos muitos truques usados por políticos e empresários para fazer mágica com dinheiro público. Há duas semanas, o Tribunal de Contas da União concluiu a maior fiscalização já feita sobre os sistemas de compras do governo federal. A investigação começou" em abril do ano passado e analisou 142524 contratos firmados pelo governo Lula entre 2006 e 2010 por órgãos públicos e empresas estatais. O montante ultrapassa a cifra de 104 bilhões de reais. VEJA teve acesso ao relatório, cujos dados são uma radiografia de como a inventilidade de maus empresários, somada à leniência dos órgãos públicos, leva o país a jogar fora boa parte dos impostos arrecadados com rigor draconiano de quem trabalha. No total, o relatório apresenta mais de 80000 indícios de irregularidades, que vão de contratos assinados fora do prazo permitido por lei à contratação de empresas de parlamentares, de licitações com empresas fichas-sujas à participação de funcionários públicos em negócios com empresas das quais são sócios, da farra de aditivos ao uso de empresas-laranja para manipular licitações

Esse aparente descontrole integra a gigantesca engrenagem na qual estão, de um lado. empresas interessadas em sugar os recursos estatais e, do outro, grupos políticos que loteiam o estado com o objetivo de destinar para seus escolhidos as verbas federais. O mais gritante exemplo do tamanho do descontrole é o caso das empresas que disputam licitações e após apresentarem o melhor preço, acabam desistindo ou sendo desclassificadas por não atenderem às regras dos editais ou não honrarem sua proposta. O tribunal encontrou 31 793 companhias que se enquadram nesses casos. envolvendo licitações de 6 bilhões de reais. De acordo com o relatório, assinado pelo ministro Valmir Campelo, uma dessas empresas chegou a falhar 12370 vezes. São números estarrecedores que levam, na melhor hipótese, ao reiterado atraso nas licitações e, na pior, à compra de produtos por preços bem acima do valor de mercado. Essa é a missão, por exemplo, das chamadas empresas-coelho, apelido dado às firmas que entram em concorrências com um único propósito: fazer um lance muito abaixo do valor de venda para que as demais participantes desistam da licitação, deixando o caminho livre para que outra empresa do esquema se apresente, só que cobrando valores inflados. A prática é recorrente. E o mais grave: os órgãos públicos, que deveriam abrir processos administrativos contra as empresas que atrapalham as licitações, seriam coniventes. Não se tem notícia de um só caso em que empresas-coelho tenham sido punidas por essa conduta. São malandragens sublimes que se tornaram rotina na relação entre comprador e vendedor, em que apenas um lado ganha - e todos os brasileiros perdem. Os auditores também encontraram empresas que têm servidores públicos e até membros da própria comissão de licitação como sócios. O prejuízo, ainda não calculado, facilmente ultrapassa a casa dos 10 bilhões de reais.

A investigação do Tribunal de Contas envolve parlamentares em atividade. A Constituição é clara em relação ao impedimento de deputados e senadores de controlar empresas que tenham negócios com o poder público. Diz o artigo 54: "Os Deputados e Senadores não poderão ( ... ) ser proprietários, controladores ou diretores de empresa que goze de favor decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito público". Parece claro. Mas, ao cruzar a relação de bens dos parlamentares eleitos em 2006 com a das empresas que firmaram contratos com o governo ou com empresas estatais, vários nomes conhecidos apareceram. Para evitar o aprofundamento da apuração, o TCU apartou uma lista e classificou-a como sigilosa. Nela consta o nome das empresas, dos órgãos suspeitos e, obviamente, dos parlamentares. VEJA teve acesso a parte da relação. Estão entre os acusados o senador Eunicio Oliveira, do PMDB, e os deputados Paulo Maluf, do PP, e Felipe Maia, do DEM. Os três negam envolvimento em irregularidades. Para o procurador do TCU Marinus Marsico, o relatório serve como um chamado: "As auditorias do tribunal deveriam ser lidas com mais atenção pelos gestores públicos. Ali não há nenhum tipo de interferência na atividade do Executivo, nenhum tipo de perseguição. O que há é uma tentativa de racionalizar essa gigantesca máquina pública", Os ministros encaminharam o documento ao Ministério Público Federal e ao Conselho de Ética da Câmara para as providências cabíveis contra parlamentares, servidores e empresas. Ao Ministério do Planejamento caberá uma ampla reformulação dos sistemas de compras do governo, para evitar que corrupção. fraudes e as sazonais safras de laranjas se perpetuem como regra de convivência da política brasileira.

EDITORIAL - O GLOBO - Vale-tudo ideológico


Vale-tudo ideológico
EDITORIAL
O Globo - 25/07/2011

Entidades com longa história de vigilância sobre governos, como a UNE, se mantêm em silêncio diante da enxurrada de casos de corrupção ocorridos desde 2003, quando Lula assumiu o primeiro mandato. Dois anos depois estourou o mensalão, em que há crimes de lavagem de dinheiro e também de desvio de recursos públicos, entre outros. Silêncio total. E assim tem sido até agora, na sucessão de escândalos nestes quase sete meses de governo Dilma. Sequer apoio à presidente, petista, é dado.

Forja-se, agora, uma curiosa desculpa para essa imobilização: tudo seria fruto do "udenismo" da oposição e, claro, da imprensa independente e profissional. Quer-se, com isso, importar das décadas de 50 e 60 uma luta ideológica entre a UDN de Carlos Lacerda e o PTB de Getúlio, Jango e Brizola, um anacronismo. Além de se considerar que havia mesmo corrupção no Palácio do Catete daqueles tempos, hoje a conjuntura é muito diferente. Não há qualquer campanha ideológica orquestrada contra qualquer governo, apenas -- o que não é pouco -- fatos concretos, substantivos, de malfeitos na esfera do poder.

O mensalão, de tão substantivo, virou peça de acusação do Ministério Público Federal aceita pelo Supremo, que se prepara para julgar o histórico processo em 2012, salvo chicanas advocatícias. Nele estão figuras estreladas do PT, como José Dirceu, Genoino, o tesoureiro Delúbio Soares - recebido de volta pelo partido sem pudores -, João Paulo Cunha etc. Talvez isto iniba a UNE, sindicatos e movimentos ditos sociais, também dependentes de verbas públicas. Fica evidente que, na ótica de algumas organizações, há corrupções e corrupções. Se o escândalo envolve o governo Collor de Mello, a postura é uma; caso atinja o PT, o silêncio impera. (Não se deve mesmo esquecer que existe um mensalão tucano mineiro no Supremo, à frente dele o ex-governador Eduardo Azeredo). Não há como ressuscitar no século XXI os embates ideológicos do início da metade do século passado. Não está em questão a tomada do poder, mas a lisura no manejo do dinheiro do contribuinte, o que não pode ser considerado desimportante. Mas, em nome da manutenção do poder, faz-se vista grossa a escabrosos assaltos ao Tesouro, cometidos à vista de todos.

Há o perigo de UNE, MST e entidades sindicais reeditarem algo também tão carcomido quanto o embate de "udenismo" versus "trabalhismo/getulismo": o "rouba mas faz" do populismo de Adhemar de Barros da política paulista daqueles mesmos tempos. Uma ideologia distorcida que se manteve na vida pública de São Paulo até Paulo Maluf.

Recoloca-se a também antiga questão dos "fins que justificam os meios", cacoete de movimentos de esquerda que terminou desaguando no mensalão e em outras impropriedades em certas empresas estatais. O fato de a UNE fazer um congresso patrocinado pelo dinheiro público é apenas um aspecto, seja uma caneta petista ou tucana que libere as verbas. Há mesmo eventos de organizações da sociedade que precisam e devem contar com apoio do poder público.

O ponto é outro: o que UNE, sindicatos, MST e similares dão em troca do acesso ao dinheiro do contribuinte. O silêncio diante da enxurrada de casos de desvio de dinheiro do Tesouro é grave. Inevitável que se faça ligação entre uma coisa e outra. Há - ou deveria haver - preceitos éticos que pairam sobre partidos e ideologias, bem como o compromisso inegociável com eles. Se não, a vida pública se resume a um vale-tudo de quinta categoria, sem aprimorar a sociedade.

IGOR GIELOW - O bagrinho


O bagrinho
IGOR GIELOW
Folha de S. Paulo - 25/07/2011

O pessoal que vende a imagem de Dilma Rousseff está feliz da vida. Parece ter colado, e há muitas pesquisas qualitativas indicando o caminho, a noção de que está sendo feita uma "faxina" no Ministério dos Transportes.
A metáfora doméstica, assim como entrevistas fofas para celebrar a boa fase, nada tem de casual. Ao mesmo tempo em que a fama de durona é reafirmada, uma Dilma "gente" aparece. Uma mulher que assiste novela e curte o Chico -algo assim demasiadamente humano, como o mau gosto.
O fato de que Dilma é governo desde 2003 é gostosamente esquecido, e o clima estimula o riso fácil. Há espaço até para tiradas engraçadinhas, como quando o ministro Paulo Bernardo (Comunicações) disse ser um "bagrinho" que só acompanhava o noticiário do escândalo à distância.
Bem, se o ministro leu a Folha ontem, viu reportagem mostrando que uma lobista do Paraná atrai dinheiro público para a Prefeitura de Maringá. Inclusive uma obra do Dnit, daquelas bem suspeitas.
Detalhe: a lobista é amigona de Bernardo e de sua mulher, a ministra Gleisi Hoffmann (Casa Civil). Dada a modernidades, ela até "tuitou" relatos de sua intimidade com o casal 20 da Esplanada.
A reação do ministro ao ser perguntado sobre a proximidade dos três foi típica, de um refinamento republicano exemplar: "Não é da sua conta". Tsc, tsc. Ainda que ambos os ministros neguem desvios éticos ou influência no sucesso da amiga, é óbvio que as relações de figuras públicas são alvo de escrutínio justificado.
As movimentações paranaenses do casal já haviam sido citadas, em tom de ameaça depois negada, pelo ex-chefe do Dnit. Com o PR domesticado por ora, ficou por isso. A "faxina" está bem calculada, e a pescaria é seletiva. Mas nunca se sabe, sempre pode sobrar um anzol a mais na água.

ANCELMO GÓIS - Hino vetado

Hino vetado
ANCELMO GOIS
O GLOBO - 25/07/11

Foi emocionante ouvir Wagner Tiso, Arthur Moreira Lima, João Carlos de Assis Brasil, Nelson Ayres, Amilton Godoy e Antonio Adolfo tocando juntos ao piano o Hino Nacional no encerramento, ontem, dos Jogos Mundiais Militares, no Engenhão. Mas quem esperava ouvir um arranjo inédito de Tiso saiu decepcionado. Houve, de diferente, um curtíssimo prelúdio.

É que...

O maestro recebeu da Academia Brasileira de Música carta explicando que, pela legislação, o Hino só pode ser executado com os arranjos feitos pelo maestro Alberto Nepomuceno (1864-1920). A lei está em vigor, embora o Hino já tenha sido tocado em diversos ritmos — até mesmo no estilo pagode, pelo grupo Exaltasamba. 

Além disso... 
Os organizadores dos Jogos argumentaram que a lei não poderia deixar de ser cumprida logo num evento militar. O Ministério da Cultura ainda tentou contornar. Mas não houve jeito. 

Sobrou para Cultura

Quem já viu no Planejamento a proposta para o Orçamento de 2012 diz que a tesoura da ministra Míriam Belchior deve cortar uns R$ 500 milhões da Cultura em comparação a 2010. 

No mais
De Ruy Castro, sobre a morte de Amy Winehouse:
— Amy não passou anos lutando contra álcool e drogas. Lutou a favor. Nunca quis se tratar direito.

Chega de Astolfo
Rogéria e Jane Di Castro vão rasgar seus documentos no palco da Sala Baden Powell, no Rio, quarta, num show que farão. Abandonarão os nomes de batismo Astolfo (Rogéria) e Luiz (Jane), agora com a lei que admite o nome social de travestis.

‘Dolce far niente’
Ângelo Calmon de Sá brincou com um amigo no Hotel d’Inghilterra, em Roma, que estava ali para comemorar o anúncio, em breve, de um acordo com o Banco Central em torno do falido Banco Econômico. Parece próximo o fim das liquidações dos finados Econômico,
Nacional, Bamerindus e Mercantil de Pernambuco. 

Fator Pitanga
Circula na internet um suposto estudo atribuído à Universidade de Helsinque, na Finlândia, intitulado “Órgão masculino e crescimento econômico: o tamanho do pênis importa?” Assinado por um tal Tatu Westling, relaciona “desenvolvimento e comprimento do pênis entre 1960 e 1985”. É. Pode ser. 

Cruz e Souza

Os Correios vão lançar em novembro um selo com a figura de Cruz e Sousa (1861-1898), o grande poeta catarinense. É pelos 150 anos de nascimento do fundador do nosso simbolismo, considerado o maior poeta negro da língua portuguesa.

Viva Jorge Amado!
“É óbvio que é um mal-entendido.” Assim reagiu, indignada, Paloma Jorge Amado, filha do grande escritor, à notícia que circula na quadra da Imperatriz, de que a família havia impedido a escola de abordar a militância comunista do autor de “Gabriela cravo e canela”
em seu enredo de 2012. “Não temos nada a esconder da vida do meu pai”, diz ela, “tanto que entregamos à Imperatriz livros que falam desta fase política.” Melhor assim.

Medicina
A PUC do Rio deve criar uma faculdade de medicina. 

Cena carioca
Acontece nas melhores casas do ramo. Sábado, na hora do almoço, uma gritaria tomou o restaurante Alessandro & Frederico do Rio Design Leblon, lugar de bacanas. Madames começaram a subir nas cadeiras e poltronas. Era... uma ratazana correndo! A bicha foi capturada e morta. 

Leilão do coração

Com Hélio De La Peña de mestre de cerimônia, Ernani Leiloeiro comanda amanhã o “Leilão do Coração”, no Hotel Sofitel, no Rio, em prol do Hospital Pró- Criança Cardíaca, liderado pela querida doutora Rosa Célia. 

PF
Quem reparou foi o coleguinha Sílvio Ferraz. Uma birosca de Itaipava, na Região Serrana do Rio, exibia no fim de semana o seguinte aviso escrito a giz num quadro: “Prato feito: fundo, R$ 7; raso, R$ 5.” Faz sentido.

MARCIA PELTIER - Bahia de todos os afros

Bahia de todos os afros
MARCIA PELTIER
JORNAL DO COMMÉRCIO - 25/07/11

Atual embaixador especial da Secretaria-Geral Ibero-Americana,com sede em Madri, o ex-ministro da Cultura Juca Ferreira está trazendo para a Bahia, de 17 a 19 de novembro, o evento-chave do Ano Internacional dos Afrodescendentes. Juca já obteve a confirmação de que o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, estará presente à abertura. Também se comprometeram a vir Raúl Castro, de Cuba, Felipe Calderón, presidente do México, e o venezuelano Hugo Chávez, se a saúde permitir. O Itamaraty está apoiando o encontro, assim como o governador Jacques Wagner, que emprestará o Palácio Rio Branco, antiga sede do governo, para a assinatura dos atos.

Decolou
A construção do reator multipropósito brasileiro (RMB) finalmente saiu do papel. Os recursos para a contratação do projeto básico de engenharia, R$ 30 milhões, já foram liberados através do fundo setorial de Ciência e Tecnologia. A CNEN acaba de lançar o edital para a escolha da empresa que vai elaborar os projetos dos prédios, infraestrutura e sistemas não nucleares. Segundo o coordenador geral de planejamento do órgão, Francisco Rondinelli, a expectativa é de que até cinco empresas, do Rio e de São Paulo, se habilitem para apresentar as propostas.

Por etapas
No próximo ano, serão mais R$ 20 milhões da mesma fonte para a interface nuclear do projeto. Já os R$ 500 milhões para a execução da obra em si, garante Rondinelli, estão assegurados no âmbito do Plano Plurianual 2012/2015. A previsão é a de que o RMB seja concluído e comece a operar em 2016. ‘’Será um marco para o país que não dependerá mais da importação de radiofármacos’’, conclui.

Confiança paulista 
Antes mesmo de passar pela etapa do Miss Mundo Brasil 2011, que acontece dia 13 de agosto, a candidata de São Paulo, Ana Cecília Cunha, já contratou assessoria internacional. Ela está sendo orientada em questões de oratória, vestuário, desfile, postura, cabelo e maquiagem com o expert em concursos de miss, Alexander Gonzales. O venezuelano foi o responsável pelo treinamento da japonesa Riyo Mori, que venceu Natália Guimarães em 2007. Já faz 40 anos que uma miss brasileira não vence um concurso de beleza no exterior.

Serão diário 
Nomeado diretor artístico da OSB segunda-feira passada, cargo que está dividindo com Pablo Castellar, Fernando Bicudo vem, desde então, dormindo no máximo cinco horas por noite. A ponto da mãe de Bicudo, que mora com ele, ter comentado no café da manhã de sexta-feira que já havia dois dias em que ela não o via. Tudo porque o produtor cultural quer ouvir todas as partes envolvidas na crise que se lançou sobre a orquestra. “Até 10 de agosto, estréia do festival Beethoven, minha missão será a de encontrar uma solução conciliatória”, garante.

Popstar do bem 

A cantora teen Avril Lavigne, que faz turnê no fim deste mês pelo Brasil, está cheia de boas intenções. Sua última apresentação será em Brasília, onde pretende fechar parcerias para ajudar crianças carentes. Quer apresentar para ONGs e autoridades os detalhes da sua Foundation R.O.C.K.S — Respect, Opportunity, Choices, Knowledge and Strength —, que ajuda crianças e jovens com deficiência.

Negócios agendados 
Em São Paulo, a cantora poderá se encontrar com representantes de uma rede de varejo. Ela traz na bagagem peças de sua grife Abbey Dawn, com desenhos que misturam simpáticas caveirinhas, borboletas e referências do skate e grafite. Uma linha de suas t-shirts, a US$ 15 cada camiseta, tem o resultado das vendas integralmente revertido para a Avril Lavigne Foundation Rocks.

É o meu país 
Ivan Lins acaba de ganhar mais um prêmio internacional para a sua coleção. Considerado o Grammy da música holandesa, o Edison Jazz Edição 2011 foi concedido a Ivan pelo conjunto de sua obra. O júri é formado por profissionais da indústria da música e jornalistas especializados, como no Grammy e nos Brit Awards, similares americano e britânico. Ivan é o primeiro brasileiro agraciado com o prêmio criado em 1960 pela Fundação Edison, entrando para a galeria onde já figuram personalidades como Marlene Dietrich, Yo-Yo-Ma e Luciano Pavarotti.

Bola na cesta
Organizadores do evento Basquete Sem Fronteiras — promovido pela NBA em parceria com a Federação Internacional de Basquete e Confederação Brasileira de Basquete de sexta-feira até o dia 1º de agosto — pretendem reformar boa parte das quadras que estão desativadas no Rio. A proposta é popularizar o esporte no país do futebol. O ídolo Dominique Wilkins, ex-pivô do time Atlanta Hawks, aliás, está chegando à cidade com essa finalidade.

Livre Acesso

Amanhã, o convidado do programa Marcia Peltier Entrevista será o vice-governador e secretário de obras do Estado do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão. Começa às 23h, na rede CNT.

A estilista Alessa Migani abre seu atelier em Ipanema, amanhã, para uma tarde regada a flûtes com Ana Helena Barbará. A chef promete ensinar receitas deliciosas e práticas.

A Astech, empresa de segurança em shopping centers, terá um camarote na Sapucaí, no próximo carnaval, assinado pelo arquiteto Chico Vartulli.

Pelo quinto ano consecutivo, a Zada Criação & Design assina o planejamento visual do Festival Vale do Café, até 31 de julho na região do Vale do Paraíba. Uma das novidades deste ano será o palco montado em Paracambi para receber o balé do Teatro Municipal.

O reitor Paulo Alonso passará a integrar as comissões de avaliação do Sistema de Acreditação dos Cursos de Graduação de Direito do Mercosul.

Karina Sterenberg lança, hoje, a coleção de verão da Ka na loja do Fórum de Ipanema, com peças em couro e chamois.

O chef Patrick Bolle, do Alameda, oferece menu especial de foie gras, amanhã e quarta-feira. Um dos pratos é o brigadeiro de foie gras com macadâmia, salada de raízes e cogumelos ao óleo de Argan.

Com Marcia Bahia, Cristiane Rodrigues, Marcia Arbache e Gabriela Brito

LIGIA BAHIA - Uma doença para cada remédio


Uma doença para cada remédio
LIGIA BAHIA
O Globo - 25/07/2011

Antes se dizia existir um remédio para tudo e não havia mal que sempre durasse. Agora há inúmeras razões para o predomínio da impaciência. Além de problemas de saúde, quem procura atendimento tem que ficar esperto. A saúde concentra cerca de um quarto do total de investimentos em pesquisa. As inovações trazem alternativas de tratamento e a multiplicação de patologias e intervenções para corrigir comportamentos e insatisfações estéticas. O mundo tem mais gente, mais doenças que duram a vida toda e desejos de resolução de variadas disfunções, via assistência médica. Técnicas mais modernas e precisas tornam os diagnósticos mais precoces e suscitam mudanças permanentes nos limiares de normalidade. Antigos traços de personalidade como desatenção e sentimentos de tristeza, angústia e amargura alçados ao status de condições mórbidas propulsionam a pesquisa e comercialização de medicamentos. Nesse renovável ambiente, andar a esmo em meio à abundante oferta de novidades diagnósticas e terapêuticas pode causar avarias emocionais, físicas ou financeiras.

Do pouco que a medicina podia fazer em relação à doença e à morte prematura passou-se a dispor de medidas preventivas e remédios genuinamente efetivos, salvando vidas em uma escala significativa. Mas, com o passar do tempo, a dinâmica de inovação tecnológica foi acusada de provocar um aumento de gastos, nos sistemas de saúde dos países afluentes, superior aos ganhos de longevidade e qualidade de vida. Atualmente, o papel das novas tecnologias é controverso: há quem as considere como o problema da sustentabilidade dos sistemas de saúde, como solução ou as duas opções.

A polêmica sobre o bem ou mal-estar causado pelas inovações tecnológicas começa pela reconhecida, mas nem sempre explicitada, interação de médicos e hospitais com as indústrias de medicamentos e de equipamentos. Diversas práticas, como pagar "por fora" por materiais não reembolsáveis, prescrever medicamentos só comercializáveis em determinados locais, inquietam os pacientes e as entidades de classe. Mas a proximidade dos profissionais com produtores de materiais médico-cirúrgicos e insumos é bem mais extensa do que a vista da maioria dos leigos alcança. As pesquisas evidenciam a existência de fluxos contínuos que conectam ensino, pesquisa e exercício profissional com os processos de produção e difusão de tecnologia. Estima-se que as empresas farmacêuticas gastem US$20 bilhões por ano com publicidade direcionada para médicos.

Nos EUA, segundo trabalho divulgado em 2007 no "New England Journal of Medicine", 94% dos médicos relataram manter algum tipo de relação com a indústria farmacêutica. O recebimento de amostras de medicamentos e alimentos no local de trabalho foi declarado por 83% e 78%, e o pagamento de despesas para participação em eventos científicos ou consultoria, palestras e recrutamento de pacientes para ensaios clínicos, por 35% e 28%. Os médicos de São Paulo, entrevistados em 2010, não ficaram atrás dos colegas estadunidenses: 93% receberam brindes e benefícios das empresas farmacêuticas e de equipamentos, 77% disseram conhecer quem aceita produtos das indústrias com valor acima de R$500 e 22% sabiam quem indicou medicamentos, órteses/próteses desnecessários. A convergência das atitudes dos médicos do Sul e do Norte se estende para as opiniões favoráveis sobre a importância da indústria para a inovação tecnológica e a atualização científica.

Outra dimensão do debate sobre a inovação tecnológica remete à priorização de trajetórias de produção-consumo portadoras de elementos redutores de custos para permitir que continuidade e aceleração do progresso tecnológico no setor exerçam impactos positivos nos padrões de vida e saúde. Estimular a produção de medicamentos eficazes para os problemas mais frequentes, vacinas, equipamentos miniatuarizados e de menor preço, incentivar o uso de técnicas de tratamento e diagnóstico menos invasivas, reconhecer a importância das intervenções sobre as condições de vida e trabalho que afetam a saúde e gerar e difundir informações são estratégias que vinculam saúde com desenvolvimento econômico e social. Contudo, imprimir direcionalidade ao desenvolvimento científico requer a compreensão sobre sua lógica e relativa autonomia, bem como acerca das causas do atraso tecnológico.

O esforço próprio no investimento em ciência e tecnologia implica a adoção de uma política de Estado para a saúde. A fragmentação das ações governamentais, conjugada com o atendimento a interesses particulares lastreados em recursos públicos, reafirma o lugar do Brasil como consumidor de tecnologias importadas, selecionadas segundo critérios das taxas de retorno de eventuais investidores, e não pelas necessidades de saúde. A orientação "salve-se quem puder" deixa o Brasil ainda mais vulnerável ao consumo de tecnologias que não articulam gastos públicos com acesso universal. A ausência de balizamentos normativos confiáveis para reorientar as escolhas de médicos, pacientes e das indústrias abre espaço para a interferência de lobbies.

Se a inovação tecnológica habitar apenas as pastas dos representantes farmacêuticos e as estratégias e propagandas das empresas, a preferência pelas políticas de saúde privatizantes sustentadas com financiamento governamental parecerá, paradoxalmente, incontroversa. Iniciativas totalmente descoladas da legislação do sistema de saúde brasileiro, como a de um grupo de 50 empresários do Rio de Janeiro, certamente católicos, que pretendem estabelecer uma franquia de um hospital filantrópico, construído pela comunidade israelita paulista, granjeiam apoios políticos de todos os matizes partidários. Enquanto isso, na mesma cidade e semana, uma gestante em trabalho de parto não conseguiu acesso a uma simples ambulância, tecnologia prevista, contabilizada e alardeada nos programas dos governos federal, estadual e municipal.

LIGIA BAHIA é professsora da Universidade Federal do Rio de Janeiro.