domingo, maio 01, 2011

MALU GASPAR - O exemplo do vizinho



O exemplo do vizinho

MALU GASPAR
REVISTA VEJA



País que mais avançou no ensino na última década, o Chile é um caso emblemático de como uma política duradoura, a salvo de trocas de poder, é decisiva - uma lição para o Brasil
Trajando uniformes impecáveis, 350 alunos da escola pública Ciudad de Frankfort, em Santiago, capital do Chile, perfilam-se diante da diretora no fim do recreio para entoar o hino nacional. Seguem para a sala de aula com notável entusiasmo. Não faz muito tempo. ali se amontoavam carteiras quebradas, os telhados caíam aos pedaços e imperavam tanto a indisciplina quanto o baixo nível acadêmico. Até a violência das gangues que dominam as imediações se fazia sentir nos corredores, por onde uma professora chegou a circular sob escolta policial depois de ser ameaçada de morte por um aluno. Desde 2007 nas mãos da diretora Haydee Inostroza, uma matemática de 52 anos com mestrado e MBA em gestão escolar, o colégio passou por uma transformação radical - não sem traumas. O quadro de professores foi alvo de uma faxina por meio da qual 70% saíram. e a escola passou a ser regida por ambiciosas metas e prêmios atrelados ao desempenho da equipe. No Chile, dividem-se as instituições de ensino em ruins, emergentes e boas. Palco de avanços que espantam pela velocidade. a Ciudad de Frankfort foi recém-alçada ao patamar mediano. Diz a diretora, dando o tom de uma obsessão que se espraia pelo país: "Nosso objetivo é estar entre os melhores nos próximos dez anos".
Na última década, ninguém avançou tanto em sala de aula quanto os chilenos. Eles se destacam na comparação com estudantes de 65 nacionalidades. inclusive os brasileiros. segundo revela um recente levantamento conduzido pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Tamanho ímpeto distancia o Chile da rabeira do ranking e do Brasil (reja o quadro na página 132 ) - um conjunto de dados que suscita pergunta inevitável: temos o que depreender do exemplo que se avizinha? Ainda que persistam alguns obstáculos que tornam o desafio brasileiro mais complexo - a começar pelo fato de o Chile contar com menos de um décimo da população do Brasil e reunir menos escolas que todo o estado de São Paulo -. a resposta é afirmativa, tais são a simplicidade dos princípios em que se ampara o modelo chileno e as características que unem os dois países. "Ao contrário de China e Coreia do Sul que empreenderam mudanças radicais em ditaduras. Brasil e Chile são democracias e precisam de um grau mínimo de consenso para ir em frente", observa Ilona Becskeházy, da Fundação Lemann, uma estudiosa do caso chileno.
O mérito do Chile foi aplicar com disciplina e persistência iniciativas de eficácia já testadas. com sucesso, em países desenvolvidos. Elas só funcionaram porque permaneceram de pé ao longo de duas décadas ininterruptas a salvo de trocas de poder, ideologias e ingerências políticas que costumam provocar retrocessos na área. No início dos anos 1990. governantes de diversos matizes ideológicos selaram uma espécie de pacto nacional, alçando a educação ao topo da agenda política, numa época em que o país acabara de sepultar a ditadura do general Augusto Pinochet. Com o ensino decadente e as escolas à míngua, procurava-se recuperar a excelência de um sistema que já fora modelo para os vizinhos. Para se ter uma ideia, entre as décadas de 20 e 50, o prestígio do sistema de ensino ali era tal que os técnicos chilenos rodavam vários países da América Latina treinando quadros ligados à educação. Nesse tempo, celebrizaram-se os grandes mestres (ou "maestros"). como os proeminentes poetas Gabriela Mistral e Pablo Neruda, ambos ganhadores de prêmios Nobel de Literatura e educadores de conduta exemplar. Essa deferência aos estudos é algo que começa a se vislumbrar só agora no Brasil - um fato que ajuda a entender o atraso de cerca de uma década dos brasileiros em relação aos chilenos.
O motor das mudanças chilenas se alicerça em uma premissa tão básica quanto eficaz: a meritocracia. Tal ideia é levada no Chile às últimas consequências - a ponto de gente como Maria Dolores Ormazabal, 57 anos de vida e 28 no ofício de professora, ganhar 30% mais que seus pares por se destacar no trabalho. Depois de mais de uma década de negociações com os sindicatos, todos os docentes chilenos passaram a ser submetidos a avaliações periódicas, que podem até sentenciar a demissão dos menos eficientes. "Antes, a escola era pautada por relações pessoais; hoje, e a competência que determina o destino dos profissionais", resume Maria Dolores, que faz breve balanço da própria trajetória: "Tudo indicava que estes anos próximos à aposentadoria seriam de marasmo, mas se tornaram os melhores de minha carreira" Os diretores também passam por criteriosa peneira. Um pré-requisito para que sejam contratados é a apresentação de um plano de gestão para a escola que pleiteiam comandar, tal qual numa empresa. Os mandatos, de cinco anos, só são renovados mediante bom desempenho, o que os deixa em permanente estado de vigilância. "Durmo com planilhas e relatórios debaixo do meu travesseiro", sintetiza Celinda Galindo, diretora de uma escola em Maipú, na região metropolitana de Santiago.
Outro traço marcante da reforma chilena é o pragmatismo com que se faz uso do dinheiro público. O Chile elevou o quinhão destinado à educação - de 2,5% para 6,4% do PIB desde 1990, enquanto o Brasil estacionou em 5% -, mas só libera certas verbas em troca de resultados concretos, mensuráveis. Um deles é elementar: o comparecimento dos alunos à sala de aula. O segundo é que a escola siga em trajetória ascendente, segundo indicadores objetivos, ano após ano. Os recursos têm sido canalizados para o essencial. As escolas mantidas com orçamento oficial - algo na casa de 95% das escolas do país contam hoje com turno de oito horas. É uma das características que aproximam o Chile dos países mais ricos e bem-sucedidos na educação.
Num contexto de estabilidade econômica e política e com a perspectiva de ombrear-se, até 2020, com os indicadores socioeconômicos das nações mais ricas, o Chile tem na educação um ingrediente crucial em seu modelo de desenvolvimento. De duas décadas para cá, o contingente de universitários que se preparam para entrar no mercado subiu espantosamente: o número dobrou. Eles contribuem para que a exportação de serviços que demandam alta qualifi-
cação, concentrados na área de tecnologia da informação (TI), já produza cifras semelhantes às da tradicional indústria de vinhos. E nesse cenário que começa a surgir um gênero específico de investidor estrangeiro, à caça dos cérebros chilenos. "Entre os sete centros de pesquisa que o Yahoo! possui no mundo, um está aqui, graças à grande oferta de talentos" explica o diretor Mauricio Marín. Tal centro está instalado na Universidade do Chile, a número 1 do país, próximo ao laboratório de outros gigantes do mundo digital, como a americana Cisco. O bem-sucedido casamento selado ali entre meio acadêmico e mercado tem redundado em mais inovação - e patentes (veja o quadro na página 132).
Na 44ª colocação de uma lista de 65 países, o Chile tem. evidentemente, um longo caminho a percorrer em direção ao topo do ranking da excelência. O abrangente levantamento da OCDE, no entanto, dá várias indicações de que o rumo para chegar lá está acertado. Um claro sinal disso é que a diferença entre os alunos mais pobres e os mais ricos está se reduzindo no Chile - caracteristica comum a todos os países de elevado padrão acadêmico. Tais avanços se traduzem em uma colecão de boas histórias, como a que conta o estudante Ignacio Gonzalez. de 14 anos. As lembranças mais vivas que traz do período escolar são de quando ele e os colegas escalavam um muro no fundo do pátio, para escapar da aula. Hoje. o rapaz diz: "Pela primeira vez na vida.. ir à escola passou a ser um prazer".

ROBERTO POMPEU DE TOLEDO - Cara presidente,



Cara presidente,

ROBERTO POMPEU DE TOLEDO
REVISTA VEJA


Não foi a senhora que inventou essa história . de sediar a Copa do Mundo. Foi o Outro. Ele é que era, e continua sendo, louco por futebol. Ele é que criou na cabeça um Brasil tão grande e influente que terminaria com a crise do programa nuclear do Irã, arbitraria a paz entre árabes e israelenses, ganharia um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU e, para encerrar, como a última firula do artilheiro antes de fazer o gol, sediaria o Mundial de 2014. A senhora, ao contrário, e mil desculpas se for engano, aparenta se aborrecer mortalmente diante de um jogo de futebol. Tamb6m não é crível, simplesmente não cabe no seu perfil, que acredite no mesmo Brasil fantasioso do Outro. Se deu a entender que sim, isso ocorreu apenas no período eleitoral, em que, como no Carnaval, tudo é permitido. "Falo, falo, e não digo o essencial", escrevia Nelson Rodrigues. O essencial é o seguinte: por que não desistir?
Não seria a primeira vez. A Colômbia, escolhida para sediar a Copa de 1986, jogou a toalha três anos antes, e o torneio mudou para o México. O Brasil não vive a mesma crise econômica nem as ameaças do terrorismo esquerdista e dos cartdis da droga que atormentavam a Colômbia no período. Em contrapartida, temos colossais problemas de infraestrutura de transportes e, se ngo enfrentamos crise econômica, não nos sobra dinheiro para erguer estádios já nascidos com a marca de elefantes brancos, como, com todo o respeito, os de Natal, Manaus e Cuiabá.
Os aeroportos já são um caso perdido, segundo estudo do Ipea, um órgão aí da sua cozinha. Nove, entre os treze que servirão ao evento, de acordo com o estudo, não ficarão prontos a tempo. Na semana passada, num gesto que soa a desespero, pois contraria um dogma de seu partido, o governo abriu a possibilidade de privatização dos novos terminais. Mesmo que seja para valer, não serão dispensadas, é claro, as concorrências, os contratos, as licenças ambientais, sabe-se lá mais o quê.
Mas, suponhamos que de certo, e o prognóstico do Ipea não se confirme. Muito bem, o distinto público consegue desembarcar nos aeroportos. Suponhamos que num dos aeroportos paulistas. Novo desafio: como chegar à cidade? Não há trens, e as estradas vivem congestionadas. Como este 6 um exercício de boa vontade, suponhamos mais uma vez que consigam. Problema seguinte: como chegar ao estádio do Corinthians, no bairro de Itaquera, o escolhido da Fifa? A linha de metro que o serve está saturada, e o tráfego nas avenidas com o mesmo destino é de fazer chorar. Mas suponhamos, mais uma vez, que de certo. Enfim, chegamos. Mas... aonde? A um terreno baldio. O estádio do Corinthians não 6 mais que uma hipótese. Nem quem vai pagá-lo se sabe.
"Falo, falo, e não digo o essencial." O essencial desta missiva, senhora presidente, 6 sugerir-lhe uma estratégia. Se lhe parece humilhante desistir assim, na lata, a sugestão é a seguinte: brigue com a Fifa.
Enfrente-a. Como o mundo inteiro sabe, a Fifa não é flor que se cheire. É uma entidade tão milionária, e tão abusada no uso de seus poderes, quanto são milionários e abusados seus dirigentes. Pega bem enfrentá-los. Brigue para que reduzam suas incontáveis exigências. Que aceitem a reforma de estádios existentes em vez de pedirem tantos novos. Que assumam parte das despesas. A Fifa está com a corda no pescoço tanto quanto a senhora. Na melhor das hipóteses, eles romperão com o Brasil e partirão para uma alternativa de emergência. A culpa não será da senhora, mas da arrogante inflexibilidade que demonstraram. Na pior, que já nos é favorável, reduzirão as exigencias e arcarão com parte dos custos. A senhora já tem assunto demais com que se preocupar. Precisa livrar-se desta, com perdão pela expressão, herança maldita.
Em paralelo, e com cuidado, a senhora trataria de reduzir o absurdo número de doze cidades-sede para os jogos.
A questão exige mais cuidado porque mexe com interesses locais e porque aqui não foi a Fifa, foi ele, o Outro, que assim quis. Com a mente intoxicada de Brasil Grande e o olho nos dividendos eleitorais, ele quis agradar ao maior número de gente possível. Agiu, na manipulação do futebol, como faziam os governos militares. Na África do Sul as sedes foram nove; nos EUA, outro país continental, também nove. Abater o número de sedes diminui despesas e poupa o público do excesso de deslocamentos. Senhora presidente, ainda lhe sobra espaço político para agir. Tal qual estão postas as coisas, as alternativas são colapso absoluto, fiasco total ou fiasco parcial.
" Por que não desistir da Copa do Mundo? Não seria a primeira vez. A Colômbia, escolhida para sediar a Copa de 1986, jogou a toalha três anos antes, e o torneio mudou para o México "

MAÍLSON DA NÓBREGA - O trem-bala do Rio Kwai



O trem-bala do Rio Kwai

MAÍLSON DA NÓBREGA
REVISTA VEJA

A construção de um trem-bala para ligar o Rio a São Paulo e Campinas é desaconselhada por quem entende do assunto. Questionam-se a viabilidade econômica, a modelagem financeira, a estimativa de custos e a prioridade conferida à obra. Mesmo assim, o Congresso aprovou o financiamento de 20 bilhões de reais do BNDES, a criação de uma estatal para gerenciar o trem-bala e o subsídio de 5 bilhões, para o caso de não se confirmar a previsão de passageiros. O trem-bala lembra os grandes projetos do regime militar, como a Ferrovia do Aço, que nunca se viabilizou, e a Transamazônica, que mais de quarenta anos depois ainda não justificou sua construção.

A obsessão de tocar o projeto guarda analogia com o filme A Ponte do Rio Kwai (1957). Um batalhão britânico, prisioneiro dos japoneses na II Guerra, é informado de que trabalharia na construção da ponte. Contra a opinião de seus oficiais, o coronel britânico Nicholson (Alec Guinness) aceita liderar a obra. Dizia que era para manter o moral da tropa. Constatando que o local e os materiais com seu próprio projeto. Nicholson se apaixonou pelo projeto e o executou. Obsessivo e soberbo, orgulhava-se do trabalho, esquecendo que beneficiava o inimigo. Por isso, os aliados planejaram dinamitar a ponte quando o primeiro trem passasse. Momentos antes da inauguração, ele percebeu o detonador. Ao ouvirem o trem se aproximar, ele e o coronel japonês correram para salvar a ponte. O japonês foi abatido pelos aliados. Nicholson, mortalmente ferido, caiu sobre o detonador, que foi acionado. Destruída a ponte, o trem e suas tropas mergulharam no rio.

Voltemos ao trem-bala. A estimativa de custo, de 34,6 bilhões de reais, poderá passar de 50 bilhões. Além do habitual acréscimo em obras públicas, ainda não há projeto executivo de engenharia, o que aumenta as incertezas quanto ao valor final.

O professor Paulo Fleury, respeitado especialista em infraestrutura e logística, aponta uma característica inédita da obra: seu trajeto irá do nível do mar (Rio) a 700 metros (São Paulo) em 400 quilômetros, atravessando a Serra do Mar. A complexa engenharia exigirá muitos túneis e pontes. Aumentarão custos e riscos de atraso.

Uma crítica abrangente foi feita por Marcos Mendes, consultor do Senado e profundo conhecedor de finanças públicas. Ele lembra que o trem bala é para passageiros. Não poderá ser usado para cargas, a não ser pequenas encomendas. Dada a precária situação da nossa infraestrutura, a obra tem escassa justificativa.

"Parece haver muitos outros investimentos de retorno econômico e social mais elevado, que deveriam ser considerados prioritariamente', diz ele. Por exemplo, com 9,6 bilhões de reais seria possível solucionar o problema de abastecimento de água nas 256 cidades que concentram quase a metade da população do país. Mendes desmonta todos os argumentos em favor do projeto. O próprio estudo de viabilidade encomendado pelo governo indica que 60% do tráfego de passageiros será no eixo São Paulo Campinas-São José dos Campos. O trecho Rio-São Paulo ficará com apenas 18% das viagens.

Seria melhor, portanto, ligar inicialmente as três cidades paulistas com um trem rápido, mas de velocidade inferior e menor custo. A fios da engenharia e os custos) ficaria para uma segunda etapa. Esses e outros aspectos do estado estão no endereço www.brasil-economia-governo.org.br.

Os seguidos adiamentos do leilão para a concessão do trem-bala sinalizam a incompletude do projeto e prováveis dúvidas dos investidores.

Diante de suas enormes incertezas, não será surpresa se ninguém se dispuser a assumir os inequívocos riscos do empreendimento.

Seríamos salvos não por um recuo, mas pela impossibilidade de encontrar quem se disponha a enfrentar o desconhecido que se esconde nas brumas do projeto. O risco é que isso induza o governo a ampliar a oferta de dinheiro público para a obra e as garantias do Tesouro, buscando atrair interessados. O trem-bala pode justificar-se no futuro, depois de atendidas outras prioridades de investimento em infraestrutura, como a do transporte de massas. Agora, parece um mero e caro capricho.

"O trem-bala pode justificar-se no futuro, depois atendidas outras prioridades de investimento em infraestrutura, como a do transporte de massas. Agora, parece um mero e caro capricho "

JOÃO UBALDO RIBEIRO - Somos todos comida


Somos todos comida
JOÃO UBALDO RIBEIRO

O ESTADO DE SÃO PAULO - 01/05/11

Depois da notícia de que, ao fim de prolongado debate jurídico, foi negado por um tribunal o habeas-corpus impetrado em favor de um chimpanzé enjaulado em solidão no Zoológico de Niterói, vieram ao conhecimento público outras providências judiciais em nome de animais, pelo Brasil afora.

Isso está ficando interessante. Antigamente, era fácil dizer que os animais não tinham direito nenhum, pois não são sujeitos de direito, não são pessoas, não podem acionar o poder judiciário, da mesma forma que não têm deveres, nem podem ser interpelados pela justiça. Direitos e deveres são província exclusiva do ser humano e, embora isso não soe bem, um cachorro, por exemplo, não tem o direito de não ser maltratado. O homem é que tem o direito de estabelecer em lei que maltratar um animal é criminoso e de protestar e intervir, quando a lei for descumprida.

Mas vivemos tempos mais complexos e em transformação quase frenética. As crenças antes estabelecidas e praticamente unânimes hoje mudam o tempo todo, somos intimidados pelas descobertas da física quântica, as certezas se tornam indagações e a eventual sensação de que ninguém sabe nada é inevitável. Já há quem sustente que pelo menos os chamados animais superiores, como o mencionado cachorro, têm consciência e emoções. Os donos de cachorros frequentemente acham que estes pensam, raciocinam e comunicam seus pensamentos, só faltando mesmo falar. Logo, têm direitos e talvez a única coisa que lhes negue a condição de sujeito de direito seja a circunstância de que a linguagem do cachorro ainda não tem tradutores oficializados. Mas talvez passe a ter no futuro e alguém venha a dizer que o Rex está se sentindo prejudicado pelo seu dono e quer constituir advogado, para o que aplicará a impressão de sua pata em uma procuração.

De certa forma, isso já começa a acontecer, como demonstra o caso do habeas-corpus do chimpanzé. Seus advogados inferiram que, sem companhia e encarcerado, o chimpanzé é infeliz e consegue comunicar que, sim, gostaria de ser transferido para uma moradia condigna. Considerando a maravilhosa diversidade do ser humano, acho que, a partir desse precedente, viremos a testemunhar ações movidas não somente por cachorros, gatos, peixes de aquário e outros animais domésticos, mas também, antecipo eu, por bois de corte ou por frangos para abate. Não descarto até mesmo a possibilidade de medidas contra o que certamente se chamará "zoofobia", em cuja ilícita prática serão enquadrados, por exemplo, os que usarem as palavras "galinha", "vaca" ou "cadela" com intenção pejorativa.

A situação deverá evoluir, em futuro talvez não muito distante, para o estabelecimento dos níveis de consciência das espécies e a consequente maior ou menor abrangência de seus direitos. Não é descabido imaginar a promulgação de uma Declaração Universal dos Direitos dos Cães, ou do Estatuto do Gato e assim por diante, cada um deles definindo os critérios aplicáveis a cada espécie. É complicado, porque, por exemplo, o direito de latir, certamente parte indissolúvel da liberdade de expressão canina, pode conflitar com o direito ao silêncio de um vizinho humano, o que requererá imaginação e engenho da parte de legisladores e magistrados.

Questões éticas e morais, filosóficas mesmo, terão que ser encaradas, por mais incômodas que sejam. O morcego, em muitos casos inofensivo, amante das frutas e polinizador de pomares, pode ser discriminado apenas por ter, na opinião da maior parte das pessoas, uma aparência assustadora ou repulsiva? Nos desenhos animados e historietas infantis, serão adotadas quotas para a inclusão de animais normalmente marginalizados, a exemplo de lacraias, lesmas e piolhos? Aliás, é um direito do piolho infestar cabeleiras improdutivas e sugar uma cesta básica de sangue? Estará sujeito à acusação de omissão de socorro aquele que negar a uma futura mamãe mosquito da dengue o direito a uma picadinha que a ajudará a perpetuar sua espécie?

De propósito, deixei para o fim o direito mais básico, o direito à vida. Sem ele, evidentemente, os outros perdem o sentido. Pensando nele, argumentam os que se negam a consumir qualquer produto de origem animal.

Nossa comida deveria ser apenas a que se consegue obter sem destruir nenhuma vida, nem mesmo, talvez, a das plantas. Nós somos os reis da Criação e não podemos agir como predadores.

Nós somos, isso sim, os reis da presunção. Imaginamos que a nossa moral é a moral da natureza, como se a natureza tivesse moral. Na natureza, continua um alegre come-come por tudo quanto é canto, um comendo o outro afanadamente, às vezes até de forma surpreendente, como no caso de um pelicano londrino que vi na Internet. Esse pelicano, em seu andar balançado na grama de um parque, viu e fingiu nem notar um pombo a seu lado. Mas, num movimento rapidíssimo, engoliu o pombo, que ficou se agitando dentro daquele papo enorme, sem chance de escapar. Se as pessoas presentes à cena fossem do tamanho de pombos, o pelicano sem dúvida as comeria também, porque é assim a natureza. Nós achamos que somos os grandes comedores, só porque, do nosso ponto de vista, ocupamos o topo da cadeia alimentar.

Ocupamos nada. Cada um de nós, mesmo os que não portam parasitas, é hospedeiro de uma infinidade de "ecossistemas", para não falar nos muitos animais que, por exemplo, vivem do sangue de mamíferos, inclusive nosso.

Nós somos os favoritos de nós mesmos, não da natureza. Nossos corpos, biodegradáveis como são, para outras espécies não passam de simples comida e, homens, bichos ou plantas, a Terra acabará digerindo todos nós.

DANUZA LEÃO - O casamento, ainda


O casamento, ainda

DANUZA LEÃO 

FOLHA DE SÃO PAULO - 01/05/11

Que os Windsor se comportem normalmente e não lavem sua roupa suja em público ou confessem traições na TV


SE HOUVESSE UM programa de TV tipo perguntas e respostas para falar sobre qualquer detalhe do casamento de William e Kate, eu me candidataria. Tem sido um tal bombardeio de notícias que me considero uma expert no assunto.
As TVs mostraram todos os casamentos, desde o da mãe da atual rainha como também aqueles de que já havíamos esquecido. Alguém lembrava do da princesa Margaret com o fotógrafo Armstrong Jones? Do da princesa Ann com o capitão Philips? Esses, e todos os outros, acabaram em divórcio, menos o do irmão mais moço do príncipe Charles, Edward, que ninguém nem lembrava que existia.
Na última semana devo ter visto o casamento de Diana umas 250 vezes, e me pergunto se, na época, alguém achou bonito seu vestido. Era horrendo, e a noiva, gorduchinha, nem sombra da mulher radiosa que viria a se tornar. Mas de tudo o que eu vi, o que mais me espantou foi a entrevista de um namorado de Diana, Charles Ewitt, que merece o título de o cafajeste do século.
Com o maior cinismo, ele contou como o romance havia começado, detalhes da relação amorosa dos dois e até a mãe dele deu o ar de sua graça -ele tinha a quem sair. Os dois falaram de Diana como não se fala de nenhuma mulher; nenhuma, muito menos de uma princesa real.
Ok, Diana era estilosa e tonta, e ainda casada, confessou, também pela TV, não só que tinha tido um caso como que, na época, era apaixonada por ele; em suas próprias palavras, "I adored him". Nós, pobres mortais de um país descoberto há apenas 511 anos, temos como norma não escrita, mas obedecida pela maioria, que desses assuntos não se fala publicamente; homens, sobre seus romances, menos ainda, muito menos quando a mulher é casada. Foi demais.
Esse Ewitt era um gentleman que frequentava a nobreza, cobrou uma grana para dar a tal entrevista e, não contente, tentou (não sei se conseguiu) vender as cartas que havia recebido de Diana por milhões de libras.
No festival sobre os Windsor, que rendeu a semana toda, teve também a cena gravada -igualzinha às de nossos políticos recebendo dinheiro- de Sarah Ferguson, aquela ruiva que foi casada com o príncipe Edward, fechando um negócio de 500 mil libras para levar um grupo escuso a conhecer seu ex, o que facilitaria uma tenebrosa transação, quanta baixaria.
Kate é simpática; não é bonita -é bonitinha- e vamos ver em que tipo de mulher vai se transformar quando desabrochar. E é sincera: não esconde, em nenhum momento, o quanto está apaixonada, o quanto está feliz.
Além da torcida normal, para que sejam muito felizes, vamos torcer também para que a casa real se livre dessa nuvem negra em que viveu anos -chamada, pela rainha, de "annus horribillis"; que os Windsor passem a se comportar como pessoas normais, que não lavam sua roupa suja em público, nem confessam suas traições pela TV.
Para isso deve ajudar, e muito, o sangue de Kate, que não é azul, mas vermelho, como o de uma pessoa de carne e osso; como o de uma pessoa normal.

PARA AS MULHERES NÃO "ABRIR" AS PERNAS

GAUDÊNCIO TORQUATO - O bullying na política



O bullying na política
GAUDÊNCIO TORQUATO

O Estado de S.Paulo - 01/05/11

O estilo é a marca principal do político, a estética de sua ação. O senador Roberto Requião que o diga. Faz do estilo montaria de batalha. São muitos os episódios em que o ex-governador do Paraná aparece dando vazão a um repertório de manifestações, gestos e atitudes que dão realce a um ator cujo desempenho poderia surpreender o renomado mestre da arte teatral Constantin Stanislavski. Pois Requião "vive" intensamente o papel, não fica na mera interpretação. Daí parecer autêntico, sem meias palavras, despachado, um cabra da peste. Como um dândi no meio da plantação, chama a atenção pelo prazer de espantar as mais distintas plateias. O senador cultiva o hábito de guerrear com palavras e acaba borrando a imagem com tintas da polêmica. O recente episódio em que tomou o gravador de um repórter que lhe perguntara sobre a aposentadoria vitalícia ocorreu para se defender de uma imprensa "absolutamente provocadora e irresponsável", a quem acusa de praticar bullying. O conceito, como se recorda, ganhou ênfase no meio da discussão provocada pelo assassinato de 12 crianças numa escola de Realengo, no Rio de Janeiro. Trouxe à tona a história do assassino Wellington Menezes, que, em carta, lembrou os atos de violência psicológica a que foi submetido quando estudante naquele estabelecimento.

O tema está na ordem do dia dos educadores, pela gravidade que tem assumido nos espaços escolares. Puxá-lo, agora, para a arena política e, mais ainda, pela expressão de um senador da República é um ato que carece fundamentação. A intenção de Requião ao acusar a imprensa de praticar bullying seria mero artifício para justificar a "perda de paciência", caracterizada pelo gesto de arrancar o gravador das mãos do repórter (e depois devolvê-lo sem a gravação), ou ele está mesmo convencido de que jornalistas e programas, como os citados CQC e Pânico, invadem a esfera pessoal de entrevistados com "doses de provocação", praticando, por conseguinte, violência psicológica? A expressão senatorial não se sustenta. Confunde escopos. Programas humorísticos não são eixos centrais da imprensa. Suas funções essenciais são as de informar, interpretar e opinar. Entreter é uma função secundária. Quando um jornalista perquire um mandatário sobre patrimônio, proventos, benesses, prêmios, viagens, ações, gestos e atitudes, ele o faz porque tal acervo é de interesse daqueles que ele representa. O homem público precisa prestar contas de todos os atos que, de forma direta ou indireta, têm relação com os bens e valores da República.

Pelo que se sabe, a entrevista com o senador versaria sobre sua aposentadoria vitalícia, garantida por uma liminar que, posteriormente, foi revogada pelo Tribunal de Justiça do Paraná. O tema, portanto, era pertinente, eis que a aposentadoria vitalícia, prevista pela própria Constituição federal, deverá ser objeto de apreciação pelo Supremo Tribunal Federal. Sob esse prisma, não se justifica o rompante agressivo do ex-governador. Não se tratava, pois, de abordagem humorística, e sim de pauta jornalística. Um alto representante congressual não pode deixar de discorrer sobre assunto de significação social e muito menos "perder a paciência" com repórteres provocativos. Provocar, aliás, é um verbo conjugado pela missão investigativa da mídia. Vejamos, agora, a questão sob o ângulo do entretenimento, pois tanto o senador Requião quanto outros políticos e celebridades carimbam certos programas de humor como "excrescência, apelativos e constrangedores". O entretenimento, como se sabe, faz parte do menu da comunicação de massa. Levado ao território dos olimpianos - artistas, cantores, políticos, famosos em geral -, incorpora condimentos azeitados com aspectos da vida pessoal. Não raro os entrevistados passam por uma bateria de perguntas embaraçadoras, sarcásticas e, convenhamos, insultuosas em certos casos.

Neste ponto, convém lembrar que o universo das celebridades - incluindo os políticos - cultiva certo gosto pelo dandismo, e este estilo afetado cai bem no perfil de atores do teatro midiático. Não são poucos os que apostam no preceito de que serão mais festejados e glorificados ao "se fazerem notar a qualquer preço". Tal noção lhes impõe uma estética exuberante (indumentária chocante) e uma semântica estrondeante (estrupícios linguísticos). Celebra-se, assim, um casamento de conveniências, o que dá "liberdade" a determinados programas de TV às tais "provocações" - com derrapadas pelo terreno da infâmia - e consequentes conflitos entre as partes. Não raro ocorre interpenetração dos espaços dos verbos "zoar, gozar, tirar sarro, brincar, ironizar" e dos corredores dos verbos "discriminar, humilhar, ofender, agredir, perseguir, ameaçar".

O bullying político, a que se refere o senador, estaria no segundo território. Para se caracterizar como tal, porém, a violência psicológica sobre o político deveria conter o elemento repetição, ou seja, a vítima deveria ser submetida a frequente assédio pelos algozes. Nossas vítimas políticas seriam sempre as mesmas? E mais, no bullying os indivíduos intimidados ou agredidos pelo valentão (bully) não são capazes de se defender. Valentia por valentia, como se pode ver, Requião é mais campeão. Se alguém não desejar responder às "provocações" de um repórter, o silêncio é também uma forma de expressão.

Quem se sente atingido na honra pode apelar aos tribunais. São inúmeros os casos de pessoas que recorrem à Justiça para se defenderem de calúnia, injúria e difamação. Já o bullying nas escolas de nosso país deve ser matéria prioritária de educadores, governantes e políticos. A humilhação infligida a milhares de crianças ensombrece nosso amanhã pela ameaça de termos parcela de uma geração atrofiada pela violência física e psicológica.

Por último, seria conveniente que os tocadores da banda midiática que assedia celebridades e políticos usassem a régua do bom senso.

JANIO DE FREITAS - Delúbio, um exemplo


 Delúbio, um exemplo

JANIO DE FREITAS

FOLHA DE SÃO PAULO - 01/05/11

A readmissão do petista repõe em sua realidade o nível de exigência ética e legal dos partidos brasileiro
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A VOLTA DE Delúbio Soares aos quadros do PT ilustra a atualidade da política brasileira como uma síntese quase perfeita, mas nem tanto pela participação no impropriamente chamado mensalão.
Os 60 votos dados no Diretório Nacional por sua readmissão, quatro vezes os 15 contrários, tornam inquestionável o desejo petista de ter Delúbio de volta ao ninho. Justifica-se, digamos. Tosco como pessoa e fosco como agente político, Delúbio era a figura ideal para ficar como bode expiatório. E ficou, para o PT alegar uma providência ética.
As formas e graus diferentes de presença no esquema não invalidavam a participação dos demais, fossem ou não petistas, na corrupção política. Exceto Delúbio, os petistas envolvidos foram mantidos no PT. O Congresso tem muitos dos envolvidos. Nem o governo os considerou inaceitáveis para nomeação a cargos públicos. Delúbio foi reposto em igualdade, no seu nível partidário, com os companheiros de mensalão.
Em sentido mais amplo, porém, a readmissão repõe em sua realidade o nível de exigência ética e legal dos partidos brasileiros, na abertura das portas. Delúbio Soares foi, da parte do PT, a figura central no mensalão. Os arranjos políticos não lhe couberam, mas o movimento financeiro da compra e venda foi operado por ele, com Marcos Valério e sua agência, e o Banco Rural por trás (como já aparecera no caso Collor/ PC Farias). Nada disso, no entanto, conflita com a composição dos quadros de militância e de representação eleitoral. O fim da exceção Delúbio recompôs a fisionomia da realidade.
Mas, se Lula e outros dirigentes do PT estavam alheios ao mensalão, Delúbio abusou da condição de tesoureiro do partido em medida inapagável, pelo transtorno aí imposto, em definitivo, à imagem moral do petismo. A readmissão serve também, portanto, como reforço aos convictos do comprometimento dos principais dirigentes, como consta das conclusões da Procuradoria-Geral da República encaminhadas ao julgamento do Supremo Tribunal Federal.
Delúbio não se encerra em seu episódio de notoriedade. Há mais, e grave. Mesmo para quem não dê importância ao papel de Delúbio no mensalão ou considere, como a cúpula petista, que o mensalão foi só montagem combinada de opositores e dos meios de comunicação para derrubar Lula. Delúbio Soares foi condenado pelo Tribunal de Justiça de Goiás (seu Estado) a devolver aos cofres públicos R$ 164 mil, acusado de desviá-los com documentos falsos que o davam como professor ativo no ensino público.
Já não se trata do militante em desvio de conduta política, do tipo que "todos os partidos fazem", no dizer mal contestado de Lula. A condenação é por delinquência pessoal. E, justamente para evitar sua extensão a qualquer forma de política, acompanhou-se da suspensão dos direitos políticos por oito anos.
O recurso judicial e a demora no julgamento do mensalão alimentam a atual expectativa de Delúbio e do PT: a troca da condição de militante partidário pela de político eleito, nas eleições do próximo ano. De todos os pontos de vista da política brasileira na atualidade, Delúbio Soares tem tudo para ser bem-sucedido em sua pretensão.

TODOS NA PRISÃO

ANCELMO GÓIS - Festa na banca


Festa na banca
ANCELMO GÓIS
O GLOBO - 01/05/11

Apontado pela “Forbes”, na semana que passou, como um dos 15 grupos empresariais mais poderosos do mundo, o espanhol Banco Santander vai bem no Brasil e mal na Espanha. O banco lucrou, na terra de Dilma, ano passado, R$ 7,3 bilhões. Ou 25% do total de seu lucro mundial. Já a fatia da matriz espanhola na farra caiu de 26% para 15%. 

Saudades de Dulci

Um observador próximo do PT diz que Luiz Dulci, que redigia os discursos de Lula, faz falta no Palácio do Planalto: — A fala de 1ode Maio de Dilma tinha erro de concordância e celebrava o fato de o Brasil ser uma das maiores democracias. Democracia não se mede em tamanho, mas em qualidade. Faz sentido.

Serra na rede
José Serra, que ainda atualiza seu Twitter, com 676 mil seguidores, lança um site em breve. 

Ilha grande
Terça, os cariocas poderão conhecer o maior navio cargueiro do mundo, com capacidade para 400 mil toneladas. Aporta na cidade o primeiro de uma frota de navios Chinamax, construídos na China e comprados pela Vale.

Gois em Buckingham

Em suas memórias, “Wait for me”, a duquesa de Devonshire, 90 anos, conta que esteve no Brasil. No Galeão, ao ler o nome comprido da britânica no passaporte (Deborah Mitford Cavendish, duquesa de Devonshire), o agente não teve dúvida: 
— Veio só? C dê as outras?

Tim no cinema Composição
Vem aí “Histórias de Arcanjo — um documentário sobre Tim Lopes”, dirigido por Guilherme Azevedo, com roteiro de Bruno Quintella, filho do saudoso jornalista. Arcanjo era, na verdade, o nome de batismo de Tim.

FH quebra o tabu
Estreia dia 3 de junho o filme “Quebrando o tabu”, esperado documentário sobre o fracasso mundial da política de combate às drogas, dirigido por Fernando Andrade. O “galã” do filme é FH. É o ex-presidente quem costura um mosaico sobre o tema, ouvindo gente como Bill Clinton, Jimmy Carter, Drauzio Varella, Gael Garcia Bernal e outros. 

Deus não tem culpa 
Em outubro, para lembrar os dez anos da morte de Roberto Campos, o editor José Mário Pereira lançará um livro com as melhores frases e pensamentos do velho economista, político e diplomata brasileiro. 

Aliás...

É de Campos a frase: — Os que crêem que a culpa de nossos males está em nossas estrelas e não em nós mesmos ficam perdidos quando as nuvens encobrem o céu.

Composição
A Biblioteca Nacional emprestou ao Museu Reina Sofia, de Madri, esta bela xilogravura sobre papel de Lygia Pape (1927-2004). A obra, de 1955, chama-se “Composição” e embarca dia 16 para a Espanha, onde será exposta numa coletânea da grande artista plástica brasileira. 

Pedalada na orla 
Chega hoje ao Rio o chefe de segurança de Paul McCartney, Antonie Christiana. Vem checar, entre outras coisas, o roteiro do passeio de bicicleta que o ex-beatle pretende dar pela orla carioca. Paul vai desembarcar no Rio dia 21, véspera do primeiro show, e ficará hospedado no Copacabana Palace por uns quatro dias. 

Samba-jazz
A Lapa, capital da boemia no Rio, continua sendo. Vai ganhar uma casa de samba-jazz e um museu do samba no no- 11 da Rua Morais e Vale. Os empreendimentos são do mesmo grupo do Beco do Rato, o boteco da Rua Joaquim Silva. 

Calma, gente
Quinta, no Fluminense 3 x 1 Libertad, pela Libertadores, um soldado do Gepe, da PM do Rio, impediu um torcedor de entrar no Engenhão com uma bandeira que juntava as cores do clube à foice e ao martelo comunistas.

MARCELO GLEISER - A escorregadia ‘partícula de Deus’


A escorregadia "partícula de Deus"

MARCELO GLEISER 

FOLHA DE SÃO PAULO - 01/05/11


Volta e meia os boatos que falam de uma descoberta do bóson de Higgs correm o mundo, mas tudo indica que ele ainda nos escapa 


OS FÍSICOS de partículas estão mais uma vez em alvoroço. Duas semanas após ter escrito aqui sobre a possibilidade de uma nova força da natureza ter sido encontrada no Fermilab, rumores de que a famosa partícula chamada Higgs foi achada no LHC (Grande Colisor de Hádrons, gigantesco acelerador de partículas localizado nos arredores de Genebra,na Suíça) vêm circulando pela mídia.
Um relatório interno escrito anonimamente por alguém da equipe do detector Atlas, do LHC, menciona um sinal estranho nos dados, relativo a uma massa 115 vezes maior que a de um próton. 
A atenção dada ao relatório é exagerada. Um porta-voz do Cern, o laboratório onde fica o LHC, disse a uma agência de notícias que "provavelmente não é nada". 
Primeiro, queria contar a história por trás do desafortunado nome "partícula de Deus". Como alguns leitores devem saber, "A Partícula de Deus"é onome de um livro de divulgação científica escrito pelo físico vencedor do Nobel Leon Lederman, que foi diretor do laboratório americano Fermilab durante anos e meu chefe quando eu fazia meu pós-doutorado por lá. 
De acordo com Leon, ele queria chamar o livro de "Partícula Maldita"(do inglês "Goddamn Particle"), pois ninguém conseguia achá-la. Mas seu editor sugeriu que "Partícula de Deus" venderia muito mais. Por razões óbvias,o nome vingou. 
É claro que a partícula não tem nada de divino.Obóson de Higgs, como é propriamente chamado, é uma partícula hipotética cuja função é dar massa às outras partículas do Modelo Padrão, que reúne tudo o que sabemos sobre a matéria. 
Talvez essa função dê ao Higgs certa influência.Mas não lhe confere divindade. Peter Higgs é o físico escocês que, nos anos 1960, desenvolveu várias ideias ligadas ao mecanismo em que uma partícula confere massa a todas as outras. 
O bóson de Higgs é a peça que falta No Modelo Padrão. Daí o enorme interesse em achá-lo. Se você procurar no Google por "Higgs found" (Higgs encontrado), verá que volta E meia esses boatos ocorrem. Mas, antes que você acuse os físicos de partículas de serem pouco sérios, é importante entender como funciona essa comunidade.
A World Wide Web (o célèbre "www" da internet) foi inventada no Cern exatamente para facilitar a comunicação rápida entre os físicos. 
Experimentos em aceleradores de partículas envolvem milhares de cientistas e engenheiros. Portanto, quando um sinal (esperado ou surpreendente) surge, o entusiasmo cresce rápido: é inevitável evitar que a informação, mesmo prematura, acabe vazando.
Seria um alívio encontrar finalmente o Higgs. Desde que comecei minha carreira, venho editando sua massa nas equações que descrevem a infância do universo. Graças aos esforços dos cientistas do Fermilab e do Cern (que incluem muitos brasileiros), temos uma boa ideia de qual deve será sua massa do Higgs. 
Basta encontrá-lo. Ou não. O Modelo Padrão pode estar nos contando apenas parte da história ou, quem sabe, o Higgs pode não existir. Afinal, a natureza pouco liga para as nossas ideias, mesmo quando as achamos belas demais para estarem erradas. Os dados é que vão decidir isso.

SUELY CALDAS - Aeroportos - uma política maiúscula


Aeroportos - uma política maiúscula
SUELY CALDAS
O ESTADO DE SÃO PAULO - 01/05/11


Dois anacrônicos dogmas ideológicos do Partido dos Trabalhadores (PT) foram derrotados nos últimos dias: a presidente Dilma Rousseff decidiu privatizar aeroportos e o Banco Central restabeleceu a taxa Selic como principal instrumento de controle da inflação.


No caso dos aeroportos, a realidade nocauteou o preconceito: o Estado não tem dinheiro nem a Infraero tem competência para tocar as obras. Essa estatal passou oito anos do governo Lula desperdiçando dinheiro público com desvios e roubalheira, e o pouco que sobrou para os aeroportos foi usado em maquiagens grosseiras que não ampliaram a capacidade de operação nem melhoraram a qualidade dos serviços.


Já a direção do Banco Central, com a nova postura de aliada do ministro da Fazenda, Guido Mantega, incorreu em erro estratégico de gestão macroeconômica, ao jogar para escanteio a política de juros e priorizar as "medidas macroprudenciais" de restrição ao crédito, esperando efeito sobre a queda do consumo. Nem arranhou. A demanda continua forte, porque o comércio ampliou o número de prestações para fazer caber seus valores no orçamento das famílias.


Obrigado a recuar e reconhecer que a clássica arma de manejar juros funciona com mais eficácia para conter a inflação, o Banco Central promete agora um longo período de aumentos da taxa Selic.


Esses deslocamentos confusos da política monetária transmitem dubiedade, insegurança, indecisão e são prato cheio para o mercado financeiro especular, prejudicando o percurso da inflação. Situação própria de um governo que quer fazer omelete sem quebrar ovos, reduzir a demanda sem abalar a geração de empregos.


Como reagirá agora o quixotesco Guido Mantega? Vai brigar com o Banco Central, como fazia na época de Henrique Meirelles? Ou aplaudir a elevação da Selic nas próximas reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom)? A ver.


Aeroportos. É uma tarefa fácil e rápida constatar a incompetência da Infraero. Nos oito anos de governo Lula, ela se especializou em fraudar com dinheiro público e degradar a qualidade dos serviços em aeroportos. A CPI do Apagão Aéreo apurou práticas de superfaturamento com desvios de R$ 254 milhões em obras no aeroporto de Guarulhos (SP); R$ 52 milhões em Macapá (AP); R$ 41 milhões no terminal Santos-Dumont (RJ); mais R$ 28,4 milhões em Salvador (BA); e R$ 12 milhões em Congonhas (SP). O Tribunal de Contas da União (TCU) constatou irregularidades em contratos que somaram R$ 3 bilhões. Foram oito anos de gestão do PT na Infraero, muito dinheiro desperdiçado e nenhum diretor punido ou responsabilizado judicialmente.


A Infraero não serve mais e a presidente Dilma Rousseff sabe disso. Em reuniões internas, ela tem criticado duramente as últimas gestões desastradas da empresa e repetido não temer greves de funcionários contra a privatização. Depois de oito anos em que a empresa foi comandada por políticos, Dilma escolheu agora um técnico para dirigir a Infraero. Funcionário de carreira e ex-diretor de Liquidação do Banco Central, Gustavo Vale entrou prometendo abrir o capital, demitir 1,2 mil de um total de 11 mil funcionários e fazer dela uma estatal eficiente. Conseguirá? Há quem não acredite. Os governadores do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, e de Minas Gerais, Antonio Anastasia, por exemplo, querem a Infraero bem longe da gestão dos aeroportos em seus Estados.


Ainda é desconhecido o que fará a Infraero nos cinco aeroportos que serão privatizados (Guarulhos e Viracopos, em São Paulo; Confins, em Minas; Galeão, no Rio; e o de Brasília). O ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, diz que a ideia é o consórcio privado que realizar as obras dividir com ela a administração de grandes terminais.


Dificilmente empresas com experiência em dirigir aeroportos na Alemanha, Espanha e França e candidatas às licitações terão interesse em partilhar a gestão com uma estatal com o histórico da Infraero. Apenas imaginar a confusão criada pelo duplo comando e métodos de ação tão diferentes faria empresas de grande porte e experiência no negócio desistirem antes da licitação. Muito menos elas aceitarão ter seu capital investido remunerado com aluguéis de lojas nos terminais.


O maior atrativo para quem está nesse negócio não é explorar lojas, mas as receitas pagas por empresas aéreas pela permanência de aeronaves em solo e cobradas dos passageiros nas taxas de embarque.


Por enquanto, falar sobre o modelo de gestão dos terminais que se tornarem privados é especular. O BNDES trabalha na definição de regras para os editais de licitação e a presidente Dilma dará a palavra final. Ao governo interessa tocar as obras com dinheiro privado, pressa, eficiência e qualidade de resultados.


E, para atrair empresas privadas capacitadas a atender a tais requisitos, o governo terá de aprender com experiências de outros países e avançar para um modelo vantajoso para as empresas, para o governo e para os usuários de aeroportos.


O presidente da Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata, na sigla em inglês), o italiano Giovanni Bisignani, defende a privatização por meio de concessões, mas com um órgão regulador forte e independente para evitar a prática de monopólios e que onere muito o usuário.


Uma alternativa seria conceder a gestão aos consórcios privados em troca de indenização financeira ao Estado, em sistema de outorga, e o cumprimento de certas exigências, como metas de investimentos futuros na melhoria dos serviços, enquanto durar o prazo de concessão. Como ocorreu e ocorre no setor de telecomunicações.


À Infraero caberia fiscalizar a operação das empresas privadas e reforçar a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) na concepção de regras de regulação, atuando como um braço da Anac em cada aeroporto. Aqueles funcionários operacionais indispensáveis para fazer funcionar os terminais poderiam, por exigência do edital, ser transferidos para as empresas que vencerem as licitações.


O governo precisa pensar não em remendos para a Copa de 2014, mas numa política maiúscula, com regras duradouras que façam do investimento uma constante, não um episódio de urgência. O apagão aéreo é uma ameaça que cresce continuamente. Nos últimos três anos o número de passageiros que circulam em aeroportos brasileiros cresceu nada menos do que 60%, e em 2011 serão 180 milhões/ano. Quantos serão no pico da Copa?

GOSTOSA

HÉLIO SCHWARTSMAN - O sexo frágil


O sexo frágil
HÉLIO SCHWARTSMAN
FOLHA DE SÃO PAULO - 01/05/11 

SÃO PAULO - O Censo 2010 mostra que existem 96 homens para cada 100 mulheres no Brasil. Em 2000, eram 96,9. O excesso de mulheres fica mais significativo quando se considera que, na espécie humana, nascem 105 meninos para cada 100 meninas.
A conclusão é que eles morrem mais do que elas. Por que isso acontece é um mistério. O fenômeno é intuitivo em algumas faixas etárias: são os rapazes, afinal, que gostam de exibir-se para elas acelerando seus carros, envolvendo-se em gangues e metendo-se com drogas.
Só que o excedente de óbitos masculinos começa antes mesmo do nascimento e se estende por toda a vida. Entre bebês prematuros, os do sexo feminino têm 1,7 vezes mais chance de sobreviver.
Fetos do sexo masculino parecem ser mais sensíveis até a poluição. Demógrafos descobriram que, a jusante de polos industriais, nascem menos meninos que meninas.
Um estudo seminal sobre resiliência que acompanhou por 20 anos 700 crianças pobres no Havaí revelou que mais da metade dos garotos morreu ainda na infância, contra menos de 1/5 das moças.
Por que a diferença? Não sabemos. Mas, como diz a psicóloga Susan Pinker em "The Sexual Paradox", podemos especular. Uma possibilidade é que mulheres, por terem duas cópias do cromossomo X, ficam mais protegidas contra algumas moléstias genéticas.
Os hormônios masculinos também têm um papel. De um lado, eles favorecem a agressividade e o apetite pelo risco, com as conhecidas consequências. De outro, a testosterona parece afetar o sistema imune. A prevalência masculina é maior para uma série de doenças, de câncer a infecções hospitalares.
Sejam quais forem os mecanismos, há uma razão evolutiva para a fragilidade masculina. Em nosso passado darwiniano, a morte precoce da mãe frequentemente implicava a morte da prole. Já a do pai, não. Elas é que foram selecionadas para ser o verdadeiro sexo forte.