terça-feira, março 22, 2011

ANCELMO GÓIS

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RUBENS BARBOSA

Vulnerabilidades do comércio exterior
RUBENS BARBOSA
O Estado de S.Paulo - 22/03/11

O Brasil foi o país que mais aumentou as importações no mundo em 2010. Os produtos importados já representam quase 25% do consumo interno, substituindo produtos nacionais. As importações cresceram a taxas mais elevadas do que as exportações e o saldo na balança comercial foi bastante ajudado pelos preços recordes dos produtos agrícolas e minérios.

A crescente perda de competitividade dos produtos brasileiros - tanto pela apreciação do câmbio quanto pelo crescente custo Brasil, resultado, em especial, da alta da taxa de juros, dos encargos sociais e tributários e dos gargalos na infraestrutura - afetou a exportação dos produtos manufaturados e acelerou a reprimarização da pauta de exportação e a desindustrialização do setor de transformação.

O novo governo anunciou medidas de apoio às exportações e de restrições às importações para compensar os fatores negativos que afetam a exportação brasileira, além de providências para tornar mais efetivos os mecanismos de defesa comercial. As recentes decisões de austeridade fiscal para tentar conter o crescimento da inflação, contudo, determinaram o adiamento dessas medidas compensatórias.

Além do impacto negativo do câmbio e do custo Brasil, nos últimos anos, a China, a principal parceira comercial do Brasil, passou a ser um fator de preocupação do governo, do setor industrial e dos sindicatos. As exportações chinesas, concentradas em produtos industrializados, subiram a US$ 25,6 bilhões em 2010 (14,1% do total importado pelo Brasil) e as exportações para a China chegaram a US$ 30,8 bilhões (15,2% do valor total). O déficit na balança comercial industrial, de US$ 23,5 bilhões (projetado para US$ 35 bilhões em 2011), está sendo agravado por práticas desleais de comércio, que nem sempre encontram respostas adequadas do governo brasileiro. Segundo país mais investigado por subsídios, com mais de 40 procedimentos abertos na Organização Mundial do Comércio (OMC), a China é recordista em queixas por medidas antidumping (820).

As medidas de defesa comercial (antidumping) aplicadas até aqui pelo Brasil não conflitam com a visão do governo de que os entraves nas relações comerciais entre os dois países ainda são pequenos diante das oportunidades que o mercado chinês representa para as empresas brasileiras, sobretudo quando o Congresso do Partido Comunista acaba de aprovar iniciativas voltadas para o aumento dos salários e a expansão do consumo doméstico.

Essa percepção, contudo, não deve impedir que - a exemplo da China, que tem uma política definida e sabe o que quer de sua relação com o Brasil - o governo brasileiro estabeleça novos contornos para a relação bilateral. O importante será a definição de uma política que deixe de lado a visão ingênua de uma parceria estratégica e procure buscar um equilíbrio entre as oportunidades comerciais e de investimentos e os custos, representados pela desindustrialização do parque produtivo e pelo aumento do desemprego.

A visita da presidente Dilma a Pequim, a primeira fora da América Latina, oferece essa oportunidade. Cabe ao governo definir a nossa, junto com o setor privado e os trabalhadores, e discutir com os parceiros chineses o que queremos da relação econômica e comercial.

A ampliação das relações bilaterais com o aumento do investimento recíproco, a diversificação das exportações brasileiras e a formação de joint ventures (e não apenas a aceitação da crescente presença de empresas estatais chinesas no Brasil) para a exploração de terras, de minas e de petróleo deveriam ser enfatizadas.

Na busca estrita do interesse nacional, contudo, além de tirar da nossa pauta o reconhecimento da China como economia de mercado, equívoco cujo preço político estamos pagando até hoje, o governo brasileiro deveria subir o tom, aplicar salvaguardas transitórias e levar à OMC a discussão sobre a política cambial chinesa.

As salvaguardas transitórias, previstas no acordo de adesão da China à OMC, são medidas de defesa comercial que podem ser utilizadas quando as importações de produtos de origem chinesa estejam aumentando em quantidade ou condições tais que causem ou ameacem causar desorganização de mercado de produtos similares aos produtores domésticos. Essa regra multilateral, em vigência até 11 de dezembro de 2013, foi internalizada, por decreto, em 2005 e, inexplicavelmente, nunca foi aplicada pela Câmara de Comércio Exterior/Serviço de Comércio Exterior (Camex/Secex) contra produtos que se enquadram nessa categoria.

Por outro lado, a política cambial chinesa, ao manter o yuan atrelado ao dólar, tem merecido críticas públicas do Brasil no âmbito do G-20, já que se trata do nosso problema mais sério em relação à China (o diferencial do câmbio se eleva a 40%, pela desvalorização em relação ao dólar, em torno de 25%, e pela valorização do real, de 15% em relação ao dólar). Embora seja de difícil a aprovação na OMC, pela oposição de alguns países, como os EUA, que seguem a mesma política de depreciação competitiva, o governo brasileiro deveria levar o assunto, respaldado pelo artigo XV do Gatt, que em seu parágrafo 4.º estabelece que "as partes contratantes não deverão, por meio de ação sobre o câmbio, frustrar o propósito dos dispositivos do Gatt nem, por ação de comércio, o propósito dos dispositivos dos artigos do Acordo do FMI".

A não aplicação pelo governo brasileiro dessas duas medidas pode ser explicada pelo fato de o comércio exterior ser o primo pobre da política econômica e não ter influência e peso próprios.

A ausência de uma política de comércio exterior bem definida tem acarretado graves prejuízos à indústria brasileira. Para corrigir essa distorção se torna urgente o fortalecimento da Camex e a elevação do seu nível decisório, vinculando-a diretamente à presidente da República, a exemplo do United States Trade Representative (USTR) nos EUA.

PRESIDENTE DO CONSELHO DE COMÉRCIO EXTERIOR DA FIESP

XICO GRAZIANO

Água virtual
XICO GRAZIANO
O Estado de S.Paulo - 22/03/11

Proteger os recursos hídricos do planeta está virando uma grande batalha ambiental. Ainda bem. Rios poluídos, nascentes secando, consumo perdulário indicam crise na chamada agenda azul. Água é vida.

Cresce a consciência da sociedade sobre a importância da água. Na Europa, especialmente na Espanha e em Portugal, o assunto tornou-se quase uma obsessão. Territórios desertificados, fruto da secular, e insensata, exploração humana da natureza, exigem extrema atenção das políticas públicas. É difícil, e oneroso, recuperar florestas, protetoras da água.

As mudanças de clima trazem novo, e desastroso, componente na oferta hídrica para a humanidade. Muitas nações, com a Índia, dependem das geleiras das montanhas para garantir seu pleno fornecimento hídrico. E elas estão derretendo a olhos vistos. Que o diga o Himalaia.

No Brasil, a gestão dos recursos hídricos se fortalece, mas caminha lentamente. Avançam a proteção dos mananciais e a recuperação da biodiversidade, nas matas ciliares especialmente, mas o passo está curto diante da urgência do problema.

Poucos Estados, São Paulo à frente, fazem realmente funcionar seus comitês de bacia hidrográfica. A Agência Nacional de Águas (ANA), criada no governo de Fernando Henrique Cardoso, perdeu serventia após ser politizada nos esquemas petistas. Uma lástima.

A dramaticidade do tema favoreceu o surgimento de um novo conceito: o da "água virtual". Ele expressa uma contabilidade básica, qual seja, a de determinar a quantidade de água exigida no processo de fabricação de um produto. Isso avalia um custo ambiental.

Uma caneta ou um avião nada apresentam, visivelmente, de úmido. Entretanto, qualquer mercadoria para ser fabricada demanda certo consumo de água, em alguma fase da cadeia produtiva. Na indústria, as caldeiras movem-se pelo vapor, as quais acionam máquinas, derretem metais, moldam plásticos. Móveis inexistiriam sem a seiva das árvores, alimentadas pelas raízes no solo molhado. Por aí segue o raciocínio.

Calculando a quantidade de água necessária, ou melhor, consumida na elaboração dos bens, pode-se comparar a eficiência dos processos produtivos. Vale na indústria como na agricultura, visando à economia do recurso natural. Mais ainda: no comércio internacional, transfere-se água embutida nas mercadorias, elemento que poderia entrar no preço das exportações e importações. A rica teoria encanta ecologistas mundo afora.

Breve pesquisa na internet vai mostrar que o Brasil é o 10.º exportador mundial de "água virtual", num comércio que movimenta cerca de 1,2 trilhão de litros do precioso líquido, disfarçado nas mercadorias, sendo 67% desse volume relacionados com a venda de produtos agrícolas. Essa é a grandeza planetária da equação.

Números específicos chamam a atenção. Eles indicam que um quilo de carne bovina necessita de 15.500 litros de água para chegar à mesa; um quilo de arroz vale 3 mil litros; uma xícara de café se iguala a 140 litros de água. Surpreende a precisão. Segundo a organização The Nature Conservancy (TNC), uma importante entidade ambientalista, não necessários 10.777 litros de água para fazer uma porção de chocolate, enquanto um carro exige 147.971 litros para ser construído. Conclusão: evite sobremesas e ande de bicicleta para ajudar o equilíbrio da Terra.

Atraente, mas discutível. O cálculo desse fetiche ecológico esconde um perigo, disfarçado por pressupostos, estimativas e arbitragens que o distanciam da matemática, uma ciência exata. Na linguagem popular, chuta-se muito. O grande problema reside na estimativa da quantidade de água embutida nos alimentos. Invariavelmente uma brutal deformação pune a agricultura. Veja o porquê.

Vamos pegar o caso da carne. A conta acima da "água virtual", além do consumo na limpeza das instalações em máquinas, na ração do cocho, na silagem, etc., considera também a quantidade de água que o bicho bebe para ajudar a digestão e viver tranquilo. Acontece que um boi ingere pelo menos 30 litros/dia de água. Ao final de três anos, quando será abatido, terá engolido 32.850 litros apenas para matar a sede.

Preste atenção: incluir tal consumo na conta da "água virtual" somente estaria correto se o boi, ou sua senhora vaca, não fizessem xixi! Acontece que a urina dos animais, do homem inclusive, participa do ciclo da água na natureza, matéria elementar lecionada na quarta série do ensino fundamental. Na escola as crianças aprendem que a água assume formas variadas - gasosa, sólida e líquida - no sistema ecológico do planeta. Assim, recicla-se naturalmente.

Paradoxalmente, o ciclo da água, um dos conceitos fundamentais da ecologia, acabou esquecido pelos proponentes da "água virtual". Um absurdo científico. Dizer que um cafezinho exige 140 litros de água para ser produzido considera o volume de água absorvido pelas raízes da planta, esquecendo simplesmente a evapotranspiração que ocorre em suas folhas, sem a qual inexistiria a fotossíntese. Vale para qualquer alimento.

Em 22 de março se comemora o Dia Mundial da Água. Data para profunda reflexão. A crise ambiental do planeta afeta dramaticamente os recursos hídricos, afetando milhões de pessoas. Essa bandeira ambiental não pode ser desmoralizada por equívocos banais.

É totalmente distinto gastar água nos processos fabris, ou no resfriamento de reatores atômicos, de utilizá-la nos processos biológicos vitais. Igualá-los significa cometer erro crasso, estimulando um festival de bobagens que, no fundo, serve apenas para agredir o mundo rural. E livrar a barra dos setores urbano-industriais.

Na Páscoa coma chocolate sem culpa ambiental. Cuidado, isso sim, com a balança.

AGRÔNOMO, FOI SECRETÁRIO DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SÃO PAULO.

VLADIMIR SAFATLE

Armas para o povo
VLADIMIR SAFATLE

FOLHA DE SÃO PAULO - 22/03/11

Foi correta a decisão brasileira de se abster da votação que acabou por legalizar uma modalidade ainda indefinida de intervenção militar na Líbia. Não se trata do resultado de algum juízo de valor a respeito do regime de Gaddafi, mas de uma questão relativa à real eficácia da intervenção.
Primeiro, vale dizer que dificilmente encontraremos hoje um ditador tão patético quanto Gaddafi. O mesmo Gaddafi capaz de afirmar que os insurgentes eram jovens que haviam tomado "Nescafé com alucinógenos".
Aqueles que têm para com ele alguma complacência, normalmente em nome da luta anti-imperialista, dão prova de acreditarem no primarismo de que o inimigo do meu inimigo é meu amigo.
Na verdade, Gaddafi é a figura mais bem-acabada de um imperador que deteria um poder soberano em situação de exceção e que se demonstrou capaz de pagar mercenários para esmagar manifestações de seu povo. Poderíamos até sugerir um slogan: Gaddafi, um imperador na luta contra o imperialismo.
Porém a proposta francesa de zona de exclusão aérea tem tudo para produzir consequências ruins. Não se trata do argumento da primazia da soberania nacional, embora seja verdade que a submissão da soberania nacional aos crimes contra os direitos humanos só valha, atualmente, para países escolhidos a dedo.
O primeiro problema com a proposta aprovada na ONU é permitir a Gaddafi remobilizar parte da população líbia em nome da luta contra "antigas potências coloniais".
Em uma região marcada por forte nacionalismo e desconfiança em relação às "boas ações" de países como França, Reino Unido e EUA, não é difícil imaginar que um argumento dessa natureza possa acirrar as divisões internas na Líbia. Segundo, ela perpetua a velha parcialidade que minou o discurso democrático do Ocidente no Oriente Médio.
Se o interesse é, realmente, uma intervenção humanitária em defesa dos manifestantes líbios, é difícil entender por que a proposta não valeria ainda para a defesa dos manifestantes do Bahrein, já que esses também são objetos da truculência de um monarca absoluto que tem, agora, apoio das tropas sauditas.
A única explicação plausível é o monarca do Bahrein ser um "ditador amigo". Já Gaddafi é louco demais para ser amigo de alguém.
Por fim, a proposta parece querer colonizar um movimento que, até agora, foi interno aos povos da região e que deu frutos a partir de suas próprias ações. Por isso, se os países ocidentais quisessem realmente auxiliar os rebeldes líbios, eles mandariam armas para a população civil, dando as condições para que a própria população civil lutasse contra as armas que países como a Itália venderam para Gaddafi há bem pouco tempo.

ARNALDO JABOR

Celacanto provoca maremoto
ARNALDO JABOR

O ESTADO DE SÃO PAULO - 22/03/11 

Há 35 anos, surgiu um estranho grafite nos muros do Rio: "Celacanto provoca maremoto". Como um peixe pré-histórico provocaria uma tsunami? O grafite virou um enigma, só decifrado anos depois: foi um jornalista, Carlos Alberto Teixeira, jovem na época, que inventou a frase célebre, tirada de um desenho animado (ironicamente) japonês: "National Kid". A frase não queria dizer nada e justamente por isso ficou famosa. Nós sempre queremos significados e explicações. Por isso estamos em pânico: que significado extrair de um acontecimento como o terremoto/maremoto do Japão? Nenhum. Não há nada complexo no fato; poderíamos buscar explicações históricas sociológicas, técnicas, em busca de responsabilidades e erros, até mesmo apontar o desejo dos japoneses de virarem um "super-ocidente", depois de Hiroshima.

O terremoto do Japão nos choca justamente porque não tem profundidade alguma. É tudo raso. Não houve erro. Não foi ninguém, a não ser a marcha tranquila da matéria se ajustando na crosta, ignorando-nos: os micróbios que a habitam. O 11 de Setembro já tinha subvertido nosso orgulho de engenharia triunfal e superioridade econômica. Osama bin Laden esmagou a potência fálica do capitalismo, como um "Godzilla" invisível. Ele criou quase um cataclismo "natural"; o 11 de Setembro, com sua violência crua, indiferente à identidade de suas vítimas, mimetizou a brutalidade cega de uma tsunami de Alá.

Por outro lado, o desastre japonês inverteu qualquer lógica na paisagem humana; todas as coisas ficaram "fora do lugar" e vimos que não há lugar certo para as coisas ficarem, não há paisagem racional: o navio em cima da casa, os edifícios afundando no mar, um manto negro de detritos flutuando calmamente sobre as cidades como se inunda um formigueiro ou se mata uma barata. Não foi Deus. Seria até bom que ele existisse, como no terremoto de Lisboa em 1755, quando mais de cem mil morreram dentro das igrejas cheias de fiéis. Era dia de Todos os Santos. Voltaire, em seu texto sobre o desastre de Lisboa, denunciou a brutalidade do "Criador vingativo". Mas a fé resistiu, porque ao menos eles sentiam na carne os "desígnios" divinos, que matam seus devotos, em vez do Nada. Ao menos havia um Ser querendo nos punir ou salvar, havia alguém preocupado conosco. Havia ainda alguma transcendência no horror. Hoje não há mais nada; a impressão é que "o sentido do acontecimento é o acontecimento não ter qualquer sentido".

Estamos famintos de transcendência, mas ela está rara - por isso a religião, drogas, autoenganos, magia. A banalização da morte precede grandes tragédias; mas o problema é que as tragédias é que estão ficando banais, tanto as naturais como as humanas. Qual a profundidade de homens-bomba se despedaçando por causa de um ser que não existe? Quem é o good guy e o bad guy numa guerra onde o inimigo quer morrer? Precisamos de agentes do mal, porque o mal moderno está autossuficiente, tem vida própria.

"O escândalo hoje em dia é que um mal imenso possa ser causado com uma completa ausência de malignidade, que uma responsabilidade monstruosa possa andar a par com uma total ausência de más intenções. O caráter inverosímil da situação é de cortar o fôlego. No mesmo instante em que o mundo se torna apocalíptico, e isto por culpa nossa, oferece a imagem de um lugar habitado por assassinos sem maldade e por vítimas sem ódio. Em nenhuma parte há traços de maldade, não há senão escombros. A ausência de ódio e ausência de escrúpulos serão uma coisa só. (...) Na atividade do mundo chamada "tecnologia" é que a história está acontecendo; a tecnologia virou o "sujeito" da história, na qual somos apenas "co-históricos." (Hannah Arendt e Gunter Anders, apud Jean Pierre Dupuy).

A própria confiança que o Ocidente tem na sua soberba tecnociência está em crise. Desconfiamos agora de sua infalibilidade com vexames sucessivos: óleo derramado, reatores invencíveis, aquecimento climático, destruição do ambiente, terrorismo com armas de destruição em massa.

Talvez a fome com que as nações ocidentais se lançaram, subitamente humanitários, para destruir o Kadafi e proteger a Líbia, mostre como precisávamos exibir nossa potência técnica e bélica, tão humilhada por catástrofes naturais e humanas. Estávamos precisando mesmo de um filho da p..., nítido, legítimo como Kadafi, espantosa caricatura do Mal - uma velha maluca de bigode e camisola.

O problema é que a tecnociência não nos brinda com transcendência alguma; ela é reta, finalista sem saber para onde, ela não tem alma ou sonhos éticos. Sempre que pensamos no futuro, pensamos no pior. O século XXI, cheio de promessas, até agora só nos decepcionou. Precisamos de uma ética política global - qual? Hoje, já há uma máquina de guerra se programando sozinha e nos preparando para um confronto inevitável no Oriente Médio. Já se ouvem os trovões de uma tempestade. Os mecanismos de controle pela "razão", sensatez, pelas "soft powers" da diplomacia perdem a eficácia. A época está ficando morta para palavras, na vala comum dos detritos humanistas. E a ciência não resolve o problema. No entanto, quando Hiroshima e Nagasaki foram derretidas como sorvete, a bomba americana foi considerada uma "vitória da ciência". O espetáculo luminoso de Hiroshima marcou o início da guerra do século XXI. Auschwitz e Treblinka ainda eram "fornos" da Revolução Industrial, mas Hiroshima inventou a guerra tecnológica, asséptica. A bomba A agiu como um detergente, um mata-baratas. As bombas americanas foram lançadas em nome da "Razão".

Nietzsche (quem sou eu para citá-lo?) sacou que temos de viver sem transcendência ou esperança, numa arte de viver além do bem e do mal. O mal atual não tem culpados.

Daí a oportuna lembrança do velho grafite carioca: o celacanto produziu o maremoto? Seria ótimo. Ao menos, teríamos um culpado... 

MÔNICA BERGAMO

PÂNICO EM GUARULHOS
MÔNICA BERGAMO

FOLHA DE SÃO PAULO - 22/03/11 

Um casal foi vítima de um assalto a mão armada e de um sequestro-relâmpago em pleno estacionamento do aeroporto de Guarulhos, no sábado. Luís Fábio Silveira, professor da USP, diz que foram "momentos de pânico" em que pensou que iria morrer. Eram 23h e a namorada dele acabara de chegar. Os dois se dirigiram ao carro, que estava na vaga A-05, num local de movimento e iluminado. Ao entrarem no veículo, um homem de terno entrou pela porta de trás e encostou um revólver no professor. Ordenou que se retirassem do local.

NA ESTRADA 

Depois de pegar celulares e dinheiro, o criminoso ordenou que eles estacionassem embaixo de um viaduto perto da rodovia Ayrton Senna. Pediu que descessem do carro. E foi embora. Os dois agitaram os braços na estrada até que um reboque parou para socorrê-los.

EM ALTA 
Com 4 milhões de ingressos vendidos, os filmes brasileiros foram decisivos para a recuperação do mercado do cinema em fevereiro no Brasil, que registrou alta de 3,5% de público. Os longas "De Pernas para o Ar", com Ingrid Guimarães, e "Bruna Surfistinha", com Deborah Secco, puxaram a dianteira.

LANTERNA 
Já o filme "Lope", produção hispano-brasileira do cineasta Andrucha Waddington (que será o diretor dos vídeos do blog de R$ 1,3 milhão de Maria Bethânia), patina. No segundo fim de semana em cartaz (nos dias 11, 12 e 13 de março), levou 5.000 pessoas aos cinemas, segundo o site Filme B. "Bruna Surfistinha" atraiu 233 mil.

OSCAR ESPANHOL 
Com orçamento de cerca de R$ 27 milhões, "Lope" foi agraciado no Goya, o Oscar espanhol, com os prêmios de figurino e canção original.

WWW.SIMONAL 
Um site para Wilson Simonal (1938-2000): discos, filmes, vídeos e fotos do cantor ficarão armazenados em uma página que poderá contar com a colaboração dos internautas em textos e fotos. O projeto, chamado "Todo Simonal", é da produtora S de Samba, que tem entre os sócios Wilson Simoninha e Max de Castro, filhos do cantor, e de Ricardo Alexandre, autor do livro "Nem Vem que Não Tem". O Ministério da Cultura aprovou a captação de recursos via Lei Rouanet no valor de R$ 343.188.

FIM DA LINHA 
A Vivo tem até sexta para pagar mais de R$ 30 mil para o navegador Vilfredo Schürmann, o pai da família que deu a volta ao mundo num veleiro. Ele foi incluído no Serasa, em 2005, como devedor de R$ 8.047,15, referentes a duas linhas que nunca contratou. Conseguiu limpar o nome, e a empresa foi condenada a indenizá-lo por danos morais. A Vivo não comenta demandas jurídicas.

ELENCO UNIDO 
As atrizes Vanessa Giácomo, Flávia Alessandra e Cissa Guimarães circularam pela festa de lançamento da novela "Morde & Assopra", da Globo, no espaço Jardim Leopoldina. Elas fazem parte do elenco da trama das sete, que começou a ser exibida nesta semana pela emissora.

RITMO LATINO 
A atriz Fernanda Paes Leme assistiu ao show da cantora Shakira no estádio do Morumbi. As modelos Fernanda Motta e Schynaider Garnero se encontraram no camarote Antarctica Sub Zero. Marcel Telles, um dos acionistas da AB InBev, estava com a namorada, Fabrizia Gouvea.

BOLA VERMELHA 
Um dado chamou a atenção dos responsáveis pelo novo site do São Paulo, lançado na semana passada. Nos primeiros três dias, a página recebeu cerca de 1.500 acessos do Japão, apesar da catástrofe que atingiu o país. O número é semelhante ao de algumas capitais brasileiras, como São Luís e Belém. A página teve 350 mil acessos nas primeiras 24 horas.

AQUARELA 
Romero Britto pintou e doou dez quadros para a Rede Cegonha, de assistência a grávidas, que o governo lançará na próxima segunda-feira em Belo Horizonte. Ele é de uma família de oito filhos que nasceram com parteiras.

APARIÇÕES 
Fábio Assunção alugou uma sala em cima do restaurante Tappo, na rua da Consolação, para trabalhar. Toda vez que o ator vai à varanda fumar um cigarro, clientes e funcionários correm para a porta do restaurante para espiá-lo pelo reflexo dos vidros de uma academia que fica do outro lado da rua.

XINGU, 50 
O fotógrafo Valdir Zwetsch abre amanhã a exposição "Nu Xingu", na Galeria de Arte da Unicamp. São 30 fotos inéditas, em branco e preto, feitas no Parque Indígena do Xingu entre 1972 e 1974. A exposição comemora os 50 anos de criação do parque, decretada em 1961 pelo então presidente Jânio Quadros. As fotos foram escolhidas de um acervo com aproximadamente 700 negativos. Zwetsch quer transformar o material em livro.

CURTO-CIRCUITO
O evento gastronômico Millesime acontece de hoje a quinta no Terraço Daslu.
O Na Mata Café completa 11 anos e será reinaugurado hoje, com festa a partir das 21h. Classificação: 18 anos.
A exposição "Roberto Burle Marx 100 anos: A Permanência do Instável", exibida pelo MAM-SP em 2009, faz itinerância na Cité de l"Architecture & du Patrimoine, em Paris, a partir de hoje.
A revista "Bamboo", de Clarissa Schneider, será lançada hoje, às 19h30, no Museu da Casa Brasileira, em versões impressa e eletrônica. 

JANIO DE FREITAS

Muito simples
JANIO DE FREITAS

FOLHA DE SÃO PAULO - 22/03/11

UM MOMENTINHO. Para ler o bilhete, curto, muito claro. OK, desculpe.
Tudo na vida podia ser simples assim. Uma consulta vinda de Paris, da reunião que decidia o destino daquele país árabe, lá na África. Tomou só o momentinho que não chegou a interromper a conversa de Obama e Dilma. Hillary não sabia que os dois conversavam naquele momento. E, cá entre nós, se soubesse, não faria diferença, a conversa deles era o de menos. Sem uma palavrinha pessoal de Obama, a frota não poderia lançar foguetes no tal país, e Sarkozy e Cameron já estavam com seus aviões franceses e ingleses prontos para o ataque.
A conversa com Dilma não seria longa, mesmo. Para não passar de referências superficiais nos temas incômodos. Só pegar o fone da ligação aberta com Paris, tudo OK aí?, Não entramos nos voos, OK?, mandamos só foguetes, então OK, vamos começar. Bye.
Tudo na vida podia ser simples assim. Depois de Dilma, meia hora de conversa com assessores, todos ligados no mesmo telefonema, em um sala reservada do palácio. Ah, sim, o comunicado do próprio presidente a seu país. O mandato da ONU. A teimosia de Gaddafi. A democracia. Essas coisas.
E logo o encontro social no Itamaraty. Piadas forçadas, gargalhadas fáceis, risos e sorrisos, carn avol, um momentinho, outro bilhete curto, o bombardeio começou.
É uma e tal da tarde. O bombardeio é "para proteger o povo líbio". Os aviões de França e Inglaterra atacam a tropa de Gaddafi que se aproxima de Benghazi, no extremo leste. Os foguetes dirigem-se a Trípoli, a capital, no extremo oeste. Onde não há rebeldes. Há quartéis, por certo. E população civil.
Nenhum problema: o comando americano informa que não há mortos civis causados pelos 101 foguetes lançados sobre a cidade. É simples: os militares, e mais que todos os americanos, têm sempre esse cuidado.
Os duros ataques a Obama por viajar durante a crise Líbia, feitos pelos jornais e TVs americanos, aprenderam que o seu presidente, mesmo no exterior, é uma pessoa simples. Para tudo. E a parcela do povo que ouviu seu comunicado há de ter-se tranquilizado com este trecho: "Quero que o povo americano saiba que o uso da força não é nossa primeira escolha, nem uma decisão que tomei sem pesá-la". Direto e simples.
Tudo na vida podia ser simples como começar uma guerra.

NÃO FAZ MAL

Partículas radiativas, provenientes do Japão, estão constatadas na costa americana do Pacífico. Cientistas traquilizam: "A radiatividade dessas partículas não causa dano à saúde".
Tradução leiga: a ciência não sabe qual é o efeito nos humanos da radiatividade no nível constatado. É, portanto, inofensiva como foi o fumo por tantas décadas, a cocaína no século 19, as emissões industriais por 200 anos, e chega de exemplos do grande saber.

MERVAL PEREIRA

Um novo tom
MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 22/03/11
A nota oficial do governo brasileiro sobre a atual situação da guerra civil na Líbia é exemplar do novo rumo de nossa política externa. Não chegamos a pedir explicitamente a saída do poder de Muamar Kadafi, como fizeram Turquia e Índia, mas expressamos nossa "solidariedade" ao povo líbio "na busca de uma maior participação na definição do futuro político do país, em ambiente de proteção dos direitos humanos".

Como essa "maior participação" é impossível com Kadafi no poder, para bom entendedor basta.

Mas a nota oficial não tem o tom de crítica à ação da coalizão militar, como chegou a ser cogitado durante o dia de ontem, atribuindo-se ao governo brasileiro a intenção de deixar claro que, ao se abster na votação do Conselho de Segurança da ONU, já previa que a intervenção militar do Ocidente teria como consequência a morte de civis, como está ocorrendo.

O governo brasileiro limita-se, na nota, a "lamentar a perda de vidas decorrente do conflito no país", sem atribuir a culpa à ação desencadeada por ordem pessoal do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, durante sua visita ao país.

As forças de coalizão têm a participação do Reino Unido, França, Canadá, Itália, Catar e Bélgica, com o objetivo de criar uma zona de exclusão aérea que impeça que as forças leais ao coronel Kadafi ameacem civis.

O governo brasileiro reafirma, na nota, apoio aos esforços do enviado especial do secretário-geral da ONU para a Líbia, Abdelilah Al Khatib, e do Comitê ad hoc de Alto Nível estabelecido pela União Africana "na busca de solução negociada e duradoura para a crise".

Na votação no Conselho de Segurança, o Brasil se absteve, mas foi uma atitude completamente diferente de quando votou contra as sanções ao Irã por causa de seu programa nuclear que não se submete às inspeções internacionais.

Naquela ocasião, os Estados Unidos estavam empenhados em obter um consenso no Conselho que legitimasse as sanções e isolasse o Irã na comunidade internacional, e Brasil e Turquia quebraram essa unanimidade, destoando da posição da maioria esmagadora do Conselho de Segurança da ONU.

Desta vez, o Brasil se absteve, mas teve a companhia de países de peso, como a Alemanha, e de China e Rússia, que têm poder de veto no Conselho, além da Índia.

Também a alegação para a abstenção foi humanitária, não política, como em relação ao Irã. Ao expressar seu apoio à ação do enviado especial da ONU, o governo brasileiro também se coloca em acordo com as ações daquele organismo internacional, sem assumir uma posição isolacionista, como aconteceu no caso do Irã, quando defendeu sua negociação paralela sobre o programa nuclear daquele país contra a posição de todo o resto do Conselho de Segurança da ONU, e ainda pressionou a Turquia, que participara das negociações, a votar contra.

O fato de o presidente Barack Obama ter autorizado durante sua visita ao Brasil no fim de semana as ações militares contra Líbia ofuscou sua tentativa de usar a viagem à América Latina para limpar a imagem beligerante dos Estados Unidos no continente.

A insistência com que ele se referiu à superação da ditadura militar no Brasil pela ação de pessoas que, como a presidente Dilma Rousseff, resistiram em defesa da democracia, comparando a situação brasileira de 25 anos atrás com a atualidade dos países árabes que estão em crise política em luta por mais direitos, soou anacrônica e fora de propósito.

Até porque o sequestro do embaixador norte-americano Charles Elbrick foi parte dessa luta e até hoje os sequestradores, como o ex-deputado Fernando Gabeira e o ex-ministro Franklin Martins, são proibidos de pisar em solo dos Estados Unidos.

Ora, se a luta deles foi tão meritória, como castigá-los eternamente por seus atos guerrilheiros? A não ser que Obama se anunciasse disposto a tentar aprovar no Congresso a revogação da legislação que proíbe para sempre de entrar nos Estados Unidos quem sequestrou um americano, sua fala não passa de uma demagogia fora de época.

O discurso de Obama no Municipal do Rio estava claramente preparado para o cenário anterior, uma fala para o povo reunido na Cinelândia.

A subida de gravidade da intervenção na Líbia aumentou também o grau de segurança da comitiva presidencial e o discurso passou para dentro do teatro, para um público mais selecionado, mas o tom continuou claramente populista.

Mas se desbastarmos os arroubos retóricos do presidente americano ficará sua moderna visão do mundo multipolar, sua compreensão do novo jogo de poder geopolítico, onde os Estados Unidos continuam sendo, apesar da crise, a maior potência internacional, mas agora circundados por uma variedade de poderes regionais, como o Brasil, que ganham relevância nas decisões e precisam ser ouvidos.

Um relacionamento de "igual para igual" não significa que desconheçamos as assimetrias que persistirão, não apenas em relação ao Brasil, mas quer dizer que já temos influência suficiente para sermos parte do grupo mais amplo que compartilha as decisões internacionais.

Por isso mesmo é importante a posição equilibrada que o Brasil vem adotando na sua política externa, que, se não é oposta à executada pelo Itamaraty durante os anos Lula, esta sendo recalibrada para se tornar mais eficaz nesse novo mundo em que já marcamos nosso lugar.

A presidente Dilma estreou bem na chamada diplomacia presidencial, sem deixar de colocar de maneira clara nossas reivindicações, mas também sem politizar questões que podem ser negociadas sem idiossincrasias de ambas as partes.

O avanço que o comunicado conjunto deu na questão do assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, admitindo a justeza da pretensão, mesmo não sendo afirmativo como fora em relação à Índia e ao Japão anteriormente, certamente só aconteceu devido à constatação de que a nova postura de nossa diplomacia já não justifica receios, embora não seja admissível o governo dos Estados Unidos esperar uma posição submissa.

ELIANE CANTANHÊDE

Do útil ao agradável
ELIANE CANTANHÊDE

FOLHA DE SÃO PAULO - 22/03/11

BRASÍLIA - Pobre oposição... é o que deve estar pensando quem viu Dilma Rousseff e Fernando Henrique Cardoso confraternizando na festa de 90 anos da Folha e, depois, a foto dos dois brindando quase carinhosamente na recepção a Barack Obama no Itamaraty.
Nada contra a civilidade, mas constata-se que a oposição está ficando claustrofóbica, sem espaço para se movimentar e respirar, e parece uma barata tonta com a criação do PSD, o novo partido de Gilberto Kassab.
Por mais que ele mande sinais amigáveis para os tucanos em São Paulo, seu alvo é atrair os descontentes nos partidos governistas e os aflitos na oposição para dar mais uma sigla de apoio ao Planalto.
Dilma, portanto, vai muitíssimo bem, obrigada, conquistando a simpatia de símbolos como FHC -a quem incluiu na mesa principal do almoço-, dividindo a oposição, imprimindo sua marca ao governo e gerando expectativas positivas até entre os 44 milhões que preferiram José Serra e não votaram nela.
Tudo isso não é à toa. Dilma herdou a boa vontade que a população tinha em relação a Lula, agregou doses de seriedade e compromisso com princípios e correu a aparar as arestas deixadas pelo antecessor -junto à imprensa e a grandes líderes, por exemplo.
Ou seja, ela juntou o útil ao agradável: capitaliza o fato de ser continuação de Lula, mas sem se contaminar com os erros e passando a percepção de que pode ser ainda melhor do que ele.
Assim, não surpreende que ela tenha conseguido no Datafolha inéditos 47% de aprovação no início de seu primeiro governo, comparáveis aos índices que o próprio Lula obteve apenas quando começou o seu segundo.
E aqui vai uma avaliação: afora a parte em que voltou ao palanque para badalar Lula, o discurso de Dilma foi mais concreto e político do que o blá-blá-blá de Obama tratando o Brasil como um menininho que tirou boa nota.

LUIZ GARCIA

El Salvador?
LUIZ GARCIA

O GLOBO - 22/03/11 

Em nenhum de seus discursos no Brasil Barack Obama fez qualquer referência ao fato de que é o primeiro presidente negro dos Estados Unidos. Nem deveria: a extraordinária importância de sua presença na Casa Branca apoia-se na conveniência - ou, talvez se deva dizer, na necessidade - de tratar o fato como absolutamente natural. Por mais que seja um marco de grande importância na história das relações étnicas no país.

Graças a Deus, e possivelmente ao Itamaraty, nenhum dos donos da casa teve o mau gosto de mencionar a satisfação deste nosso país mestiço com a presença na Casa Branca de um negro - como se diz nos EUA; para nós, Obama é um mulato claro, o que faz alguma diferença, já que por aqui o preconceito, que ainda não sumiu inteiramente, sempre foi menos de etnia do que de cor.

A visita foi um sucesso absoluto, para o visitante e os donos da casa, no campo das relações públicas: nenhuma gafe, nenhuma confusão. Todo mundo se comportou bem, e na verdade não havia por que temer coisa diferente. Até mesmo os traficantes da Cidade de Deus tiveram o bom gosto de não fazer alguma besteira na visita de Obama ao seu território.

Tudo correu bem, nos limites formais e simbólicos de uma visita presidencial. Ou seja, os pleitos brasileiros nos Estados Unidos, todos na área comercial, esbarram na muralha protecionista ciosamente defendida pelo Congresso americano - e esse é um obstáculo a interesses brasileiros e de outros países que a Casa Branca não pode derrubar. Possivelmente, nem quer.

No fim das contas, o documento mais importante que resultou da visita foi o que cria um "grupo de monitoramento da relações econômico-comerciais". "Monitoramento", como se sabe, é um polissílabo curioso: usa-se em lugar de "controle" exatamente porque não significa grande coisa. No fim das contas, quem monitora sem controlar não exerce poder algum. E empresários brasileiros não se iludiram: deram boa nota às intenções anunciadas por Obama, mas, como disse um deles, não se imagina que ele tenha força política para derrubar barreiras comerciais no Congresso americano.

E ninguém se ilude: visitas presidenciais, exceto no caso de ditadores, são, mais do que qualquer outra coisa, exercícios de relações públicas. Têm importância e alguma utilidade - mas sem qualquer garantia de resultados concretos a curto prazo.

No fim das contas, talvez não seja exagero considerar Obama e família como visitantes extremamente simpáticos e bem preparados: foi uma visita com índice zero de gafes e mal-entendidos.

Com certeza, será a mesma coisa no Chile e em El Salvador. A propósito: por que ninguém se lembrou de tentar descobrir o que o presidente americano vai fazer em El Salvador? 

DORA KRAMER

Nem carne nem peixe
DORA KRAMER

O ESTADO DE SÃO PAULO - 22/03/11

O PSD, partido cuja criação foi anunciada oficialmente ontem pelo prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, é uma síntese do quadro partidário brasileiro.
Não tem ideário específico nem posição nítida, se propõe a transitar do governo à oposição, não faz exigências de natureza doutrinária a quem se dispuser a aderir, não apresenta um plano de voo além da oportunidade de disputa de eleições e exibe um programa adaptável a gregos e troianos.
A declaração do deputado Protógenes Queiróz, presente ao ato de lançamento, é emblemática: não está pensando em se filiar ao partido, mas disse que se Kassab convidá-lo para ser candidato à Prefeitura de São Paulo, em 2012, aceita de bom grado trocar o PC do B pelo PSD.
Não vai acontecer, mas bem que poderia se Protógenes tivesse credenciais melhores que ter sido eleito na esteira dos votos de outrem graças às artes do coeficiente eleitoral, a julgar pelos primeiros movimentos PSD e manifestações de seu fundador.
O partido é dito liberal, mas até outro dia havia a firme intenção de se fundir à legenda socialista presidida pelo governador Eduardo Campos. Mudou de nome antes do batismo, para não dar margem a piadas como PDB (Partido da Boquinha) e alterou também seus planos de fusão.
Kassab, que há menos de um mês dizia que numa escala de 0 a 10 não passava de 1 a chance de seu partido seguir viagem sozinho sem se juntar a uma outra agremiação, ontem descartou completamente a hipótese. Para fugir da acusação de que criou um partido "trampolim" apenas para livrar a si e seus novos correligionários dos rigores da fidelidade partidária.
Segundo o prefeito de São Paulo, o PSD é independente, fará "uma espécie" de oposição responsável ao governo Dilma Rousseff mas, ao mesmo tempo, se propõe a ajudá-la a ser "uma grande presidente".
Ao mesmo tempo que adula Dilma, faz da fidelidade ao tucano José Serra profissão de fé, já anunciando que não se oporá a Geraldo Alckmin em São Paulo.
Ante tanto ecletismo, é de se perguntar: afinal de contas, que apito tocará o PSD?
Mesura. O casal Obama deu um show de charme, compostura e simpatia e o presidente americano foi muito gentil, bem como sua assessoria muito competente nas referências históricas e contemporâneas ao Brasil, no discurso do Teatro Municipal do Rio.
Elogiou, celebrou, mas de importante não disse coisa alguma. Fez uma fala "social", guardando o discurso político para a visita ao Chile, este sim um aliado incondicional dos Estados Unidos.
Desmesura. A explicação de que Lula recusou o convite para o almoço com Obama para não "ofuscar" Dilma além de presunçosa é falaciosa. Pela própria composição do cerimonial não há "ofuscação" possível: quem aparece ao lado do convidado o tempo todo é a atual e não o ex-presidente.
Faz mais sentido a impressão geral de que Lula não foi para não ser "mais um" entre outros ex-presidentes. E para não passar pelo constrangimento de ouvir sem compreender a conversa na mesa, da qual fazia parte Fernando Henrique Cardoso.
Se o ex-presidente queria se fazer notar pela ausência, tornou-se percebido pela descortesia. Não surpreendeu.
Para contrariar. Os mais fanáticos fazem de tudo motivo para conflito: de "presidente" versus "presidenta" a blog de Bethânia, qualquer assunto vira uma disputa entre governistas e oposicionistas, cujos embates não costumam privilegiar bom senso, lógica nem discernimento.
Do lado do PT, esse pessoal agora busca razões ocultas para explicar a boa receptividade de Dilma Rousseff em seus primeiros dias entre os não adeptos de sua candidatura a presidente.
É como se vivessem numa dinâmica movida pelo confronto por mero prazer de confrontar. 

JOSÉ SIMÃO

Ueba! Kagadafi parece o Cauby!
JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SÃO PAULO -22/03/11 

BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República!
Eu acho que o Obama veio pra pedir dinheiro emprestado! Manchete do Sensacionalista: "Médico presidencial confirma que o saco do Obama já está liso de tanto ser puxado no Brasil". Rarará!
E o Sérgio Cabral prometeu solenemente ao Obama instalar uma UPP na Líbia!
E a roupa do Kagadafi? Cor de enxurrada. Turbante cor de enxurrada e cabelo do Cauby Peixoto!
Tsunami, terremotos, guerras! Como dizia aquela menina que trabalhava em casa: "Me bota numa caixa de isopor e me manda pra Minas". Na cabeça dela. Minas era outro planeta. Só na cabeça dela? Rarará!
E o almoço pro Obama? Adorei o modelito da Dilma. Ela tava com o vestidinho da Mônica! Tanto que a Michele falou: "Não, Obama, ela NÃO É a Mônica". E o Fernando Henrique tava com boca de pudim!
Obama joga bola na Cidade de Deus. Jogar bola na Cidade de Deus é fácil. Quero ver ele jogar no Palmeiras. Rarará!
E os manifestantes anos 1960? "Obama Go Home!" E uma carioca assanhada: "Obama Go To MY Home". Rarará!
E eu não aguento mais o sósia do Obama. Vou levantar o cartaz: "Sósia do Obama Go Home!". E eles viraram cariocas: Obama será o novo reforço do Flamengo e a Unidos da Tijuca confirma Michele Obama como Rainha da Bateria de 2012!
O discurso do Obama foi feito pelo sósia do Obama! O discurso devia ser comentando pelo Plínio de Arruda Sampaio, Heloísa Helena e Hugo Chávez! Como disse a outra: só faltou ele citar Tim Maia. Rarará! Só falta o Obama ir pro "BBB": "Aí, Bial, eu voto no Gaddafi porque ele é a pessoa com quem eu tenho menos afinidade na casa".
E adorei a charge do Amancio com o Sarney e o Fernando Henrique com os charutões: "Tem fogo, Obama?". "Acabei de mandar todo pra Líbia." Os Predestinados! Um amigo meu foi jantar no Arábia e aí veio a conta. Sabe como se chamava a caixa? Gilmara JANTAR! "Minha filha, você vai se chamar Gilmara Jantar e vai ser caixa do Arábia."
E o novo chefe do Departamento de Homicídios de São Paulo: Jorge CARRASCO! E olha a placa que eu vi numa loja: "Passo o Ponto. Rua Cachoeiro dos Arrependidos". Rarará! E as polícias do Rio e de São Paulo foram treinadas pelo Gaddafi? Cacete em manifestante. A polícia de São Paulo parece polícia de ditador árabe. Ainda bem que nóis sofre, mas nóis goza.
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

VINÍCIUS TORRES FREIRE

Cenas dos últimos capítulos 
VINÍCIUS TORRES FREIRE


FOLHA DE SÃO PAULO - 22/03/11

O FIM do mundo esteve próximo duas vezes neste ano, em menos de um trimestre -em dois meses, aliás.
O mundo acabaria em fogo, no incêndio político que fecharia poços de petróleo do Oriente Médio e norte da África. O mundo acabaria derretido num cadinho de urânio, na fusão das varetas radioativas das usinas nucleares japonesas.
Pelo menos era o que a gente podia depreender da variação alucinada de indicadores financeiros e das não menos alteradas declarações de porta-vozes dos donos do dinheiro grosso, operadores, "analistas" e gestores do "mercado".
Mais específico, mas não menos bombástico, começaria uma nova era na produção mundial de energia. As usinas nucleares teriam como destino a lata de lixo atômico da história. Caíam as ações de empresas produtoras de reatores atômicos e urânio, por exemplo.
Ontem, subiam as ações das empresas produtoras de reatores atômicos e de urânio.
O "risco de recessão mundial" em tese aumentado pela síndrome do Japão derrubou preços de minérios, metais, combustíveis. E de ações.
Ontem, a conversa era aberta sobre as "oportunidades da reconstrução japonesa", sobre altas de preços de metais. Mais, que o horror japonês e o paniquito subsequente enfim deram uma oportunidade de xepa, de compra de ativos na baixa.
O petróleo (tipo Brent) anda pela casa de US$ 115 o barril. Ainda caro, tendo subido mais rápido que o previsível pelo ritmo observado no trimestre final do ano passado e no início deste ano, antes do tumulto no mundo árabe. Mas o petróleo chegou a bater em US$ 120.
Agora, o "tumulto árabe já está no preço", como se diz no mercado. Ou seja, é preciso confusão nova e perigosa para que o pessoal literalmente aposte em preço mais alto.
Que estejam passando fogo na Líbia e tentando matar Gaddafi "por acidente" não faz diferença. Que a Arábia Saudita passe fogo nos manifestantes do Bahrein, também não. Aliás, a chacina patrocinada pelas monarquias árabes pode ser um fator de estabilidade.
Na Arábia Saudita, um trocado na mão e uma metralhadora apontada para a cabeça podem pacificar de vez os ânimos. Pode evitar revoltas democráticas: os súditos do feudo dos Saud receberam uma doação (grana) da monarquia e foram subliminarmente avisados de que levarão bala se se meterem a bestas. O Bolsa Petróleo e balaços contêm a tensão no mercado de energia.
Quão caro deveria ficar o petróleo para zerar o crescimento no mundo rico? US$ 150 o barril, por um ano, dizia-se nos dias mais quentes do tumulto árabe (na mediana dos chutes). Agora se fala em US$ 200.
As crises do fim do mundo, a crise arábica e a japonesa, pareciam ontem um pesadelo ruim nas praças dos mercados. O crescimento do mundo rico aumenta aos poucos. A União Europeia enfim acertou a criação de uma megafundo para amortecer calotes e temores de calotes dos governos superendividados de Grécia, Irlanda e Portugal.
A fusão das teles AT&T e T-Mobile, nos Estados Unidos, negócio de US$ 39 bilhões, animou o povo dos mercados. Se estão colocando essa dinheirama monstro num negócio, é que tem gente bem otimista, contagia-se o pessoal do mercado.
Arrependei-vos, irmãos. O fim não estava próximo.

CLÁUDIO HUMBERTO

“Uma das coisas que queremos alcançar é que os partidos existam”
SENADOR JOSÉ SARNEY (PMDB-AP) AO DEFENDER A REFORMA POLÍTICA

ESTILO ‘BEBÊ CHORÃO’ DE MANTEGA IRRITA DILMA 
A presidente Dilma já não suporta a atitude de “criança carente, bebê chorão” adotada pelo ministro Guido Mantega (Fazenda), procurando-a com frequência para se queixar de notas em colunas e notícias em jornais, segundo ele, “plantadas” por aliados que desejam vê-lo fora do cargo. Ela contou a amigos (e amigas) que lida com esse estilo de Mantega desde a Casa Civil, “mas agora não dá mas, sou presidente”.

PARANOIA 
Guido Mantega se queixa a Dilma até para ouvir dela que não está na iminência de ser demitido. Na última, ele tomou uma bronca
federal.

‘OLHAR FEMININO’? 
Dilma tem sido gentil com visitantes, mas mantém seu jeito estúpido de ser com subordinados. Todos já tomam broncas retumbantes.

TEM PARA TODOS 
Antonio Palocci (Casa Civil), a quem Guido Mantega atribui grande parte das “plantações” contra ele, também já tomou suas broncas.

ESCREVEU, NÃO LEU... 
Sobrou até para a taifeira do AeroDilma: ela quis descrever os pratos e a presidente gritou, impaciente: “Minha filha, serve logo isso, pô!”.

PSD DE KASSAB DEVE NASCER COM 12 DEPUTADOS 
O prefeito paulistano Gilberto Kassab trabalha para começar com doze deputados federais a bancada do seu Partido Social Democrático na Câmara. O objetivo é aumentar a bancada com parlamentares do DEM e de outros partidos. Ele tenta viabilizar o PSD em dez estados onde o Partido Socialista Brasileiro é mais fraco, a começar por São Paulo, para evitar choques com lideranças desse partido nos demais estados. 

QUANDO SETEMBRO VIER 
Gilberto Kassab acertou com o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, que o PSD se fundirá ao PSB até setembro.

CARGA PESADA 
Obama é que é “o cara”: além de trazer a Líbia na cabeça, também trouxe a sogra a tiracolo na viagem à América Latina. 

TÔ FORA 
Barack Obama e a maioria dos convidados não provaram o vinho brasileiro servido no almoço do Itamaraty. Nem na hora dos brindes.

PRODUTOR DE LUXO 
Foi do governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), a idéia de reunir os ex-presidentes da República para uma foto, no almoço para Barack Obama, e de José Sarney o convite a Dilma para integrar o grupo.

DILMA E O CAMPEÃO 
Dilma visita hoje o Amazonas pela primeira vez depois de eleita. Será recebida pelo governador Omar Aziz, que aplicou surra histórica, nas urnas (63,8% dos votos), em seu ministro dos Transportes.

O PULO DO BLOG 
A fonte é a mesma: os cofres públicos. Ao contrário de Maria Bethânia, a deputada Jaqueline Roriz (PMN-DF) bobeou: com R$ 50 mil de propina criaria um blog, bem mais barato que o da querida cantora. 

DEIXA PRA LÁ 
Assim como Barack Obama evitou se comprometer com o Brasil no Conselho de Segurança da ONU, Dilma evitou falar da abstenção do Brasil na ONU, impondo zona de exclusão aérea na Líbia.

CARAS PERSIANAS 
Dilma gosta mesmo de privacidade: a Presidência da República reservou R$ 642,5 mil para compra e instalação de persianas tipo rolô, que protegerão 700m2 do palácio do sol (e de curiosos). 

MEU PAPAI 
O desembargador aposentado do TJ-SP, José Adriano Marrey Neto, questionou no site Consultor Jurídico a legalidade do apelido “Lula” que o enteado Marcos Cláudio e o filho Luís Cláudio acrescentaram aos nomes de batismo. Com eles, ganharam até passaporte diplomático.

CASA DE MARIMBONDO 
O sociólogo esquerdopata Emir Sader ironizou no Twitter o nome “efeitos colaterais não desejados” civis vitimados na Líbia. E o que significa “dinheiro não contabilizado” para a turma do mensalão petista?

MUY AMIGO... DO CHILE 
Na entrevista exclusiva ao jornal El Mercurio, domingo, Barack Obama explicou a escolha do Chile para seu discurso à América Latina: “Governo transparente, a defesa dos direitos humanos, liderança global em energias limpas e capacidade de resposta a desastres no
Continente”.

PENSANDO BEM... 
Barack mostrou no Brasil que está mais para Obaobama. Ou será Rolandobama? 

PODER SEM PUDOR
SÓ DE PORRE 
Ministro da Guerra, o general Góis Monteiro viu outro general na Alemanha mostrar a lealdade e coragem de seus comandados:
– Fritz, jogue-se pela janela! 
Não deu outra:
– Heil Hitler!, gritou o soldado, antes de se estatelar no chão.
De volta, o brasileiro decidiu testar sua tropa: 
– Waldir, jogue-se pela janela! 
Alguém grita lá de baixo:
– Pessoal, o general bebeu de novo!

TERÇA NOS JORNAIS

Globo: Desarticulação de aliados ameaça operação na Líbia
Folha: Brasil pede cessar-fogo na Líbia
Estadão: Após saída de Obama, Brasil pede cessar-fogo na Líbia
Correio: Cada vez mais encrencadas
Valor: Lucro de produtores bate recorde na safra de grãos
Estado de Minas: Ficha limpa corre risco de ir para o lixo
Jornal do Commercio: Drama no IML sem prazo para acabar
Zero Hora: Após Obama partir, Brasil defende o fim dos ataques na Líbia