sexta-feira, março 04, 2011

CLAUDIA SAFATLE

Ou o PIB cresce ou a inflação cai
CLAUDIA SAFATLE
VALOR ECONÔMICO - 04/03/11


Crescer 5% e derrubar a inflação para o centro da meta de 4,5% são objetivos incompatíveis. Para cumprir um, será preciso sacrificar o outro. Assim, faz pouco sentido o ministro da Fazenda, Guido Mantega, sustentar que a economia este ano vai crescer 5% - conforme consta do Orçamento da União - e o Banco Central ter como missão fundamental derrubar a inflação dos atuais 6% para 4,5%.

Mesmo que o BC decida e comunique, no próximo Relatório Trimestral de Inflação, que a convergência do IPCA para a meta se dará ao longo de 2012, essa será uma missão difícil de ser cumprida.

Com o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 7,5% no ano passado e pressupondo um INPC de 6% este ano (acumulado em 12 meses até janeiro o INPC era de 6,53%), o reajuste do valor do salário mínimo de 2012 será de 13,95%. O fato é que depois de todo o esforço do Plano Real para desindexar a economia brasileira, o governo Lula superindexou o salário mínimo. E, no momento em que a luta contra a aceleração inflacionária se torna o centro das preocupações, a presidente Dilma Rousseff reforçou o compromisso de reajustar o piso salarial pela inflação passada mais o PIB de dois anos anteriores. Com isso, o alcance do centro da meta de inflação torna-se uma tarefa nada trivial.

Cálculos feitos por analistas de bancos apontam que a economia teria que crescer a uma taxa ligeiramente inferior a 3% para o BC conseguir reduzir a inflação para a meta de 4,5% no ano que vem.

Toda escolha, em economia, tem benefícios e custos. É o "trade-off". Diante desse quadro, o governo teria duas possibilidades: aumentar o esforço da política anti-inflacionária agora - com mais juros e rigor fiscal -, aceitando um crescimento mais modesto, ou adiar a convergência da inflação para o centro da meta para 2013, por exemplo, sabendo que quanto mais demorar, mais difícil será atingi-la. Inflação elevada por muito tempo estimula os mecanismos de indexação, que já não são poucos, tornando os preços mais resistentes à queda.

Apesar do crescimento de 7,5% em 2010, hoje o PIB cresce em patamar compatível com o seu potencial, embora esse seja um dado que não se sabe ao certo qual é. O BC indicou que o produto potencial vinha aumentando para algo na casa dos 5%. Economistas do setor privado, porém, consideram que ele caiu no pós-crise global, em consequência do subinvestimento, para cerca de 4,5%. Seja lá qual for o produto que abriga a demanda agregada e, portanto, não pressiona a inflação, o fato é que se a economia este ano ficar no limite do PIB potencial, o que se conseguirá será manter a inflação no patamar atual.

A decisão do Copom de elevar a taxa Selic em 0,5 ponto percentual, quarta-feira, não surpreendeu o mercado, mas também não agradou. Alguns bancos, ontem, adicionaram mais um aumento aos já previstos de 0,5 e 0,25 pontos percentuais nas próximas duas reuniões do Copom, esticando a duração do ciclo de aperto monetário. E várias consultorias estão rebaixando o crescimento do PIB para a casa dos 3% este ano.

Nas considerações do Banco Central para optar pelo aumento gradual da taxa Selic constam um leque de argumentos: o estoque de medidas já tomadas cujos efeitos se acumulam este ano, a desaceleração do PIB desde o fim de 2010, a redução da taxa de ocupação no mercado de trabalho, e a crença do mercado de que o esforço fiscal deste ano pode produzir um superávit de 2,7% do PIB nas contas públicas, uma performance bem melhor que a do ano passado. A correção do salário mínimo deste ano não comportou aumento real e isso retirará poder de compra de praticamente metade da população economicamente ativa que recebe o piso. Somam-se a essas razões as incertezas sobre os efeitos das revoltas no Oriente Médio nos preços do petróleo, sobre a reativação das economias industrializadas e sobre os rumos dos preços das commodities.

A taxa de desocupação, conforme dados da última Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE, era de 5,3% em dezembro e subiu para 6,1% em janeiro, o que seria um indicador de que a pressão do mercado de trabalho, em situação de pleno emprego, sobre a inflação tenderia a diminuir.

Avalia-se, no governo, que quem ficou insatisfeito com a decisão do Copom foi uma minoria do mercado. Pesquisa de opinião feita pelo BC em bancos, no início da semana, indicava que 85% das instituições estavam prevendo aumento de 0,5 ponto percentual da taxa de juros e apenas 15% esperavam 0,75 ponto percentual.

A deterioração das expectativas, no entanto, que tem sido sistemática desde o fim de 2010, já contaminou as projeções de inflação de 2012. Há duas semanas que o relatório Focus, do BC, revela que a variação do IPCA esperada pelo mercado para o próximo ano é de 4,78%. Isso poderia ser visto como um indício de desconfiança dos agentes econômicos na força do BC para agir.

Os próximos meses serão delicados para as expectativas de inflação. Até o fim de março 40% dos preços administrados terão sido reajustados e só a inflação desse conjunto de preços deve chegar a 4%.

A esperança do governo é que a partir de abril o clima entre os agentes econômicos esteja menos pessimista. Até lá os cortes dos gastos públicos já devem começar a aparecer e o impacto das medidas prudenciais do BC vai estar mais claro. Com isso, espera-se também que o ambiente econômico comece a se descontaminar dos ceticismos e descréditos de hoje. Entre julho e setembro o IPCA deverá furar o teto da meta, por efeitos estatísticos, mas a inflação futura poderá ser bem melhor que a passada, argumentam fontes oficiais.

A opção pelo gradualismo na política monetária é algo que tem sido questionado por especialistas em regime de metas para a inflação. Há quem defenda que em casos de deterioração das expectativas, como agora, o melhor mesmo é aplicar a receita de Maquiavel: fazer o mal de uma só vez.

XICO SÁ

BATICUM
 XICO SÁ
FOLHA DE SÃO PAULO - 04/03/11

Festa perdeu a beleza da gostosa normal

É CARNAVAL, mas a festa da carne, de onde vem o sacroprofano nome, virou a orgia dos corpos artificiais. Deram um truque na lição de anatomia clássica.
Não se trata de uma queixa moralista, como fizemos, de modo conservador, quando surgiram as primeiras criaturas siliconadas da nova era.
Cada um esculpe a massa corporal à modinha do seu espelho narcisista, não é mesmo? Assim ficamos democraticamente combinados.
O que pega é outro ponto. Como faz falta, durante a farra erótica, aquela imagem das carnes femininas balançando diante das câmeras! A carne das gostosas normais.
Os novos corpos, por mais que as cabrochas sejam exímias dançarinas, não seguem o ritmo do samba. É tudo muito duro, como nos travestis.
Seja o recurso naturalíssimo do músculo trabalhado obsessivamente nas academias de ginástica ou a manjada beleza industrial do silicone, o Carnaval fica nos devendo a fartura da carne mais feminina e, se possível, trêmula.
Roberto Carlos, homenageado neste ano com o samba enredo da escola Beija-Flor, também faz coro a esta nossa queixa. Fã de uma moça renascentista, ele defende, com outras palavras, a nossa causa.
"Gosto de me encostar/ Nesse seu decote quando te abraço/ De ter onde pegar/ Nessa maciez enquanto te amasso", canta o Rei no tributo às moças que fogem ao padrão em voga.
Outro mestre na arte de observar as mulheres, o ilustrador José Luiz Benício, autor dos melhores cartazes da pornochanchada brasileira, entra também nesse coro.
"O que acontece é que hoje em dia as mulheres estão masculinizadas. Elas estão ficando fortes, perdendo aquelas curvas", disse Benício em entrevista ao portal UOL. "Um processo que, a meu ver, está ligado à competição com os homens em todas as áreas."
Mais gostosura dentro da suposta normalidade e menos alta definição plástica. Que ressurja a mulher de carne macia, a mulher-comfort. Enfim, pelo "destravecamento" da fêmea. Assim no Carnaval como no expediente normal da vida.

BARBARA GANCIA

Passa, Charlie Sheen!
BARBARA GANCIA
FOLHA DE SÃO PAULO - 04/03/11

A Narcisa não dorme há dias esperando Charlie Sheen e John Galliano para o Carnaval carioca

A ESTA ALTURA, até a formiga que mora embaixo da pedra já sabe que o costureiro John Galliano não passa de um ser desprezível. E que o atropelador de ciclistas de Porto Alegre não possui temperamento para conviver em sociedade. E ainda que Charlie Sheen só ganhou 1 milhão de seguidores no Twitter no espaço de 24 horas porque a nós interessa (sim, também o adicionei) muito ver sangue.
A Narcisa não dorme há dias esperando dar de cara com Galliano e Sheen no Carnaval. Que Paula Burlamaqui, que nada! Queremos mais é ver Charlie Sheen mandando a Mangueira inteira entrar enquanto engole a AmBev de um trago só.
O mundo é cão, as imagens são em tempo real e não se fazem mais napoleões de hospício como antes. Sheen andou dizendo que colocaria Frank Sinatra no chinelo, imagine só, o maior farrista de todos.
Sei não, fico imaginando o ator de "Two and a Half Men" feito foca, equilibrando várias pedras de crack no nariz na frente de uma webcam e percebo que sou mais "Ol" Blue Eyes" com seu uísque aguado sobre o piano de Count Basie, ao contar piadas "risqué" para a plateia.
Alguém seria capaz de imaginar Frank Sinatra dando entrada em uma clínica para dependentes de drogas aconselhado por advogados que tentam driblar o seguro feito pelo estúdio ou os contratos assinados com a Warner e a CBS?
E esse Galliano, então: quem se importa com a ideologia do camarada que desenha as roupas ou o aspirador de pó que a gente utiliza? Mas, vem cá: esse batráquio com evidente problema de álcool que se diz fã de Hitler é homossexual, não? Bem, sendo assim, ele deveria lembrar que, se vivesse sob o nazismo, andaria com uma estrela na manga e dificilmente sobreviveria aos fornos.
É possível observá-lo no tal vídeo que o desgraçou, dizendo nitidamente ao casal que o está insultando: "Vocês são feios". Lembrou-me Vinicius, que era uma massa disforme esparramada dentro das calças e, ainda assim, tinha a audácia de pedir às feias que lhe perdoassem.
Alô, John Galliano! Você é careca, vesgo e tem orelha de abano. Pessoalmente, não tenho problema com isso. Mas, no seu gueto particular da moda, convenhamos, é tido como feio do Vale do Eco (feio... feio... feio...). Diga-me: será por isso que você anda por aí fantasiado de pirata da perna de pau? No seu universo, ser feio é pecado?
Freud explica que o costureiro tenha ido soltar suas lagartixas, por duas noites consecutivas, justamente no bar La Perle, da rue des Rosiers, que é a rua central de um bairro tradicionalmente judaico.
Freud gastaria saliva também para elucubrar que o Oriente Médio está explodindo e a turma só pensa em ver e rever o vídeo do atropelamento dos ciclistas. Barril do petróleo nas alturas e o importante é entrar no Twitter para saber o que o Charlie Sheen anda cheirando, fumando ou enfiando na orelha.
Não vi uma linha sobre as mulheres violentadas no Congo nos últimos dias. Mas as especulações sobre quem vai substituir Galliano estão por toda parte.
Somos uma cultura de comedores de carniça, de sanguessugas interessadas apenas em consumo e poder, e estamos cada dia mais infantilizados. Nossa capacidade crítica foi atropelada por alguma betoneira dirigida por Charlie Sheen.

RUY CASTRO

Maxilares em ação
RUY CASTRO
FOLHA DE SÃO PAULO - 04/03/11

RIO DE JANEIRO - Em Riga, Letônia, há duas semanas, Agars Egle, 42, profissão indefinida, foi morto dentro de um cinema por estar fazendo barulho ao comer pipoca durante uma sessão do filme "Cisne Negro". Sentindo-se incomodado, um vizinho de poltrona, o advogado Nikolajs Zikovs, 27, silenciou-o com um tiro de pistola.
Estava demorando para acontecer. Há 20 anos, os proprietários de cinemas descobriram que havia mais dinheiro a ganhar com a bonbonnière do que com a exibição do filme. Donde os novos pipoqueiros-exibidores decretaram que não seria mais possível assistir a um filme sem esse complemento alimentar, até então facultativo.
Os novos cinemas já nasceram como extensões da máquina de torrar pipoca. Os próprios sacos de pipoca começaram a ser desenhados de forma a crescer até adquirir as dimensões cúbicas de um balde. O desafio era: qual o tamanho máximo possível de um saco de pipoca, capaz de caber no colo do espectador e não atrapalhar a visão da pessoa na poltrona de trás?
Hoje, mesmo que o sujeito tenha jantado antes de sair de casa, ninguém admite passar duas horas olhando para uma tela sem esse renitente movimento mastigatório. Incrível como, nos anos 60, assistimos a filmes como "Hiroshima Meu Amor", de Alain Resnais, ou "A Noite", de Michelangelo Antonioni, sem comer pipoca.
Uma única pessoa mastigando ao nosso lado não deveria causar grande distúrbio. Mas o rumor de centenas de pessoas triturando grãos de pipoca ao mesmo tempo provoca um efeito britadeira, capaz de sufocar o som de qualquer filme. Por isto, os cinemas tiveram de elevar o volume do som aos intoleráveis níveis atuais -para fazer frente ao exército de maxilares em ação.
Fui informado de que, para os padrões contemporâneos, "Cisne Negro" é um filme quase em surdina. Está explicado o crime.

GOSTOSA

CELSO MING

Maior que as pernas
CELSO MING
O ESTADO DE SÃO PAULO - 04/03/11

O governo teve lá suas razões para ser ambíguo ao avaliar o avanço do Produto Interno Bruto (PIB) de 2010. O PIB é o tamanho da renda nacional no período de um ano. Como cresceu 7,5%, o maior avanço desde o Plano Cruzado (1986), enquanto quase todo o mundo rico permaneceu prostrado na crise, haveria muito a comemorar.

O ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, que ocupou no governo Lula a Pasta do Planejamento, não economizou foguetório: "É um pibão de verdade, um resultado extraordinariamente positivo". A ministra do Planejamento, Miriam Belchior, acompanhou a mesma música: "É espetacular!".

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, elogiou o crescimento do consumo, de 10,3% ao ano: "Há muito a população não tinha um PIB tão grande". Mas acrescentou que a trajetória sustentada é uma elevação do PIB contida nos 4,5% a 5,0%. Ou seja, reconheceu que a economia a uma velocidade de 7,5% estava superaquecida. Assim, não há tanto o que comemorar. E nisso ele tem razão.

Um forte crescimento econômico obtido com excessivas despesas públicas, como as que foram feitas em 2010 para financiar os objetivos eleitorais do governo, não pode ser aplaudido como sugeriram alguns ministros. É desempenho obtido com uso de doping. A presidente Dilma Rousseff foi mais contida: "Esse PIB é um número bem razoável".

Mantega observou que a prioridade agora não é manter esse ritmo de crescimento da produção, mas combater a inflação, o efeito mais perverso do superaquecimento - e nisso foi realista.

Os indicadores do investimento foram os mais positivos das Contas Nacionais. A Formação Bruta de Capital Fixo (nome técnico do investimento) cresceu 21,8% e atingiu a magnitude de 18,4% do PIB. Como uma coisa leva a outra, o Brasil investe pouco porque poupa pouco (menos de 17% do PIB - veja gráfico) e consome muito (82%). Apenas para comparar, a China poupa 52% da renda e consome 48%.

Esses números são importantes na medida em que revelam que uma das fragilidades estruturais da economia brasileira teve um comportamento melhor do que nos anos anteriores. Investimento hoje é produção amanhã. O passo não pode ser superior ao tamanho das pernas. Sem um bom ritmo de investimento, não há como dar sustentabilidade ao crescimento econômico. A esse ritmo dos investimentos, o Brasil não conseguirá crescer mais do que 5% ao ano sem produzir inflação. E é o que está acontecendo agora.

Mesmo levando em conta o desempenho melhor do investimento, é preciso ponderar que cerca de 38% dele pouco melhora a capacidade de produção futura na medida em que corresponde à expansão da construção civil. Quando a construção civil diz respeito a fábricas, pontes e estradas elas ajudam a produção futura, mas a parcela dela ocupada pela expansão habitacional pouco ajuda nisso.

Para crescer 5% ao ano sem produzir superaquecimento de preços e outras distorções nas contas externas, o investimento teria de ser equivalente a um quarto da renda (25%) e não apenas a esses 18%. Até agora, nada autoriza dizer que o Brasil prepara esse pulo do gato. Poupança e investimento continuarão insatisfatórios para o quanto o País quer crescer.

NELSON MOTTA

Carnaval politicamente correto
NELSON MOTTA
O Estado de S.Paulo - 04/03/11

Como seu próprio nome antecipava, o bloco carnavalesco "Que merda é essa?", usando camisetas com Monteiro Lobato abraçado a uma mulata, enfrentou protestos irados de militantes que denunciaram o escritor por racismo contra Tia Nastácia e recomendaram ao Ministério da Educação o seu banimento das escolas públicas.

Com o avanço do politicamente correto, "Índio quer apito" será um dos próximos alvos, pela forma pejorativa de se referir aos nossos silvícolas, os verdadeiros donos da terra brasileira, enganados e explorados pelos brancos.

Por seu desrespeito à diversidade sexual e sua homofobia latente, Cabeleira do Zezé não deverá mais ser cantada nas ruas e em bailes, por estimular preconceitos contra homossexuais. Nem Maria Sapatão, a correspondente feminina da violência homofóbica contra o Zezé ("Corta o cabelo dele!" ). Além da ofensa ao profeta Maomé, ao compará-lo a um gay cabeludo. Por muito menos Salman Rushdie teve de passar anos escondido da fúria islâmica.

Precursor do politicamente correto, o fundamentalismo islâmico exigirá a proibição de Alá-Lá-Ô por usar com desrespeito o Nome Supremo em festas devassas e ofender o Islã. Um aiatolá dos Emirados Sáderes pode até emitir uma fatwa condenando os autores da blasfêmia à morte.

Pelo uso do termo pejorativo e racista "crioulo" não escaparão da condenação nem os ilustres afro-brasileiros Paulinho da Viola, Elton Medeiros, Nelson Sargento, Anescarzinho e Jair do Cavaquinho, criadores do clássico Quatro Crioulos, em 1965. Além da palavra maldita, a música diz que eles ocupam boquinhas públicas, em plena ditadura:

"São quatro crioulos inteligentes / rapazes muito decentes / fazendo inveja a muita gente / muito bem empregados numa secretaria ?"

O Samba do Crioulo Doido, de Sérgio Porto, é pior: por sugerir que a burrice e a ignorância seriam exclusivas dos negros e associá-las ao mundo do samba. Puro preconceito: a estupidez não escolhe cor e também abunda no rock, na política e no esporte. E cada vez mais nos meios acadêmicos racialistas e politicamente corretos.

Bom carnaval multicultural!

DIOGO MAINARDI


O Brasil explicado para “coelhinhos”

DIOGO MAINARDI
REVISTA VEJA
“Devolvi o uquelele para a diretora da escola e, como Elvis Presley, voltei alegremente para minha Graceland veneziana. O que é o Brasil? O Brasil é só um assunto aborrecido. Aloha”

A Batalha de Lepanto - A Batalha de Lepanto “Meu filho só se impressionou com o detalhe do quadro em que um marujo é retratado com uma flecha enterrada no meio do cocuruto. O único feito memorável de um povo, para um ‘coelhinho’, é conseguir exterminar outro povo”
O que é o Brasil? A diretora da escola Ex-Ciliota mostrou-me um uquelele havaiano. Ela perguntou se eu poderia usar o uquelele havaiano em minha palestra sobre o Brasil. Respondi que sim: uquelele havaiano e cavaquinho brasileiro eram exatamente iguais. Foi por isso que entrei na sala de aula da escola Ex-Ciliota dedilhando um uquelele havaiano e rebolando como Elvis Presley. Aloha.
Sou brasileiro. Se o tema da palestra era o Brasil, achei oportuno esclarecer imediatamente que eu era brasileiro. Os membros da plateia me olharam com desinteresse. A maior parte deles sabia de onde eu vinha. Eu era conhecido naquele ambiente. Eles me viam praticamente todos os dias. Os membros da plateia, alunos da escola Ex-Ciliota, tinham entre 2 anos e meio e 6 anos de idade, e um deles, que naquele momento estava se acomodando em meu joelho, era meu filho menor, da classe dos “coelhinhos”.
O Brasil é grande. A diretora da escola Ex-Ciliota convidara os pais de todos os alunos estrangeiros a falar sobre seu país de origem. Uma semana antes de eu falar sobre o Brasil, os pais de um colega de meu filho haviam falado sobre El Salvador. Com uma ponta de chauvinismo, prossegui minha palestra dizendo que o Brasil era muito, muito grande, e que El Salvador era muito, muito pequeno, para o desconsolo de Miguelito.
O Brasil é longe. A escola Ex-Ciliota está localizada na Itália. Mais exatamente: em Veneza. O Brasil é longe de Veneza. Um “coelhinho” de 2 anos e meio pode ter uma certa dificuldade para compreender o que é longe e o que é perto. Tentei explicar, mesmo assim. O que caracteriza o Brasil é o fato de ser um lugar distante, um lugar remoto. É seu alheamento mental, mais do que geográfico. O Brasil me parecia distante e remoto até quando eu morava no Brasil.
O Brasil tem gente de todos os tipos. Na verdade, a escola Ex-Ciliota tem gente de todos os tipos: chineses, filipinos, ingleses, argentinos, canadenses, dinamarqueses, salvadorenhos. O Brasil, no passado, já teve gente de todos os tipos. Agora só tem gente de um tipo: que fala do mesmo jeito, que pensa do mesmo jeito e que repudia a diversidade. O Brasil se tornou o Velho Mundo.
O Brasil é quente. A temperatura em Veneza, naquele instante, era de 2 graus. Contei aos membros da plateia que, quando em Veneza estava frio, no Brasil estava quente. E que, quando em Veneza estava quente, no Brasil continuava quente. Contei também que, por esse motivo, os índios brasileiros andavam sempre nus.
Nós matamos todos os índios. Os “coelhinhos” gostaram de saber que matamos todos os nossos índios. Entendo o sentimento deles. No sábado anterior, eu levara meu filho menor ao Palazzo Ducale. Depois de ver algumas das mais importantes obras realizadas pelo homem, ele só se impressionou com o detalhe do quadro A Batalha de Lepanto, de Andrea Vicentino, em que um marujo é retratado com uma flecha enterrada no meio do cocuruto. O único feito memorável de um povo, para um “coelhinho”, é conseguir exterminar outro povo.
O Carnaval explicado para “coelhinhos”. Eu poderia escrever um livro intitulado “O Brasil explicado para coelhinhos”. Eu poderia escrever outro livro intitulado “A Batalha de Lepanto explicada para coelhinhos”. Eu poderia escrever outro livro intitulado “O Dow Jones explicado para coelhinhos”. Eu poderia encerrar a série com um livro intitulado “O Carnaval explicado para coelhinhos”. O brasileiro é porco. Foi o que disse meu filho, sentado em meu joelho, quando lhe perguntei o que ele lembrava do Carnaval do Rio de Janeiro. Ele só se lembrava das latinhas jogadas na rua. Ele só se lembrava do cheiro de urina. Ele só se lembrava que o brasileiro era porco. Respondi que o Carnaval de Veneza era igual.
Atirei o pau no gato-to. Uma das professoras me pediu que cantasse uma música brasileira. Meu filho escolheu Atirei o pau no gato. Na escola Ex-Ciliota, ensinaram-lhe outra música, cuja letra é a seguinte: “Na ilha de Creta-ta, vive Minos-nos. Socorro! Socorro! O Minotauro-ro! O Minotauro-ro!”. Compare “gato-to” a “Creta-ta”. Compare “Dona Chica-ca” a “Minos-nos”. Compare “morreu-reu” a “Minotauro-ro”. A mitologia grega é enterrada como uma flecha no meio do cocuruto de meu filho. Qual é a vantagem disso? Minos é mais próximo de mim. Dona Chica é mais distante e remota. Quero meu filho mais próximo de mim.
O Brasil é… Resolvi interromper a palestra. Eu estava falando sem parar havia mais de meia hora. Os membros da plateia bocejavam. Devolvi o uquelele para a diretora da escola e, como Elvis Presley, voltei alegremente para minha Graceland veneziana. O que é o Brasil? O Brasil é só um assunto aborrecido. Aloha.

FERNANDO DE BARROS E SILVA

Camelô de cátedra
FERNANDO DE BARROS E SILVA
FOLHA DE SÃO PAULO - 04/03/11

Na hora de enrolar, cada um recorre ao que tem de melhor. Os políticos, além disso, são treinados para adaptar suas falas às expectativas da plateia. E nisso Lula é um mestre. Ele estreou como palestrante remunerado anteontem, apenas dois meses depois de deixar a Presidência da República.

E estreou -ganhando algo em torno de R$ 200 mil- no papel de garoto-propaganda e líder motivacional de uma grande empresa de eletroeletrônicos. Falando a executivos e funcionários, repetiu slogans publicitários e disse coisas como: "Quando a gente distribui, as pessoas vão consumir e vão comprar os produtos da LG logo, logo".

Mikhail Gorbachev, o pai da perestroika, quando deixou o governo, nos anos 90, foi requisitado mundo afora como palestrante, a preço de ouro. Há poucos anos, já escanteado pela roda da história, virou garoto-propaganda da bolsa -não a de valores, mas a Louis Vuitton. O senhor glasnost ainda preserva algum valor de mercado.

Não se sabe se Lula seguirá o mesmo caminho ou se terá o mesmo destino. Mas Lula, de certa forma, já integrou na mesma figura o político afamado e o vendedor de produtos. É o camelô de cátedra.

A lei brasileira não o proíbe de mercadejar dessa forma, embora pareça flagrante o conflito entre os interesses privados em jogo e o que se deve esperar de um chefe de Estado que acaba de deixar o cargo.

Na véspera da palestra inaugural, seu amigo Paulo Okamoto, presidente do Instituto Lula, dizia à Folha: "Lula é uma figura global, tem muita credibilidade. Ele vai contar sua experiência e motivar o pessoal". Essa definição das novas atribuições do ex-presidente é muito reveladora. Ela serve perfeitamente para aqueles gurus do capital e da psicologia barata que rodam o mundo com palestras padronizadas ensinando as pessoas a ganhar fortunas e gerir suas vidas. Em geral são apenas mensageiros da globalização da bobagem.

Perto deles, o garoto LG é um gênio.

GOSTOSA

MONICA BAUMGARTEN DE BOLLE

A insustentável não leveza do crescimento
MONICA BAUMGARTEN DE BOLLE
O GLOBO - 04/03/11
Parmênides, o filósofo pré-socrático que inspirou Milan Kundera a escrever "A insustentável leveza do ser", explorou os contrastes entre a presença e a ausência de certas qualidades. Curiosamente, ao contrário do que seria a inclinação lógica natural, o peso era definido como a ausência de leveza, ou a não leveza. O impressionante desempenho do PIB brasileiro no ano passado revelou uma não leveza que torna a sua manutenção insustentável.

De acordo com a última divulgação do IBGE, a economia brasileira cresceu 7,5% em 2010, um ritmo certamente "milagroso", à la década de 70. No entanto, para o desgosto dos não economistas, não faltam profissionais da área para dizer que tal ritmo de expansão não é sustentável. De fato, a incapacidade de manter a economia brasileira crescendo nessa velocidade já se reflete na aceleração inflacionária, em curso desde o fim do ano passado. É este comportamento dos preços que revela os desequilíbrios do crescimento brasileiro, ou a não leveza das suas fontes principais.

Ao menos dois fatores contribuíram fortemente para a expansão da demanda agregada que impulsionou a atividade no país em 2010. Primeiro, a expansão do crédito, sobretudo dos bancos públicos, que, em 2009, foi utilizada como instrumento de combate aos efeitos recessivos da crise financeira de 2008, mas que posteriormente se transformou em um forte impulso econômico pré-eleitoral. Segundo, o aumento dos gastos do governo, sobretudo nos últimos meses de mandato do ex-presidente Lula. A inflação só não foi maior do que os 6% registrados pelo IPCA porque o mundo ajudou. A fragilidade da economia americana, a crise fiscal nos países europeus e a perspectiva de desaceleração da atividade mundial, que deixaram todos apreensivos em meados do ano passado, impediram que a dinâmica dos gastos internos provocasse um forte estrago inflacionário.

O contexto global hoje é outro. Os preços dos alimentos no mercado internacional se aceleraram substancialmente no fim de 2010, devido tanto a fatores climáticos e quebras de safra quanto à maior demanda das economias emergentes, contaminando a inflação em diversos países, inclusive no Brasil. A este quadro somam-se agora as perspectivas sombrias para o preço do petróleo, influenciadas pelas revoltas no Oriente Médio. Esse ambiente, combinado com as políticas monetárias frouxas nos países avançados, gera um panorama bastante preocupante para a inflação global.

Inserido em um mundo de ambiente inflacionário mais hostil, o Brasil não pode sustentar o peso dos seus desequilíbrios internos sem elevar substancialmente os riscos de um maior descontrole da inflação. É hora, portanto, de restaurar a leveza do crescimento brasileiro por meio dos cortes de gastos anunciados e dos ajustes monetários e creditícios. Disso é que depende a sustentabilidade futura da expansão da renda e dos ganhos de bem-estar para a população.

MONICA BAUMGARTEN DE BOLLE Economista, professora da PUC-Rio e diretora do Iepe/CdG

ANCELMO GÓIS

Após o PIB de 7,5%
ANCELMO GÓIS
O GLOBO - 04/03/11

A um interlocutor privilegiado, Dilma desabafou esta semana: 
— Este será um ano difícil na economia. 

De mudança

O engenheiro Armando Mariante, 62 anos, vai deixar a vice- presidência do BNDES no fim de março. Foi convidado para presidir um grande banco internacional que chega a São Paulo em abril. 

Imortal da Silva
Estava escrito nos fardões que a ABL elegeria Marco Lucchesi, ontem, sem disputa, para a vaga que foi do padre Fernando de Ávila.
Mas um acadêmico gaiato deu seu voto para Felisberto da Silva, desconhecido de Bauru que há 20 anos se candidata à ABL. 

Proibido gastar
A direção do Senado adiou umas obras que faria este ano,como um novo almoxarifado e uma passarela subterrânea para ligar o arquivo à gráfica. Oficialmente, não tem relação com a decisão de Dilma de cortar R$ 50 bi do Orçamento da União. Mas nunca se sabe. 

Embaixador Nizan

Nizan Guanaes será nomeado embaixador da Boa Vontade, da Unesco. 

Folia na Chechênia
Segunda de carnaval, Romário vai estar na Chechênia, pedaço da Rússia com nome que lembra palavrão, onde há um forte movimento separatista. Participará de um jogo com craques da seleção de 1994.

De camarote
Ronaldinho Carioca, perdão, Ronaldinho Gaúcho decidiu comprar seu próprio camarote na Sapucaí. Quer assistir aos desfiles das escolas, pela primeira vez, ao lado de sua família, que vem do Sul.

Conspiração, uai

A carioca Conspiração Filmes, depois de abrir uma filial em São Paulo com estrutura igual à do Rio, toma agora os caminhos de Minas. 

Uma equipe de quase 30 
pessoas começa a ocupar um prédio e um estúdio próprio em Betim, onde a produtora já tem um cliente, a Fiat. O FMI e os pobres
Foi-se o tempo em que o FMI tinha fama de indiferente em relação aos mais pobres. Ontem, em entrevista a Míriam Leitão, no “Espaço Aberto”, da Globo News, Dominique Strauss-Kahn, o diretor do FMI, mostrou-se preocupado com a possibilidade de a volta do crescimento concentrar renda.

Pinga na folia
O piloto Nelsinho Piquet também é empresário. Lançará a marca de cachaça B no carnaval baiano, no Camarote Expresso 2222, de Flora Gil.

Que m... é essa?
A Petrobras fechou um acordo com o governo Cabral para construir uma nova estação de tratamento no Rio Irajá, que deságua na Baía de Guanabara. Coisa de uns R$ 30 milhões. 

P & G no Rio
A Procter & Gamble, gigante dos cosméticos, anuncia hoje novos investimentos no Rio. Serão gastos R$ 35 milhões na expansão das unidades em Itatiaia e Queimados e R$ 80 milhões na construção de uma fábrica em Seropédica.

Amor de carnaval
O casal Marcele Bessa, 33 anos, e Renato Onofre, 30, vai oficializar seu matrimônio, domingo, às 8h, no... cortejo do Cordão do Boitatá, na Praça XV, no Rio. Os noivos levarão seis casais de padrinhos e 100 convidados. O traje, claro, é a fantasia. 

População LGBT
O coordenador do Programa Estadual Rio sem Homofobia, Cláudio Nascimento, reúne-se hoje com delegados de polícia. Vai tratar do esquema de segurança para a população LGBT no carnaval, da abordagem policial e da capacitação dos PMs em relação à homofobia. 

Cena carioca
De um taxista que ouvia música de carnaval bem alta, no trajeto Barra-Ipanema, no Rio, ontem de manhã, irritado com o pedido da passageira, parceira da coluna, para abaixar um pouco o volume, pois precisava resolver um assunto de trabalho no celular: — A senhora ainda está trabalhando!? Já é carnaval, pô...

GOSTOSA

ROGÉRIO FURQUIM WERNECK

Malabarismo na Fazenda

ROGÉRIO FURQUIM WERNECK
O Globo - 04/03/2011

Esforços bem-sucedidos de contenção de gasto público requerem muito mais do que anúncios espalhafatosos de cortes de dispêndio. Exigem determinação e tenacidade, para que as intenções de austeridade não se esvaiam ao longo do ano, ao sabor das pressões políticas, no dia a dia da disputa orçamentária. Se o governo não tiver clareza sobre a razão do programa de corte de dispêndio e convicção sobre sua necessidade, é difícil que o esforço de contenção de gastos possa ser levado a bom termo.

Os excessos de 2010 legaram ao novo governo um quadro problemático de sobreaquecimento da economia, que terá de ser superado para que a inflação possa ser trazida de volta à meta. Seria muito bom para o País se, ao lidar com o desafio de arrefecer a demanda, o Banco Central pudesse contar com alguma ajuda pelo lado da política fiscal.

É esse diagnóstico, respaldado por amplo consenso, que parece ter inspirado o anúncio de corte de gastos feito pelo governo. Mas tudo indica que a inspiração foi mais do Planalto - ou, mais especificamente, da Casa Civil - do que do Ministério da Fazenda. A impressão que se tem é que, embora até venha tentando manter as aparências, a equipe da Fazenda não tem conseguido disfarçar suas resistências à inflexão de política fiscal que os cortes sugerem.


Em entrevista ao Estado de 26/2/2011, o secretário do Tesouro Nacional fez um diagnóstico bem diferente do quadro inflacionário, que não reconhece os efeitos deletérios dos excessos de 2010. "O motivo pelo qual a inflação teve crescimento tem a ver com fatores externos, a alta das commodities. Mas eu acho que a política fiscal pode ajudar a equilibrar a inflação. Embora ela não seja a origem dessa inflação, pode ajudar. Não temos intenção de reduzir o investimento, porque seu aumento tem efeito anti-inflacionário. A política fiscal expansionista de 2009 e do início de 2010 foi correta e necessária para o País retomar o crescimento. Não acho que ela causou, por si só, desequilíbrios inflacionários."

O ministro Guido Mantega tem opinião similar. É bem sabido que o ministro nutre visão um tanto peculiar da relação entre as políticas fiscal e monetária. Há pouco mais de quatro meses, por exemplo, saiu-se com uma declaração terminante sobre isso. "Não tem nada a ver uma coisa com a outra. Essa história de dizer: "Faz ajuste fiscal que vai baixar o juros" é um equívoco, é não entender o sistema de metas de inflação." ("Folha de S.Paulo", 25/10/2010). Não há sinal de que tenha mudado de ideia. Na longa entrevista concedida à "Folha de S.Paulo" na semana passada (disponível na íntegra em folha.com.br/po881514), foi-lhe perguntado a certa altura: "Se a inflação está sob controle por que é preciso cortar [gastos]?" A resposta do ministro não poderia ter sido mais esclarecedora: "Eu falei que tem que cortar por causa da inflação?" De fato, não tinha falado.

É bem possível que a resistência do ministro da Fazenda a vincular a contenção de gastos ao combate à inflação provenha, em parte, de entendimento equivocado das relações que pautam a condução da política macroeconômica. Mas é bom também ter em conta que, por razões óbvias, Guido Mantega atribui hoje custo político proibitivo a reconhecer que o quadro de aceleração inflacionária com que hoje se debate o País advém, em grande medida, dos excessos fiscais de 2010, com os quais está comprometido até os ossos. O certo é que o ministro da Fazenda tem-se recusado a associar a contenção de gastos ao combate à inflação. Para grande irritação do Planalto. Na reunião com os líderes da base aliada nessa semana, a presidente fez questão de deixar claro que os cortes foram para ajudar a impedir a volta da inflação.

Em qualquer esforço de corte de gastos, o ministro da Fazenda e o secretário do Tesouro são os guardiões que, no embate diário dentro do governo, mantêm a integridade das metas fiscais. Sem que mostrem um mínimo de convicção sobre a necessidade dos cortes, é muito difícil que o programa de contenção de gastos possa ser cumprido.

ROGÉRIO FURQUIM WERNECK é professor de economia da PUC-RJ .

LUIZ GARCIA

Mais uma

LUIZ GARCIA
O Globo - 04/03/2011

O jornal registra, com visível e talvez inevitável indignação, o fato de que a recém-criada comissão especial de reforma política da Câmara dos Deputados, incumbida de produzir projetos de lei para balizar o financiamento público de campanhas, inclui parlamentares da bancada dos fichas-sujas.

O grupo é formado por políticos que foram ou estão sendo investigados por mau comportamento coletivo ou individual, diretamente associado à carreira política de cada um. Teria seu presidente de honra - que essa palavra pudesse ser usada sem provocar amargas gargalhadas na arquibancada - na figura impar de um velho conhecido de nós todos: Paulo Maluf, do PP. Do seu prontuário recente consta uma condenação por uma câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo por improbidade administrativa quando prefeito de São Paulo. Chegou a ser enquadrado na Lei da Ficha Limpa, mas o tribunal reviu a decisão.

Outros 40 fichas-sujas respondem ao famoso processo do mensalão, provocado por denúncia de Roberto Jefferson, então presidente do PTB. Eram parlamentares de diversos partidos que receberiam uma mesada para apoiar o Governo Lula, então no primeiro mandato. O processo começou em 2005, a Procuradoria Geral da República apresentou denúncia em abril de 2006, tudo deve terminar pontualmente SLQ - ou seja, sabe-se lá quando.

Antes disso, os fichas-sujas são obviamente intocáveis. Mas não deixa de ser um gesto de humor negro por parte dos comandos das bancadas incluir esse time no grupo incumbido de criar leis que disciplinarão questões éticas de grande importância. Alguns diriam que é algo parecido como convidar a raposa para escolher o aramado do galinheiro. Mas sempre se pode argumentar que raposas - por interesse próprio, naturalmente - entendem à beça de galinheiros.

Note-se, a propósito, que a bancada dos fichas-turvas (neologismo um pouco mais generoso: tem gente que até pode achar elogio) é multipartidária, incluindo representantes de PP, PR, PT, PSDB e outros. E, finalmente, um argumento talvez decisivo para devolver o sorriso a eleitores entristecidos pode ser o fato de que esta é a apenas mais uma na série de tentativas de reformas políticas estudadas no Congresso. Nenhuma das precedentes teve vida longa. Esta - oremos - pode ser apenas mais uma.

CARNAVAL

MÍRIAM LEITÃO

Um novo FMI?
MIRIAM LEITÃO
O GLOBO - 04/03/11
O diretor-gerente do FMI, Dominique Strauss-Kahn, acha que em relação aos recentes levantes da África o mundo deve primeiro comemorar o grande passo à frente em termos de liberdade, e só depois se preocupar com o impacto dos eventos na economia global. Strauss-Kahn fez ontem uma rápida visita ao Brasil e eu o entrevistei. Ele acha que o país corria risco de superaquecimento da economia.

Strauss-Kahn pode vir a ser candidato à presidência da França em 2012. Mas não adianta perguntar isso. Ele corta com uma resposta seca:

- Atualmente, sou o diretor-gerente do FMI e trabalho apenas nisso e só isso me interessa.

O Fundo, que encarnava o bicho-papão durante os anos 1980 na crise da América Latina, foi o primeiro a mandar os governos aumentarem os gastos na época da crise financeira. A crise mundial de 2008 fortaleceu o FMI, que já parecia sem uma função, mas revelou ao mundo sua contradição: tolerância com os enormes déficits públicos dos países ricos.

Dominique Strauss-Kahn me disse, na entrevista que fiz com ele para o Espaço Aberto da Globonews, que eu deveria perguntar aos cidadãos da Grécia ou da Irlanda, que estão nas ruas em protesto contra o FMI, se o Fundo agora é moderado nas suas cobranças:

- O papel do FMI foi completamente renovado. Durante a última década, o senso comum era que o FMI não era mais necessário. Na crise, houve necessidade de coordenação do estímulo e o FMI era a melhor instituição para fazê-lo. As pessoas perceberam que somos uma espécie de bombeiro. Quando não há um incêndio, diz-se que é inútil, mas quando o incêndio retorna, fica-se muito feliz em ter o bombeiro.

Ele argumenta que a diferença é que agora o Fundo sugeriu que países que tivessem margem de manobra aumentassem os gastos para evitar uma nova grande depressão:

- Tivemos sim uma crise, mas não tão séria como a Grande Depressão. Por quê? Porque muitos países fizeram o que o FMI pediu, que foi ter um estímulo, inclusive o Brasil. Para alguns países era impossível porque eles já estavam à beira do precipício.

Perguntei sobre a situação brasileira: gastos públicos altos, inflação subindo e uma das mais altas taxas de juros do mundo:

- A América Latina passou bem pela crise. Esse foi o caso do Brasil. Agora, há dois riscos. O primeiro é o do superaquecimento. Esta manhã, os dados oficiais para 2010 foram divulgados, crescimento de 7,5%, o melhor resultado em 25 anos. Isso é fantástico, mas é hora de desacelerar. Por isso, é preciso uma política fiscal mais rígida. O problema estrutural do Brasil é a falta de poupança, tanto pública quanto privada. O segundo risco para a maioria das economias na América Latina é o crescimento em que as desigualdades aumentam. É preciso retirar as pessoas da pobreza, como tem acontecido com o Bolsa Família no Brasil. Se esses dois objetivos forem alcançados ao mesmo tempo, então o futuro do país será promissor.

Perguntei se o relaxamento monetário dos EUA não era a velha prática de imprimir moeda, e se era justo que a política monetária deles criasse desequilíbrios em países como o Brasil, como a supervalorização da moeda:

- O problema é o seguinte: estamos em um mundo onde os diferentes países tentam encontrar solução própria para o problema global, e isso é ruim. Não existe uma solução doméstica para um problema global e essa é uma das lições desta crise. Você está certa ao dizer que a maneira que os EUA tentaram alavancar o crescimento, por meio do relaxamento monetário, pode ter efeitos sobre o resto do mundo. Por outro lado, se os EUA não crescerem, os efeitos sobre o resto do mundo serão ainda piores.

Ele admitiu que a moeda chinesa está desvalorizada mas acredita que é um erro achar que todos os problemas do mundo vão desaparecer se o valor do iuan for corrigido:

- Se você tivesse, ou eu tivesse, ou o FMI tivesse uma varinha mágica ou uma bala de prata para mudar o valor da moeda chinesa da noite para o dia, isso realmente ajudaria, mas não resolveria a situação de desequilíbrio.

Para o diretor do FMI, a globalização não é mais apenas um tema para livros e teses:

- Acredito que um indivíduo em São Paulo ou em Londres ou em Déli, na Índia, entendeu, com a crise, que a globalização é uma realidade. Pode-se gostar ou não, mas é a realidade.

Neste contexto foi que perguntei sobre a crise da África e o risco de adiar a recuperação global:

- Antes da questão da incerteza econômica, é um avanço importante em direção à liberdade e é isso que devemos comemorar e tentar ajudá-los. É claro que existem consequências econômicas para os próprios países e para a economia global. O canal de transmissão é o preço da energia. Depende da duração.

Perguntei se é justo banqueiros fazerem tudo que quiserem impunemente:

- Bancos podem falir. Resgatam-se bancos para proteger o sistema financeiro e as economias das pessoas. Então acredito que foi correto socorrer o setor financeiro. Ao mesmo tempo, é preciso tributar o setor financeiro para criar um fundo. Socorrer os bancos e depois assistir aos banqueiros receberem enormes bônus é um escândalo.

Ele acha que os países mais frágeis da Europa, como Grécia e Irlanda, conseguirão evitar a moratória da dívida externa pública.

Não chegou a ser gravado, mas perguntei a ele sobre o relatório do escritório de avaliação independente do FMI criticando a atuação do Fundo por não prever a crise mundial. Ele respondeu que se tivesse escrito o relatório teria sido ainda mais duro.

FRANCISCO EDUARDO PIRES DE SOUZA

Para comemorar... e refletir
FRANCISCO EDUARDO PIRES DE SOUZA
O GLOBO - 04/03/11
O PIB cresceu, em 2010, a uma taxa que supera em 2,5 pontos percentuais o resultado estimado pelo FMI para a economia mundial. Verdade que a base de comparação é baixa. Mas, no caso da economia mundial, ela também o é. Não dá para atribuir o resultado a fatores externos. O mérito principal é de origem doméstica: da política anticíclica adotada pelo governo e dos fundamentos econômicos sólidos construídos durante um longo período.

O crescimento de 7,5% representou também a retomada do ciclo de expansão iniciado em 2004. Podemos contar agora um período de sete anos completos com taxa média anual de expansão de 4,4%.

Igualmente importante foi o desempenho da formação bruta de capital fixo: cresceu 21,8%, elevando a taxa de investimento para 18,4% do PIB em 2010. E mais, descontando-se a queda relativa dos preços dos bens de investimento, isto é, calculando a preços de 2008, a taxa de investimento chega a 19,6%, superando o valor pré-crise.

Em suma, são resultados para comemorar. Mas, olhando para frente, há obstáculos importantes a serem superados para manter um ritmo de crescimento satisfatório.

Observe-se primeiro o que vem ocorrendo pela ótica da oferta: um encolhimento da indústria de transformação frente aos demais setores. Nos últimos dois trimestres, o produto industrial sofreu queda de 2%, baixando a um nível 3,5% inferior ao do pico pré-crise (terceiro trimestre de 2008), apesar da demanda aquecida. Há aqui um grande desafio: a perda de competitividade internacional, num contexto de câmbio muito apreciado.

Em contrapartida, o setor de serviços vem crescendo de forma sustentável. Comparando-se o último trimestre de 2010 com o pico pré-crise internacional, verifica-se que esse setor deu uma contribuição de 5,9 pontos percentuais para o crescimento da economia. Como o PIB cresceu 5,6%, a contribuição conjunta dos demais setores foi negativa. Surge então a questão de se é possível a economia continuar crescendo a um ritmo elevado, a longo prazo, puxada pelo setor de serviços.

Ainda pelo lado da oferta, o dinamismo do PIB foi acompanhado por uma expansão do emprego de quase 3%. A economia começou, então, a dar sinais de estar próxima do pleno emprego. Reside aqui mais um desafio. Há um novo limite para o crescimento, até então desconsiderado no caso brasileiro: a disponibilidade de trabalhadores. Com estoque limitado de mão de obra, o crescimento passa a depender mais do aumento da produtividade. Como elevar substancialmente a produtividade numa economia puxada pelos serviços?

Contudo, para avançar a um ritmo médio de 5% nos próximos anos, sem pressionar a inflação ou as contas externas, não basta aumentar a produtividade. O estoque de capital também tem que crescer substancialmente para que a oferta acompanhe a demanda. Pode-se estimar que a taxa de investimento tenha que subir para algo próximo de 23% do PIB.

Surge um velho e conhecido risco: mantida a atual taxa de poupança doméstica, de 16,5%, a poupança externa (déficit em transações correntes) teria que se elevar para 6,5% do PIB para financiar o investimento. Um déficit desta magnitude colocaria a economia numa perigosa situação de vulnerabilidade. Para evitá-la, seria necessário que a poupança interna crescesse significativamente como proporção do PIB. Ou seja, o consumo do governo e das famílias teria de crescer menos que a renda. Uma tarefa difícil. Nos últimos dois anos, o consumo agregado cresceu 5,1% a.a., contra 3,3% a.a. para o PIB. No ano passado, a equação melhorou (6,1% x 7,5% para o PIB), mas, ainda assim, menos que o necessário, dado o aumento do investimento. A notícia boa é que o governo vem tomando medidas para enfrentar o problema (nas áreas fiscal e de crédito).

Por fim, não basta abrir espaço, via aumento da poupança doméstica, para reduzir o déficit em conta-corrente. É necessário que os preços relativos forneçam os incentivos para que exportadores vendam mais ao exterior e produtores domésticos ampliem sua fatia no mercado interno. Este talvez seja o desafio mais difícil de ser enfrentado.

FRANCISCO EDUARDO PIRES DE SOUZA Professor da UFRJ e assessor da Diretoria de Planejamento do BNDES

GOSTOSA

MÔNICA BERGAMO

MARIA DO RECO-RECO
MÔNICA BERGAMO
FOLHA DE SÃO PAULO - 04/03/11

A cantora Maria Rita estreia hoje como madrinha de bateria no Carnaval, pela Vai-Vai, em SP. Para isso, intensificou a malhação. "Tenho dançado todos os dias", diz. "Tô nervosa, achando tudo surreal, mas felicíssima com o carinho com o qual sou recebida pela bateria, pela diretoria." O fato de poder ser julgada pela aparência não a incomoda. "Passo por isso na minha carreira, no meu dia a dia. Foco no carinho da bateria e sei que eles sabem o quão honrada estou e que darei tudo o que tenho em mim por eles."

FIELZÃO SÓ EM MAIO
As obras do estádio do Corinthians em Itaquera têm nova data para começar: fim de abril ou, mais provável, começo de maio. Nada foi tocado ainda por causa das chuvas, argumentam responsáveis pela construção. Em dezembro, o presidente do clube, Andres Sanchez, prometeu aos torcedores que o "Fielzão" começaria a sair do chão em março.

MAQUETE
E já está praticamente batido o martelo: dos 65 mil lugares que a Fifa exige para que o estádio abrigue a Copa de 2014, cerca de 15 mil devem ser provisórios. Ainda assim, custarão R$ 20 milhões. Depois do evento, serão desmontados e o Timão ficará com o estádio que imaginou: entre 45 e 48 mil lugares.

BLINDADO
Na falta de um investidor, a Odebrecht, responsável pelo estádio, topa bancar os R$ 250 milhões que faltam para a construção, com incentivos da Prefeitura de SP. E será reembolsada pelo Corinthians, acreditando que o clube pode chegar a uma receita de R$ 100 milhões por ano com bilheteria, aluguel de camarotes, restaurantes e estacionamento. O dinheiro iria para uma conta "blindada", de onde o Timão só poderia sacar mensalmente depois de pagar as parcelas da dívida com a empreiteira.

CIRCO É CULTURA

Tiririca deve apresentar projetos ligados ao circo no Congresso. Ele foi procurado por artistas do picadeiro para defender propostas como, por exemplo, direito a assistência médica nas cidades em que espetam a sua lona.

PEIXE GRANDE
Luciano Coutinho, presidente do BNDES, jantou no domingo com o primeiro-ministro de Portugal, José Sócrates, no Palácio de São Bento, em Lisboa. Ele foi ao país para se encontrar com acionistas da Portugal Telecom, nova associada da Oi.

MUSEU DE NOVIDADES
O artista plástico Vik Muniz abriu sua mostra "Relicário", nesta semana, no Instituto Tomie Ohtake, ao lado da namorada, Malu Barreto. O arquiteto Ruy Ohtake e o produtor Pedro Igor Alcântara, entre outros, passearam pela exposição.

PONTO INICIAL
A artista plástica Elisa Bracher abriu a exposição "Ponto Final" anteontem, na galeria Millan, na Vila Madalena. O banqueiro Fernão Bracher, pai de Elisa, e Teresa Bracher, presidente da ACTC (Associação de Assistência à Criança e ao Adolescente Cardíacos e aos Transplantados do Coração), estavam entre os convidados.

FREIO DE ARRUMAÇÃO
A FMU (Faculdades Metropolitanas Unidas) trocou a coordenação de seu curso de Direito depois de ter tirado nota 2 no Enade. Outros 13 professores foram demitidos. O vice-reitor Arthur Sperandéo diz que eles foram substituídos por profissionais com mestrado e doutorado.

REPETECO
Assaltos em série assustaram frequentadores dos restaurantes da rua Amauri, no Itaim, há alguns dias. Um cliente do Magari viu uma aglomeração de PMs no Parigi, na quarta da semana passada, e foi ver do que se tratava: ladrões numa moto haviam surrupiado o relógio de um freguês. Minutos depois, ele partiu em seu Bentley. Antes de chegar na avenida Faria Lima, foi assaltado -também por motoqueiros.

PRONTUÁRIO
O Conselho Nacional de Justiça fará uma pesquisa para medir a reincidência de ex-presidiários na criminalidade. O levantamento será feito em SP, Minas, Paraná, Rio Grande do Sul e Rio, que concentram 62% da população carcerária. O CNJ usará os dados para aferir a eficácia de seu programa Começar de Novo, que promove capacitação e inserção de presos no mercado de trabalho.

PROSECCO

A atriz italiana Maria Grazia Cucinotta vem a SP no dia 10 para a apresentação de um projeto que pretende filmar, em parceria com brasileiros, o que seria a "continuação" de "8 1/ 2", de Federico Fellini. Convidada pelo Instituto Italiano de Cultura e pelo Dante Alighieri, participa de sessão especial de "O Carteiro e o Poeta", longa no qual atuou. Antes, curte o Carnaval em Salvador.

DUAS PONTAS
O empresário Marcus Buaiz fez a ponte entre Sandy e a Mood, agência que assina os comerciais da Devassa estrelados por ela.

CURTO-CIRCUITO

A organização Médicos sem Fronteiras inaugura hoje a exposição interativa "Experiências de Vida", no shopping West Plaza.

José Victor Oliva comemora seu aniversário no domingo, na primeira noite do Camarote Brahma, no Rio.

As atrizes Glória Pires e Cássia Kiss Magro devem assistir aos desfiles na Sapucaí no camarote Rio, Samba e Carnaval.

O clube Glória promove hoje a festa "Wolf Wolf Masquerade". Classificação: 18 anos.

O designer Antonio Bernardo ganhou, em Munique, o prêmio Inhorgenta pela lapidação do brinco Prisma.

A banda Taboo se apresenta no sábado no bar Charles Edward. Classificação: 18 anos.

com DIÓGENES CAMPANHA, LÍGIA MESQUITA e THAIS BILENKY