quinta-feira, fevereiro 10, 2011

LUIS FERNANDO VERISSIMO

Sandor Krasna
VERISSIMO
O GLOBO- 10/02/11

Vá explicar. Uma vez inventei um nome para um personagem de uma crônica e depois me disseram que alguém com o mesmo nome tinha começado a trabalhar na administração do jornal, dias antes. No meu romance Os Espiões há um personagem duplamente fictício – uma escritora húngara inventada por um personagem inventado por mim – que eu chamei de Ivona Gabor. Recebi uma correspondência com fotos de uma Ivona Gabor de quem eu nunca tinha ouvido falar. Húngara também, mas cantora.
Até aí, coincidências perfeitamente normais. O nome do cara que começara a trabalhar no jornal não era incomum, e Gabor, graças às irmãs Eva e Zza Zza, que se destacaram pelo numero de casamentos mais do que por qualquer talento discernível, era um sobrenome famoso. Mas há dias chegou um e-mail de um alemão que mora na Inglaterra querendo saber se eu era o autor de uma história que ele tinha lido em O Estado de São Paulo, publicada em abril de 2000 e chamada Até Onde se Sabe. Confirmei a autoria, temendo que ele exigisse um pedido de desculpas, já que o texto era uma grande bobagem. Mas o que lhe chamara a atenção era o nome do personagem da história: Sandor Krasna. De onde eu o tirara? Inventei, respondi. E ele então me sugeriu que procurasse “Sandor Krasna” no Google.
Procurei, e mergulhei num abismo. Se entendi bem, Sandor Krasna era o nome de um personagem num filme do Chris Marker, Sans Soleil, um fotógrafo fictício que não aparece, só manda cartas. Mas descobri que “Sandor Krasna” também era um pseudônimo usado por Chris Marker – cujo nome verdadeiro não é Chris Marker. Tudo bem, mas entre as outras referências a Sandor Krasna no Google (mais de 200 mil!) há, inclusive, fotos atribuídas a ele, não sei se na capacidade de personagem do Chris Marker que ganhou vida própria ou de alguém que adotou o nome – se não forem do próprio Chris Marker usando o pseudônimo. Há também citações de frases e teses de Sandor Krasna.
Para uma figura fictícia, Sandor Krasna circulou muito. Ou ainda circula.
Nunca vi o filme do Chris Marker. Nunca li nada a respeito do filme do Chris Marker antes de consultar o Google. Não sei de onde tirei o “Sandor Krasna”. Meu correspondente alemão acha que não há coincidência, que Sandor Krasna pode ser uma entidade etérea que, de alguma maneira, está nos usando para existir. Não sei. Ele, o correspondente, também é uma figura misteriosa. Diz que aprendeu a ler em português no Cabo Verde. Que faz alguma coisa ligada à segurançada informática. E não quis que eu citasse seu nome nesta crônica. Talvez seja um pseudônimo do Sandor Krasna. Vá explicar.

PASQUALE CIPRO NETO

A senadora e o feminino de presidente
PASQUALE CIPRO NETO
Folha de S. Paulo - 10/02/2011

A SENADORA MARTA SUPLICY interrompeu o presidente da Casa para "corrigi-lo". José Sarney usou a forma "presidente" para referir-se a Dilma Rousseff; Marta o interrompeu ("Pela ordem, senhor presidente: presidenta da República", disse ela a Sarney, que, em seguida, disse à senadora que as duas formas são corretas gramaticalmente). O fato é que Dilma Rousseff assumiu há 41 dias, e a polêmica continua, como continuam as manifestações a respeito do tema, algumas descabidas.
Já expliquei aqui que a terminação "-nte", presente em inúmeras palavras portuguesas, espanholas e italianas (e também inglesas e francesas, em que passa a "-nt" -em inglês, "presidente" é "president"; em francês, "président"), vem do particípio presente latino. Seu valor, em nossa língua e nas outras, é o de indicar o agente ("presidente" é "aquele/a que preside").
Também já disse que 99,99% das palavras terminadas em "-nte" têm forma única para o masculino e para o feminino. A mulher que gere (sim, "gere", do verbo "gerir", sinônimo de "gerenciar") uma agência bancária, por exemplo, não é gerenta; é gerente (gerenta, aliás, parece ter um certo tom pejorativo, não?).
A forma "presidenta" é uma das raras exceções, registrada -há muito- por vários dicionários (desde o de Cândido Figueiredo, por exemplo, publicado há quase um século). Outra das exceções, também antiga, é "infanta" ("1. Em Portugal ou Espanha, filha de reis que não é herdeira da coroa"; "2. Esposa do infante", explica o "Houaiss", que define "infante", no caso, como "Em Portugal e Espanha, filho de reis, porém não herdeiro do trono").
"Presidenta" é uma variante de "presidente", que, como as demais palavras terminadas em "-nte", é "substantivo ou adjetivo de dois gêneros". Em outras palavras, tanto faz, ou seja, pode-se empregar "a presidente Dilma Rousseff" ou "a presidenta Dilma Rousseff".
Pois bem. O fato de haver registro de "presidenta" certamente decorre do fato de haver uso dessa forma (os dicionários não inventam palavras; registram as que ocorrem no corpus definido para a pesquisa). Mas a existência da variante de uma palavra não dá a ninguém o direito de exigir dos outros o uso dessa variante, muito menos o direito de corrigir quem não a usa, mas...
Posto isso, talvez pudéssemos trocar dois dedos de prosa sobre os possíveis motivos do pito que Marta deu em Sarney. Poder-se-ia pensar que o pito tem tom feminista, mas, como esse campo é minadíssimo, explosivo, prefiro não entrar nele.
Outra hipótese (talvez mais consistente) está em que, com o pito, Marta contesta o fato de que, ao empregar "a presidente", o presidente do Senado ignora o opção de Dilma Roussef por "presidenta". Aí o terreno se torna movediço...
Aproveito o mote para lembrar outros vocábulos que terminam em "-nte", como "adolescente" e "valente", que derivam, respectivamente, dos verbos "adolescer" e "valer". Sim, "adolescente" é "aquele/a que adolesce", assim como "valente" é "aquele/a que vale".
O caro leitor já empregou alguma forma de "adolescer"? Já disse a um de seus filhos algo como "Pobre de mim quando você adolescer!"? Elaiá! Certamente, não. O mais comum é algo como "Pobre de mim quando você entrar na adolescência!", não? Isso prova (mais uma vez) que nem sempre temos noção da relação que há entre as palavras ou de seu processo de formação.
Antes que me esqueça, "adolescer" vem do latim, em que significa "desenvolver-se, crescer". É isso.

CLÓVIS ROSSI

O xerife confessa o fracasso 
CLÓVIS ROSSI 


Folha de São Paulo - 10/02/11

SÃO PAULO - Saiu ontem um relatório simplesmente devastador sobre o papel do FMI (Fundo Monetário Internacional) nas vésperas da crise 2008/09.
O IEO (sigla em inglês para Escritório de Avaliação Independente) produziu um trabalho denso e imperdível para quem queira entender a crise, a mais grave desde o colapso de 1929.
Algumas frases bastam para ter uma ideia do fracasso do FMI:
"O FMI forneceu, antes da eclosão da crise, poucas advertências claras sobre os riscos e a vulnerabilidade associadas com ela. A mensagem básica era de otimismo contínuo depois de mais de uma década de condições econômicas benignas e baixa volatilidade macroeconômica", diz o texto.
Traduzindo para português claro: o xerife dormiu no ponto.
Mais: "O FMI, em sua vigilância bilateral sobre os Estados Unidos e o Reino Unido, endossou em grande medida políticas e práticas financeiras que eram vistas como estimulantes de rápida inovação e crescimento. A crença em que os mercados financeiros eram fundamentalmente sadios e que grandes instituições financeiras poderiam enfrentar qualquer eventual problema amorteceu o sentido de urgência para enfrentar riscos ou para preocupar-se com possíveis desenlaces severamente adversos".
Traduzindo: o xerife dormia enquanto os corsários operavam a plena carga, até o colapso.
O importante agora é olhar para a frente, ainda mais que o G20 está transformando o FMI em uma espécie de secretaria-geral das finanças planetárias.
O Fundo aprendeu as lições da crise? Responde, em nome pessoal, Paulo Nogueira Batista Jr., o delegado brasileiro no FMI: "O Fundo passou por um processo de reciclagem, ainda incompleto. O relatório do IEO é importante para aprofundar esse processo de transformação". A conferir.

JOSÉ SIMÃO

Carnaval! Susana Vieira bota fogo! 
JOSÉ SIMÃO
FOLHA DE SÃO PAULO - 10/02/11

Ontem eu vi alguns carros alegóricos na TV. O mais baixo tinha 300 metros. É Carnaval em Dubai, é?


BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República!
Placa de um manifestante no Egito: "Mubarak, renuncia logo que eu preciso tomar banho". Rarará! Esse Mubarak vai pro "BBB" vencer todas as provas de resistência!
E a Hillary tá cada dia mais com cara de Maria Louca! E esta: "Imagem de TV mostra momento em que bomba explode no Iraque". Eu quero ver uma imagem de TV que mostre momento em que uma bomba NÃO explode no Iraque! Essa imagem ninguém tem. Rarará!
E direto do país da piada pronta: "Assaltante caolho é preso após bater o carro na garagem". Outra: "Prefeito de Machado, em Minas, se queixa da ausência presidencial". Como é o nome dele? Roberto ÓRFÃO! Rarará! E mais: "Presos são decapitados no Maranhão; 4 morrem". E os demais decapitados sobreviveram? Rarará!
E um leitor me mandou perguntar se as antas do "BBB" têm orgasmo ou ORGASNO? Rarará! E adivinha quem eu vi no ensaio da Grande Rio depois do incêndio? A Susana Vieira. Ai, meu deus, vai pegar fogo de novo! Bacurinha da Suzana incendeia Cidade do Samba! Rarará!
E já começaram os blocos 2011. Direto de Peruíbe: Bloco das Periquitas Molhadas. E uma amiga carioca do AMEM (Associação das Mulheres Encalhadas MESMO) vai sair no bloco Perereca Sem Dono.
E direto de Niterói: o bloco Mancando de Ré. Na hora do refrão fica todo mundo pulando num pé só e pra trás! Rarará! E, finalmente, direto de São Pedro D'Aldeia: Chupa, Mas Não Baba. Ueba! E uma amiga disse que, por causa da dengue, ela vai sair no Bloco do Repelex. Em vez de bronzeador, passa Repelex! E ontem eu vi alguns carros alegóricos na televisão. O mais baixo tinha 300 metros de altura. É Carnaval em Dubai, é? Rarará!
O Brasileiro é Cordial! Chama o Gervásio pra ser segurança de shopping em São Paulo: "Se eu pegar o cabrunco tentando assaltar joalheria de shopping em que eu trabalho, vou fazer o desgraçado comer vidro moído até obrar um solitário de 100 quilates". Rarará! Ou então assim: "Idosa impede assalto a joalheria no Reino Unido a bolsadas!". Segurança Vuitton! Rarará!
A situação tá ficando egípcia. Nóis sofre, mas nóis goza
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

ELIANE CANTANHÊDE

Quem te ouviu, quem te ouve
Eliane Cantanhêde
FOLHA DE SÃO PAULO - 10/02/11


Lula voltou ontem a Brasília, pela primeira vez depois de descer a rampa do Palácio do Planalto, para a festa de hoje dos 31 anos do PT e para aproveitar o embalo e recuperar um pouco dos holofotes e microfones perdidos. Aliás, ele nem esperou chegar.


No Senegal, onde estava para o Fórum Social Mundial, ele descascou as centrais sindicais por estarem azucrinando Dilma por um salário mínimo maior do que os anunciados R$ 545. Segundo Lula, é "oportunismo" das centrais.


Vamos pensar juntos: depois de começar a carreira política como líder sindical, depois de ter passado boa parte da vida azucrinando governos e patrões por maiores salários, depois de ter feito todo o discurso pró-pobres e pró-assalariados e depois de ter virado presidente da República à custa de tudo isso, Lula tinha o direito de desautorizar e criticar sindicalistas pelo justo direito de reivindicação?


Ainda no Senegal, Lula apoiou os protestos contra o ditador Hosni Mubarak e acusou as "grandes potências" de terem sustentado o regime, quando, segundo ele, todo o mundo já sabia que era preciso instalar a democracia no Egito.


Vamos pensar juntos de novo: Lula tinha o direito de posar de humanista e de apontar o dedo contra quaisquer outros países, potências ou não, depois de dizer numa viagem oficial ao Egito, em dezembro de 2003, que "o presidente Mubarak é um homem preocupado com a paz no mundo, com o fim dos conflitos, com o desenvolvimento e com a justiça social?"


Lula deveria aproveitar melhor as férias, os estádios de futebol e a distância do poder. Não apenas porque vivia falando que ex-presidente tem de ficar calado, mas porque tudo o que fala se volta contra ele como um bumerangue.


Oportunismo por oportunismo, nada pode ser pior do que manifestar opiniões ao sabor do momento, da circunstância, dos interlocutores. É coisa típica de cara de pau.

GOSTOSA

JANIO DE FREITAS

Pendências por aí
JANIO DE FREITAS
FOLHA DE SÃO PAULO - 10/02/11

João e Janete Capiberibe poderiam comprar muitos votos, mas os dois de que são acusados de ter comprado não são base para cassação


ENTRE OS esclarecimentos pendentes, e de futuro tão incerto quanto o seu passado, os devidos por um alto tribunal, a propósito dos danos e desvios que causou à vida de duas pessoas, ficam muito bem na posição de precedência. Afinal de contas, há quase dez anos os sucessivos integrantes do Tribunal Superior Eleitoral são alertados para as estranhezas do caso, sem que lhe dedicassem mais do que o corriqueiro, com grande probabilidade de errado e injusto, em duas ocasiões.
Eleitos senador e deputada em 2002 pelo Amapá, João e Janete Capiberibe são acusados do crime eleitoral de compra de votos e cassados, ele em 2005, ela em 2006. Como prova do crime, os depoimentos de duas mulheres socialmente humildes, que disseram haver recebido por seu voto.
Nada mais do que duas pessoas, em todo o Estado, como testemunhas. E nenhum elemento de convicção, nada a comprová-las. Os valores: R$ 26 para cada uma.
Nem esse quebrado sem motivo e coincidente suscitou interesse, do princípio do processo à sentença final do TSE, entre as várias inconsistências. O dono de TV e de rádio e rico suplente Gilvam Borges foi empossado para revelar-se um senador fosco, sem preparo algum.
Em junho do ano passado, Roberval Araujo, com a intimidade de cinegrafista de Gilvam Borges, denunciou que o chefe e então candidato derrotado o mandara ofertar carro e mesada a duas pessoas, para acusarem o recebimento de R$ 26 por seus votos nos Capiberibe.
A denúncia das duas valeu para cassar o senador e a deputada; a do cinegrafista não valeu nem para impedir que ambos, eleitos outra vez em outubro passado, fossem vitimados pelo TSE com base na Ficha Limpa.
Com dois novos depoimentos que acusam Gilvam Borges, feitos por ex-funcionários da TV e da rádio e relatados por Kátia Brasil na Folha de ontem, há uma clareza: o TSE é a parte a ser questionada, por sua responsabilidade nas sentenças que, antes baseadas em afirmações inconvincentes, estão desqualificadas por três testemunhos no mínimo tão válidos quanto os dois da condenação.
E há mais uma forte razão: os precedentes da chamada Justiça Eleitoral do Amapá, no caso, não são recomendáveis.
Os Capiberibe poderiam comprar milhares de votos, mas os dois de que são acusados não servem de base para um Tribunal Superior Eleitoralcassar mandatos e partes essenciais de vidas. O TSE deve esclarecer-se e esclarecer.
Militares são hostis à prestação de esclarecimentos devidos. A morte do general Urano Bacellar quando comandante da tropa da ONU no Haiti, porém, cresceu em carência de esclarecimento.
Passou de caso mal explicado de suicídio ao de crime de assassinato, segundo menção feita por ninguém menos do que o presidente da República Dominicana, Leonel Fernandez.
A versão brasileira, de que o general matou-se porque não quis atacar um bairro marginal no Haiti, como a ONU cobrava, ou é descabida ou deixaria mal o Exército.
Como generais não são do Exército, contrariamente ao que supõem os militares, são da nação, o direito de saber o que se passou é legítimo, geral e consiste em dívida com o país. Ainda mais sabendo-se que houve a volta temporã de outro general.
Consta haver inquérito da Controladoria-Geral da União sobre desatinos financeiros em Furnas, no governo passado. Constar não basta: as investigações são indispensáveis e o governo atual deve explicação pormenorizada dos fatos e responsabilidades em questão. O nível do que foi obrado em Furnas está muito acima da boca do PMDB. E não só do fluminense, como dizem.
Na lista de exigências que anuncia apresentar à Presidência ainda neste mês, o líder do PMDB na Câmara, Henrique Eduardo Alves, diz que estará a compensação pela perda de Furnas, tomada ao partido por Dilma Rousseff. Compensado tem que ser o país, pela passagem do PMDB por Furnas. E falta esclarecer muito mais dos seus rastros.

ALBERTO TAMER

Brasil-China: o que fazer?
Alberto Tamer
O Estado de S. Paulo - 10/02/11

A visita do secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Timothy Geithner, parece compor uma nova agenda da política externa americana, que busca reaproximação com o Brasil após o esfriamento das relações durante o governo Lula. Geithner aproveitou o momento para ressaltar os problemas do Brasil com seu principal parceiro comercial, mesmo porque Dilma está revendo e questiona a chamada "parceria estratégica" nas relações com a China.

Para Rodrigo Tavares Maciel, que foi durante muito tempo economista-chefe da Conselho Empresarial Brasil-China e hoje é sócio da Strategus Consultoria, as relações do Brasil com a China e os EUA precisam ser avaliadas com base em dados atuais, que mostram distorções crescentes.

"Geithner trouxe a mensagem de que Brasil e EUA precisam se alinhar para exigir da China mudança imediata em sua política cambial. Justificando a competitividade chinesa somente em razão da moeda desvalorizada - o que a maioria dos economistas especializados em China contesta -, o secretário americano procurou reforçar o coro de parte da indústria brasileira que exige mudanças nas relações com a China." Mas, pergunta ele, será que o Brasil tem condições, ou mesmo teria ganhos significativos, nessa batalha ao lado dos EUA?

Brasil pode pouco. Primeiro, afirma Maciel, é preciso analisar os números e a importância do mercado chinês para o Brasil. "Em 2010, o comércio bilateral ultrapassou US$ 53 bilhões e o Brasil manteve um superávit de US$ 5,2 bilhões. Não é nada comparado com o déficit de US$ 7,7 bilhões com os EUA nesse ano. Mais ainda, o comércio com o país asiático já representa 13,9% das nossas trocas com o mundo e o superávit de 2010 equivaleu a 38,1% do superávit total brasileiro. Realmente, diz Tavares Maciel, não me parece que o Brasil tenha peso significativo nesse comércio.

Nós e os EUA. No caso dos EUA, todos sabem da sua relevância e interdependência do mercado chinês. "Os EUA são o maior mercado para produtos chineses (ou segundo maior, se considerarmos as compras totais da União Europeia). Eles importaram o equivalente a US$ 334,1 bilhões no ano passado. O comércio bilateral superou US$ 415,8 bilhões, ou seja, cerca de 14,4% do comércio total chinês em 2010. Mais ainda, os EUA registraram déficit de US$ 252,3 bilhões com a China."

É uma situação completamente inversa à do Brasil. Ao contrário dos EUA, a grande reclamação do Brasil se refere unicamente à composição da pauta comercial sino-brasileira, acrescenta Maciel em entrevista à coluna.

"Nos últimos cinco anos, a indústria brasileira tem sido responsável por cerca de 70% do total que importamos da China. Ou seja, a própria indústria tem adquirido maquinário para renovação e expansão do parque industrial e componentes mais baratos que garantem a maior competitividade nos mercados doméstico e internacional. A não ser que defendamos a tese de verticalização total da cadeia produtiva brasileira, que resultaria em retrocesso inimaginável, a relação comercial com o país asiático também apresenta benefícios significativos à indústria que não podem ser ignorados\."

É claro, admite ele, que determinados setores, como calçados, brinquedos e vestuário, sofrem com a competição no mercado interno, "mas não podemos, nem mesmo por um só instante, culpar somente o câmbio".

Nova agenda? A agenda brasileira para a China deve ser reformulada a fim de garantir ainda maior aproximação, diálogo e negociação entre os dois países, afirma ele. "Acredito que o governo Dilma tem plena convicção da importância da relação sino-brasileira e irá adotar uma política que permita avançar quantitativamente e qualitativamente."

É isso o que pensa um respeitado analista do comércio Brasil-China. O debate está aberto. Vamos ver em próxima coluna o que pensa a Confederação Nacional da Indústria.

GOSTOSAS

HÉLIO SCHWARTSMAN

Ditadura e religião
HÉLIO SCHWARTSMAN
FOLHA DE SÃO PAULO - 10/02/11
BLOG

Não vejo mais como me furtar a um comentário sobre o Egito. A confusão ali, afinal, pode virar do avesso a geopolítica do Oriente Médio e, por extensão, a do globo.

Comecemos pelos consensos. Existe uma unanimidade no mundo árabe. É a de que os valores ocidentais não podem ser simplesmente importados e implantados sem tradução. Por isso, os países árabes precisam encontrar seu próprio caminho, que deve culminar na união de todas as nações da região. Em minha modesta interpretação, isso tem a ver com a noção de "umma". Modernamente, a palavra pode ser traduzida como "nação". Seu significado primordial, contudo, é o de "comunidade", que idealmente engloba todo o islã e à qual todo bom muçulmano deve submeter-se, sem dissenso (ou quase). O termo, que aparece 64 vezes no Alcorão, é derivado da palavra "umm", que significa "mãe". Uma alternativa de tradução à caetano Veloso seria "mátria". A concórdia para nessa ideia de diferença em relação ao Ocidente e união entre os árabes.

Para lograr esse objetivo, uma parte se voltou para o nacionalismo secular. É dessa tradição que Hosni Mubarak é herdeiro, muito embora o pan-arabismo já tenha contado com representantes mais populares, notadamente Gamal Abdel Nasser (1918-70).

O outro ramo é o dos que apostaram na religião como força unificadora. É aí que se encaixa a Irmandade Muçulmana ("al Ikhuan"). Fundada em 1928, é a primeira representante do pan-islamismo.

No Egito, os nacionalistas seculares, liderados por um grupo de jovens oficiais das Forças Armadas que incluía Nasser e Anuar al Sadat (1918-81), chegaram ao poder através do golpe de Estado que derrubou o rei Faruk 1º em 1952. O pretexto para a deposição foi a derrota dos árabes para Israel na guerra de 1948.

Explorando a ordem mundial imposta pela Guerra Fria, Nasser, que assumira a Presidência em 1956, estabeleceu uma cooperação com os soviéticos e foi incorporando elementos socialistas em sua retórica. A relação do Egito e dos árabes com a URSS, entretanto, sempre foi ambígua e cheia de idas e vindas. Uma das primeiras medidas dos jovens oficiais depois que derrubaram o rei foi eliminar os comunistas egípcios.

O próprio socialismo árabe ("al ishtirakia al arabia"), em parte abraçado por Nasser e, em maior grau, pelo partido Baath (ressurreição), forte na Síria e no Iraque, precisa ser colocado em perspectiva. Era um socialismo adaptado às necessidades, que não incluía, por exemplo, nenhum elemento de ateísmo e não buscava eliminar a propriedade privada. A ideia é que o socialismo não deveria contrapor-se aos valores tradicionais. Um socialismo nesses termos não era estranho à "umma".

Seguindo o projeto pan-árabe, Nasser ensaiou uma união com a Síria em 1958. O "novo" país se chamava República Árabe Unida. A Síria levou três anos para descobrir que tinha virado um feudo do Egito e pular fora.

Mesmo sem grandes sucessos a exibir, Nasser continuava a entusiasmar as massas árabes, no Egito e fora dele. Essa situação durou até a Guerra dos Seis Dias, em 1967, quando os exércitos árabes sofreram uma segunda e ainda mais humilhante derrota para os israelenses.

Nasser ameaçou renunciar, mas a multidão foi às ruas no Cairo para pedir que ficasse. Ficou, mas sem o brilho de antes. O pan-arabismo já entrava em decadência.

Depois da morte de Nasser, em consequência de um ataque cardíaco, em 1970, a Presidência do Egito foi ocupada por Sadat. Ele lançou mais uma guerra contra Israel --a de 1973--, perdeu e, seis anos depois, sob os auspícios dos EUA, assinou uma paz em separado com os inimigos. Em 1981, Sadat foi assassinado por radicais religiosos ligados ao Jihad Islâmico.

Nesse processo, porém, lançou as bases da cooperação com os norte-americanos. A aproximação com os soviéticos e a retórica inflamada do pan-arabismo foram paulatinamente substituídos pela substancial ajuda militar dos EUA, que hoje ultrapassa a marca do US$ 1 bilhão anuais.

Foi nesse contexto, em especial a partir dos anos 80, que a Irmandade e outros grupos religiosos ganharam espaço. Aliás, a "ameaça fundamentalista" é uma das razões a justificar o auxílio norte-americano. Por paradoxal que pareça, é um acerto que agrada a todos: os EUA podem dar dinheiro a um ditador aliado, o ditador recebe a grana com a qual satisfaz os apetites das Forças Armadas, que o mantêm no cargo, e a Irmandade, discretamente tolerada, se consolida como verdadeira oposição, tanto à ditadura como aos EUA e, por extensão, a Israel.

Voltemos, porém, às origens da Irmandade. Seu fundador, Hassan al Banna (1906-49), tinha claro quais eram seus propósitos: "Alá é nosso objetivo; o Alcorão é nossa constituição; o Profeta é nosso líder; 'Jihad' é nosso caminho; e morrer por Alá, a mais alta de nossas aspirações".

Também em seus primórdios, a Irmandade esteve associada aos nazistas. Era uma chance de combater de uma vez seus dois piores inimigos, os ingleses e os judeus que iam se fixando na Palestina.

De 1928 para cá, porém, as coisas ficaram um pouco mais complicadas. Para começar, a Irmandade cresceu. E cresceu muito. Hoje ela existe em mais de 15 países, atuando como um misto de movimento religioso, partido político e organização de auxílio aos necessitados --o que ajuda a explicar seu sucesso.

Ela existe até em Israel, onde está representada na Knesset (Parlamento). No Egito, embora tecnicamente ilegal, é bastante forte. No pleito legislativo de 2005, membros que concorreram como "independentes" obtiveram 88 cadeiras (20%) no Parlamento.

Seu braço nos territórios palestinos é o Hamas, que controla Gaza. É o único lugar onde seus representantes assumiram de fato o poder. Não chegaram a promulgar uma república islâmica, mas impuseram uma série de restrições religiosas, em especial contra as mulheres.

A questão fundamental agora é descobrir quais são os objetivos atuais da Irmandade, pois, se houver eleições livres no Egito, eles teriam grandes chances de vencer uma disputa para o Executivo e/ou de conquistar um naco substancial do Legislativo.

Parte dos analistas estima que o movimento vem passando por um processo de moderação. Eles seriam hoje como as democracias cristãs europeias na década de 70 ou como o Partido do Desenvolvimento na Turquia, originalmente religioso, mas que parece ter incorporado a democracia em seu DNA.

A favor dessa tese está o fato de que em diversas ocasiões, como o 11 de Setembro, o grupo condenou a violência (mas em muitas outras, aprovou, em especial os ataques suicidas contra israelenses). Além disso, um dos principais inimigos da Irmandade hoje é a Al Qaeda, a organização jihadista capitaneada por Ossama bin Laden.

Não obstante a recente desavença, a Irmandade, através de um de seus principais ideólogos, Said Qutb (1906-66), autor de uma obra com fortes traços antiamericanos, influencia a Al Qaeda até hoje. Seus militantes são por vezes chamados de qutbistas.

Outra parte (menor) dos analistas, porém, diz que a contenção que a Irmandade exibe atualmente é calculada e desaparecerá depois que chegarem ao poder, quando tentarão restaurar o califado.

O mais provável é que a própria organização esteja dividida em relação a seus objetivos finais. Se você entrevistar um dos porta-vozes encarregados de manter contatos com a mídia estrangeira, certamente encontrará a face moderada do movimento. Se for conversar com um pregador de rua em Ismaília, provavelmente vai se deparar com uma outra Irmandade. Resta saber qual ala prevalecerá.

De qualquer forma, não há nenhum motivo para o Egito (e os demais países árabes) não tentar instituir uma democracia autêntica, que não chega a ser incompatível com a "umma" (talvez o seja com a "sharia", a lei islâmica, e outros pontos da religião, mas não com a noção de comunidade). Não estamos, afinal, falando de tribos indígenas perdidas na Amazônia, mas de sociedades razoavelmente industrializadas, letradas e que já foram, num passado meio longínquo, o farol da humanidade. Não será, por certo, um processo fácil, como o demonstram Iraque, Líbano e territórios palestinos, os países árabes em que a população pode pelo menos expressar-se livremente nas urnas. Mas depender de ditaduras mais ou menos selvagens para conter os religiosos não é exatamente o que eu chamaria de negócio tentador.

ANCELMO GÓIS

O bolo de Dilma
ANCELMO GÓIS
O GLOBO - 10/02/11

Dilma será presença discreta, hoje, na festa de 31 anos do PT. A estrela será Lula. O combinado é a presidente só aparecer no fim, já na hora de cortar o bolo.

Apagão da Chesf
Um PhD do setor elétrico diz que o apagão no Nordeste poderia ter sido evitado se a Chesf tivesse construído, há dois anos, como prometera, uma nova subestação. A mesma fonte garante que se o problema tivesse ocorrido no fim da tarde, e não de madrugada, alcançaria o Sudeste.

Lula no Rio
 
Lula vem ao Rio semana que vem. Na agenda, encontro com Sérgio Cabral e bate-papo com Maria da Conceição Tavares e outros amigos. 

Cantei, cantei 
Hoje, Cauby Peixoto completa 80 anos. 

Brasil pandeiro 
Em Brasília, o WikiLeaks, site internacional que vaza informações de governos e empresas, virou enredo do bloco Nós Que Nos Amamos Tanto. O samba diz: “Nem vem com chilique/É um baita trambique/É o carnaval do WikiLeaks.” 

Pinga ni mim 
Carmen Aristegui, jornalista mexicana, teve seu programa de rádio censurado e suspenso porque levantou suspeitas sobre um suposto alcoolismo do presidente Felipe Calderón. Deve ser terrível viver num país onde este tipo de assunto causa tanto rebuliço.

A cruz de Ana
A ministra Ana de Hollanda não tem sossego desde que retirou do site do MinC o selo creative commons, código para dizer que o conteúdo da página está liberado para uso. Agora, entidades brasileiras e de outros países, no Fórum Social, em Dacar, fizeram documento de crítica à sua posição e querem entregar a Dilma. 

Beleza eterna

Isabelli Fontana, a linda modelo brasileira que é dona de uma genética, digamos, privilegiada, submeteu-se no laboratório Excellion, em São Paulo, a uma retirada de células-tronco. O processo, chamado “criopreservação”, consiste na armazenagem das células para eventual uso no futuro em tratamentos estéticos e de saúde. 

A musa da Brahma

Luma de Oliveira vai embolsar cerca de R$ 300 mil para ser a musa do Camarote da Brahma na Sapucaí. Merece. 

Conselho do Rio
Eduardo Paes cria hoje o Conselho do Legado da Cidade. Dez personalidades do Rio acompanharão a preparação da Copa de 2014 e das Olimpíadas de 2016. Entre elas, o arquiteto Sérgio Magalhães, a antropóloga Rosiska Darcy e o executivo José Luiz Alquéres. 

Salgado no Vasco 
Cresce a chance de o empresário Jorge Salgado se candidatar à presidência do Vasco. Além de Roberto Dinamite, que tenta a reeleição, Fernando Horta, presidente da Unidos da Tijuca, também está na disputa. 

Estação Rocinha

Sérgio Cabral vai abrir mais uma saída da futura Estação São Conrado do metrô do Rio. Ficará na Estrada da Gávea, em frente à concessionária Itavema. A primeira será em frente ao supermercado Sendas.

A outra tragédia
Pelas contas do Sindicato do Comércio Varejista de Petrópolis, o movimento na Rua Teresa e em outros polos de moda da cidade registrou queda de 80% desde a tragédia do mês passado. 

É grave a crise

Um grupo de fregueses antigos do Jobi, o querido bar do Leblon, no Rio, organizou uma intentona. Para protestar contra a tomada
de seu espaço pelos turistas e também contra o aumento do chope para R$ 5, o pessoal resolveu, praticamente, acampar na calçada em frente ao bar, munido de isopor cheio de cerveja comprada no supermercado.


ZONA FRANCA
 Didier Picquot, diretor-geral do superluxuoso Hotel La Mamounia, de Marrocos, recebe convidados para almoço hoje no Restaurante Olympe. 
 A Alerj concedeu a Medalha Tiradentes à Med-Rio Check-up, de Gilberto Ururahy.
 A festa do Simpatia, quinta, no Parada na Lapa, será animada por Sombrinha, que cantará Luiz Carlos da Vila.
 Hoje, o vice-almirante Ney Zanella dos Santos faz palestra no Fórum Empresarial da Firjan, às 15h.
 Estreia hoje a festa Flashback, no Milano Doc. 
 Oren Tatcher fala hoje no Seminário do ITDP, no Centro Cultural Correios.
 O subprefeito Bruno Ramos se reúne hoje com representantes da Associação Comercial da Gávea.

EUGÊNIO BUCCI

Quando a imprensa é uma chance para a paz
Eugênio Bucci 
O Estado de S.Paulo - 10/02/11

Antes de olharmos o que se passa na Praça Tahir, no Cairo, onde o povo se aglomera para derrubar o ditador Hosni Mubarak e jornalistas de todos os países sofrem abusos e agressões, façamos uma breve escala no passado recente. Recapitulemos, em poucos parágrafos, a Guerra do Iraque, suas mentiras e a lição sutil - ainda não assimilada - que elas nos deixou.

No dia 21 de janeiro, o ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair prestou seu segundo depoimento à Comissão Chilcot, que investiga a participação do Reino Unido na invasão do Iraque. Houve protestos na audiência. "Suas mentiras mataram meu filho!", acusou Rose Gentle, mãe de um dos 179 soldados ingleses mortos no conflito. Nomeada pelo sucessor de Blair, Gordon Brown, a comissão tem a incumbência de esclarecer as verdades e as mentiras que levaram o Reino Unido à guerra e de preparar um relatório final para o Parlamento. Há muito a ser elucidado.

Hoje se sabe que pelo menos uma mentira, uma gigantesca mentira, foi decisiva para que, nos Estados Unidos, o então presidente George W. Bush obtivesse o apoio do Congresso para atacar o Iraque: a acusação de que o ditador Saddam Hussein fabricava secretamente armas químicas de destruição em massa. Como ficaria claro, a acusação era falsa. As tropas de Bush e Blair viraram o Iraque de pernas para o ar, localizaram Saddam Hussein escondido num porão, barbudo e alquebrado, mas não acharam arma química nenhuma. Mas ainda há mistérios no episódio. Por exemplo: quando bancou essa informação, Bush sabia que mentia? A pergunta está em aberto. Segundo seu ex-assessor político Karl Rove, em seu livro Courage and Consequence, lançado no ano passado, o ex-presidente foi sincero. E quanto a Blair? No depoimento à Comissão Chilcot, ele diz lamentar as baixas, como a do filho de Rose Gentle, mas considera que a guerra teve razões justas. Na opinião dele, o planeta estaria pior do que está se Saddam Hussein não tivesse sido arrancado do poder.

A discussão será longa. E, pelo menos até agora, um dos fatos mais relevantes da escalada da guerra vai ficando na sombra: a mentira que ajudou Bush a costurar sua base entre os parlamentares americanos, e que pesou de algum modo na decisão de Blair, foi disseminada e sustentada não apenas nos gabinetes dos políticos, mas na opinião pública. Ela foi endossada por alguns dos jornais mais influentes do mundo - que, depois, reconheceriam sua falha. Se Bush e Blair erraram, grandes e respeitáveis veículos de imprensa erraram junto.

Chegamos, então, ao que deveria ser a maior lição desse episódio: a verdade deixou de ser a primeira vítima da guerra; hoje, a guerra não é mais a causa, mas a consequência da verdade vitimada. Até meados do século 20 prevaleceu como verdadeira uma frase atribuída, entre outros possíveis autores, ao senador americano Hiram Johnson (1866-1945): "Quando uma guerra começa, a primeira vítima é a verdade". Segundo a velha máxima, um país, ao entrar em conflito armado com outro, deveria aceitar de bom grado mentir sobre o inimigo e sobre si mesmo. Ganhar a guerra seria mais importante do que dizer a verdade sobre os fatos. Hoje, quando os interesses nacionais se veem obrigatoriamente mediados por algo que, em termos apressados, poderíamos chamar de um interesse público supranacional, cujo ponto mais alto é a paz, a informação jornalística já não pode ser vista ou tratada como arma de guerra. Ela é parte da base comum para o diálogo. O valor da informação jornalística situa-se acima dos cálculos dos governos, uma vez que é pré-requisito para a convivência entre as nações. Isso aumenta, é claro, a responsabilidade do jornalismo. Hoje, quando a verdade é violentada, a primeira vítima pode ser a paz. Uma grande mentira nas páginas de um grande jornal pode render, entre outras tragédias, as 179 mortes pelas quais Tony Blair diz chorar até hoje.

A conclusão é simples: se souber e puder acompanhar os fatos e documentá-los com um mínimo de honestidade e integridade, a imprensa pode ajudar a evitar abusos.

Agora voltemos à Praça Tahir, no Cairo. Nela, e no seu entorno, os apoiadores do ditador Mubarak investem contra qualquer pessoa que represente a possibilidade de diálogo entre os cidadãos. Até o representante do Google no país passou semanas encarcerado. Celulares emudeceram e depois voltaram a falar. Os jornalistas Corban Costa, da Rádio Nacional, e Gilvan Rocha, da TV Brasil, ficaram presos por 18 horas. Na segunda-feira, a Embaixada do Egito no Brasil divulgou um pedido de desculpas, lacônico. Para a tirania que tenta sobreviver no Cairo, a imprensa, qualquer imprensa, da Al-Jazira ao Estadão (cujo correspondente, Jamil Chade, também foi agredido), é inimiga mortal. A ditadura não quer testemunhas. Sabe que todas as suas chances dependem da escuridão.

No caso do Iraque, a investigação jornalística sobre as armas químicas chegou tarde demais. A paz saiu perdendo. Agora, é diferente. Correspondentes do mundo todo estão a postos na praça. Querem fazer seu trabalho. Aos governos de todos os países, à ONU e às entidades da sociedade civil cumpre exigir da ditadura egípcia, com muito mais veemência, o devido respeito os jornalistas, que representam os olhos de todos nós. Por isso, uma agressão a um jornalista no Cairo deve ser repelida como uma agressão ao seu país de origem.

A esta altura, ninguém sabe direito para onde vai o Egito. Mas, desde já, sabemos que sem repórteres por perto o caminho será muito mais sangrento. Garantir a presença da imprensa internacional na Praça Tahir é dar uma chance à paz. Omitir-se na defesa dos jornalistas equivale a patrocinar, indiretamente, a brutalidade que só prospera onde não há direito à informação.

JORNALISTA, PROFESSOR DA ECA-USP E DA ESPM

SEMPRE ATRASADO


ILIMAR FRANCO

Autocrítica 
ILIMAR FRANCO
O GLOBO - 10/02/11

Reunida pelo vice-presidente Michel Temer, ontem no almoço, a cúpula do PMDB concluiu que era um equívoco manter o tensionamento por cargos no governo Dilma. Concordou que a manutenção dessa linha prejudica a imagem do partido. Protagonista maior do desgastante embate, o líder do PMDB na Câmara, Henrique Alves (RN), depois do encontro, afirmou: “Puxei o freio de mão”.

Dilma: um bambolê para Henrique
A presidente Dilma Rousseff, mesmo insatisfeita com a atitude do líder do PMDB , Henrique Alve s (RN), o recebeu ontem no
Planalto. Ele foi apresentar à presidente a governadora Rosalba Ciarlini (DEM-RN). Na saída, o ministro Antonio Palocci (Casa Civil)
brincou: “Presidenta Dilma, peça ao líder para não ser tão duro comigo”. Foi quando a presidente surpreendeu a todos pelo bom humor, dizendo: “Já sei o que farei. Vou mandar um bambolê de presente para o líder”. Risos na sala. Em abril de 2009, Henrique enviou para a então chefe da Casa Civil um bambolê, com o recado de que Dilma deveria ter mais jogo de cintura.

OS CORTES DE SERRA. O ex-governador José Serra se reuniu ontem com as bancadas do PSDB na Câmara e no Senado. Para
os deputados, defendeu o salário mínimo de R$ 600. Para isso, tem um estudo que recomenda cortes: R$ 5 bi no custeio, R$ 5
bi em subsídios do BNDES, R$ 2 bi com saneamento de estatais, R$ 2 bi com redução do empreguismo na Petrobras, na Eletrobras e nos Correios, R$ 1 bi em passagens aéreas, R$ 1 bi em publicidade e R$ 1 bi com cargos em comissão.

Alternativa
 O ministro Alexandre Padilha (Saúde) quer incluir os hospitais federais na MP que cria uma empresa pública para gerir os hospitais universitários. Permite, assim, a contratação de profissionais pela CLT, e não pelo regime do servidor público.

Racha
 Ala da Juventude do PMDB que fez campanha para a presidente Dilma Rousseff está dinamitando a indicação de seu presidente, Gabriel Souza, para a Secretaria Nacional da Juventude. Ele fez campanha para o tucano José Serra.

Obama em Rondônia?
 
 O governador de Rondônia, Confúcio Moura, acionou o Itamaraty para convidar o presidente americano, Barack Obama, para viajar pela ferrovia Madeira-Mamoré, que está sendo restaurada. Seu argumento é que a estrada de ferro foi construída após a passagem na região do expresidente dos EUA Theodore Roosevelt. A Expedição Roosevelt-Rondon (o marechal Rondon), de 1913 a 1914, descobriu as terras daquele estado, que não constavam em nenhum mapa conhecido da época.

Região Serrana
 O ministro Afonso Florence (Desenvolvimento Agrário) anuncia hoje a liberação de R$ 63 milhões para a Região Serrana do Rio, atingida pelas chuvas. O dinheiro é para a compra de equipamentos e a recuperação da safra agrícola.

Prestígio

 O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, convidou a ministra Izabella Teixeira (Meio Ambiente) para integrar painel sobre sustentabilidade global. O objetivo do painel é construir um novo projeto de desenvolvimento para o planeta.


 CHORADEIRA. Os ministros do governo Dilma não estão recebendo os parlamentares. Os dirigentes dos partidos da base aliada querem que cada ministro institua o dia do parlamentar, para recebê-los.
 BAIXA. Eleito pelo Acre na chapa de oposição ao PT, o senador Sergio Petecão (PMN) aderiu ao governo Dilma e se integrou ontem ao bloco do PMDB. 
 FALA O PRESIDENTE do PMDB, senador Valdir Raupp (RO): “O PMDB apoiou durante dois anos o governo Lula, no primeiro mandato, sem cargos. Não podemos agora ficar nesse revanchismo”.

MÍRIAM LEITÃO

Lista de intenções 
Miriam Leitão 

O Globo - 10/02/2011

Nos cortes de gastos anunciados ontem pelo governo há mais vento que caroço. Combater os desvios ou aumentar a eficiência do gasto não é corte, é apenas o normal a se fazer. Reestimar para baixo receitas que estavam infladas é voltar à realidade. Cortar emendas de parlamentares ocorre todo ano. Se quiser fazer um ajuste, o governo tem que ir além das palavras.

E em algumas palavras, eles se traem. O ministro Guido Mantega, por exemplo, disse na apresentação do corte de R$ 50 bilhões que vai perseguir “a meta cheia” de superávit. “Não será usado nenhum artifício”, disse o ministro, para logo em seguida se corrigir: “Não que tenhamos usado artifício, essa palavra não é correta.”

Foi a palavra mais correta que ele disse na entrevista. Como todos viram, o governo no ano passado lançou mão de inúmeros artifícios contábeis para inflar as receitas num ano em que elas cresceram fortemente por causa do PIB alto. Mesmo assim, não cumpriu a meta de superávit primário.

O economista Raul Velloso, especialista em contas públicas, alertou que o corte anunciado foi sobre a Lei Orçamentária, ou seja, o que estava previsto para gastar em 2011. Do ponto de vista fiscal e monetário, o que interessa é o corte sobre o que foi executado em 2010. A comparação não pode ser feita com a Lei Orçamentária porque ela pode ter sido inchada com uma previsão excessivamente otimista de receita.

Houve no mercado financeiro quem considerasse o corte um bom sinal. Antes do anúncio, o economista Roberto Padovani, do WestLB, avaliou que se o corte fosse de R$ 50 bilhões estaria dentro do esperado pelo mercado. Disse que o mais relevante seria interromper a trajetória de deterioração fiscal e assim chegar perto da meta estabelecida para este ano.

Depois do anúncio, Felipe Salto, da Tendências consultoria, considerou que se o corte for cumprido pode ser o fim da “contabilidade criativa” que foi usada no ano passado. Ele acha também que o governo deu um bom sinal quando resistiu à pressão das centrais por um salário mínimo maior; e aponta outro bom sinal no fato de R$ 25 bilhões dos cortes serem em gastos de custeio dos ministérios.

Outros economistas, no entanto, apontaram erros do anúncio, como Sérgio Vale, da MB Associados. Ele pondera que mesmo com o corte de R$ 50 bilhões haverá aumento sobre 2010 se for retirado da conta o efeito da capitalização da Petrobras. A receita, por essa conta, terá um crescimento de 14%, que é quase o mesmo que subiu em 2010, com diferenças fundamentais: no ano passado ela cresceu porque a base de comparação era baixa; este ano, o país não crescerá tanto quanto no passado.

Monica de Bolle, da Galanto consultoria, acha que o governo poderia ter feito mais. Para ela, contingenciamento não é exatamente corte, mas uma postergação dos gastos.

O que mais impressiona na comunicação dos cortes, que foram discutidos numa longa reunião noturna de véspera, é a mesmice de outros momentos em que o governo tentou impressionar: contratar uma consultoria da FGV para ver onde está havendo gastos excessivos, fazer uma proclamação de que se fará mais com menos, cortar em 50% gastos de viagens; proibir a compra ou aluguel de imóveis e a compra de novos carros. Tudo isso, no fundo, é muito pouco. Alguns ralos permanecerão, como as transferências para o BNDES. O ministro Guido Mantega prometeu apenas fazer um aporte menor. Esse aporte no BNDES não entra como despesa e é portanto um gasto até mais problemático, porque teoricamente é apenas um empréstimo.

Outro anúncio foi a suspensão dos benefícios concedidos em 2009/2010. Esses estímulos foram concedidos para tirar o país da crise, já deveriam ter sido suspensos no ano passado. Foi um erro terem sido mantidos até agora.

Gil Castelo Branco, do Contas Abertas, cujo trabalho é de esquadrinhar as contas públicas, acredita que tudo o que o governo fez foi anunciar uma lista de desejos. Ele acha que não ficou claro como serão cortados os R$ 50 bilhões. Aliás, essa é também a ponderação de Raul Velloso: a falta de detalhamento torna mais difícil o trabalho de avaliar a validade ou não dos cortes. Gil achou estranho que tenha levado tanto tempo para um anúncio tão vazio, sem nenhuma ação concreta:

— O corte nas emendas ainda será discutido com os ministérios, ninguém sabe que projetos serão afetados. Reduzir 50% o gasto com passagem é mínimo, não estamos falando de corte na casa dos bilhões. Há um conflito entre anunciar o corte, para mostrar austeridade, mas ao mesmo tempo não criar dificuldade política.

Uma das dificuldades é que se o governo anunciar diretamente onde vai cortar, ele pode ter mais conflitos com o Congresso, dividir ainda mais seus aliados, como as centrais sindicais. Isso aumenta a dificuldade de executar os cortes ao longo do ano.

Apesar de o governo ter dito que nada será mudado no PAC, a experiência mostra que é no investimento que se faz o ajuste. O PAC tem bons e maus projetos, portanto, o ideal é que se fizesse uma escolha dos melhores projetos para serem preservados.

Pior do que anunciar intenções e chamá-las de corte ou ajuste é a insistência com que o ministro da Fazenda subestima a inflação. Ontem, novamente, ele mostrou mais uma vez sua leniência com o problema quando disse que o problema é passageiro e que cumprir a meta não é cumprir o centro da meta. Autoridades perseguem o centro, mesmo sabendo que algum choque pode elevar o índice. Mas em fevereiro já avisar que o centro da meta está abandonado é convocar a inflação a subir mais.

GOSTOSA

MERVAL PEREIRA

Desconfianças 
Merval Pereira 

O Globo - 10/02/2011

O grande problema para os Estados Unidos na concorrência que o Brasil abriu ainda no governo Fernando Henrique para a compra de caças para a Aeronáutica, e que já entra no terceiro governo sem uma definição, além de uma eventual posição antagônica da nossa política externa, sempre foi a transferência de tecnologia. Ou melhor, a crença entre os militares brasileiros de que os EUA não transferem tecnologia nos acordos comerciais e dificultam a relação do Brasil com terceiros países.

Houve problemas com os militares brasileiros nos últimos 30 anos, especialmente com a Aeronáutica, que teve projetos seus dificultados por embargos dos americanos a desenvolvimentos tecnológicos ligados a mísseis e satélites.

O veto americano à venda de aviões Super Tucanos, fabricados pela Embraer, à Venezuela, é exemplo da difícil relação com os EUA na área militar. Os americanos aplicaram o veto valendo- se de que o sistema de radar dos Super Tucanos é fabricado pelos EUA e, portanto, a venda a terceiros países depende de autorização de Washington.

Para levantar essas objeções, a Boeing ofereceu à Embraer, no início de 2010, fato relatado aqui na coluna na ocasião, a participação no programa de desenvolvimento do Global Super Hornet, o que significava uma mudança de atitude inédita no governo americano em matéria de transferência de tecnologia. Também o Congresso americano, que tem que aprovar programas de transferência de tecnologia, já dera autorização em setembro de 2009, e essa é, segundo informações de Brasília, uma das questões pendentes. O governo brasileiro quer ter garantia de que, além do Departamento de Estado, o Congresso não colocará obstáculos à transferência de tecnologia.

Há um trecho em uma carta da secretária Hillary Clinton, enviada no ano passado, em que ela garante que o Departamento de Estado apoia integralmente “a transferência de toda informação relevante e a tecnologia necessária”, o que é, no entanto, interpretado como uma limitação a essa transferência. Os EUA definiriam, de acordo com seus interesses, o que seria tecnologia “relevante e necessária”. Até a multa de 5% em caso de não cumprimento do acordo é vista por setores do governo não como demonstração de boa-fé, mas de dúvidas da Boeing sobre o cumprimento dos compromissos assumidos.

A proposta da Boeing, que o governo brasileiro na gestão Lula não havia aceitado, é transformar a indústria brasileira “no único fornecedor de peças críticas para a linha de produção do Super Hornet para o Brasil e todas as aeronaves da Marinha dos Estados Unidos”. A empresa se compromete também a entregar “os primeiros pacotes de dados de engenharia” junto com a assinatura do contrato. Seria criada uma estrutura de gerenciamento para a transferência de tecnologia da Boeing para o Brasil.

A Boeing se comprometeu a financiar cerca de 100 mil homens/ hora para a Embraer participar do programa internacional de desenvolvimento do Global Super Hornet. Caberá ao presidente dos EUA, Barack Obama, que falara três vezes com Lula apoiando a proposta americana, convencer o governo Dilma da segurança da proposta, depois que novos sinais do Planalto indicam que, em vez dos Rafale da França, a nova administração pode optar pelos Super Hornet americanos.

O professor Expedito Carlos Stephani Bastos, coordenador dos estudos de defesa da Universidade Federal de Juiz de Fora, sempre foi a favor de uma parceria na área militar com os EUA, “até porque historicamente os aviões americanos foram os que duraram mais em termos de uso e operações ao longo de toda a nossa história desde a aviação militar (Exército e Marinha) que foram unificadas para formarem a Força Aérea Brasileira em 1941, em plena Segunda Guerra Mundial”.

Ele considera o F-18 da Boeing o melhor dos três que disputam a licitação (junto com os Rafale da França e os Gripen suecos, que são os preferidos da Aeronáutica, mas são ainda projetos), o mais próximo de nossa realidade, “pois é um avião moderno, testado em combate, com mais de 450 unidades produzidas e exportadas para vários países”.

Estando ainda em produção pelo menos até 2017, diz Expedito Bastos, sem dúvida é o que terá grande facilidade em peças de reposição, pois até mesmo quando estes forem desativados por seus operadores, poderemos, ao longo dos próximos 30 anos, o tempo de vida de um caça por aqui, ter facilidade em adquirir unidades de reposição para eventuais perdas que tivermos durante sua operação.

Segundo ele, nossa experiência com equipamentos franceses não foi das melhores, desde 1922, quando contratamos uma Missão Militar de Instrução. “Usamos aviões Mirage IIIC por 35 anos e não foi possível revitalizá- los, o mesmo ocorrerá em alguns anos com os 12 Mirage 2000C adquiridos em 2005”.

Com equipamentos americanos, Bastos diz que basta constatar que os F-5E adquiridos na segunda metade dos anos 70 ainda se encontram em operação, sendo a espinha dorsal da FAB após a modernização feita pela Embraer a partir de 2005.

Caso o Super Hornet venha a ser escolhido, o especialista da Universidade de Juiz de Fora diz que a aviação naval brasileira poderia ser equipada com o F/A-18C, que pode operar a partir do porta-aviões São Paulo, “o que nos daria grande ganho estratégico regional a um custo acessível à nossa realidade, além de poder ter ganho logístico enorme”. Com relação à transferência de tecnologia propriamente dita, Bastos considera que “nenhum país fará totalmente, porque nossa capacidade de absorção é limitada”.

Nessa questão, a capacidade de negociação do comprador é muito importante, segundo ele. “Num país onde o orçamento de defesa ainda é uma obra de ficção, precisamos agir racionalmente e pragmaticamente, de nada nos adiantará comprar algo extremamente sofisticado, caro de se operar e manter, com grande limitação de seu uso em razão de custos, principalmente os relacionados à hora de voo, só para falar que temos e exibir em festas nacionais”.

Ele cita como exemplo interessante a tecnologia de usinagem química, seus métodos, técnicas e processos, cujo controle permitiu à Embraer na década de 1980 fabricar o EMB- 121 Xingu e o EMB-120 Brasília, líder mundial na sua categoria, e foi transferida pela companhia norte-americana Sikorsky Aircraft, por solicitação do Ministério da Aeronáutica, como contrapartida de uma compra.

Na coluna de ontem, por um engano, saiu que a moeda brasileira é “a mais desvalorizada do mundo”, quando o correto é “a mais valorizada”, como está dito em trecho anterior.

CELSO MING

Investimento e inflação 
Celso Ming 
O Estado de S.Paulo - 10/02/2011

Investimento é ou não é despesa?

Essa pergunta continua sendo feita quando se trata de definir o que deve ou não entrar na conta do superávit primário, ou seja, do pedaço da arrecadação destinado a pagar a dívida. Mas esse não é o aspecto que vai ser abordado hoje nesta Coluna. O ponto é que essa pergunta vem sendo feita com menos frequência quando se trata de examinar as causas do atual surto inflacionário. É esse o assunto de hoje.

O Brasil tem um baixo nível de investimento. Dificilmente chega aos 20% do PIB, contado o investimento público mais o privado. E com apenas isso não dá para garantir crescimento sustentável acima de 5% ao ano.

Essa enorme necessidade de investimento tem deixado para segundo plano outro efeito, que é o aumento do consumo acima da capacidade de oferta, com potencial para gerar inflação.

Ainda nesta semana, o relatório do economista-chefe do Bradesco, Octávio de Barros, faz uma observação elogiosa à atual administração que, no entanto, desconsidera esse efeito: "O governo Dilma Rousseff tem amplas condições de se firmar para a história como o "governo da oferta" em contraponto à gestão de seu antecessor e padrinho político Luiz Inácio Lula da Silva, que poderia ser classificado como o "governo da demanda"". O que não está sendo considerado é que pode acontecer o contrário.

Todo investimento tem um prazo de maturação, que pode ser mais curto ou mais longo. Quanto mais prolongado for esse prazo, mais consumo produz sem contrapartida de oferta de produto ou serviço. Uma hidrelétrica, por exemplo, leva seis, sete anos ou até mais para produzir o primeiro quilowatt de energia. No entanto, desde o momento em que um técnico produz o primeiro esboço do que será construído, o projeto está produzindo despesa e renda. É despesa com projeto, engenharia, cimento, aço, mão de obra, turbinas, exigências ambientais, etc. Apenas lá na frente é que começa a produção. Um campo de petróleo leva de sete a oito anos contados a partir da abertura do poço pioneiro para entrar em fase de produção. Até lá, são bilhões e bilhões de dólares em despesas. Apenas a perfuração de um poço a grandes profundidades pode superar os US$ 100 milhões. Até mesmo a abertura de uma padaria leva meses de reformas, instalações e tudo o mais, até produzir a primeira fornada, e, no entanto, ao longo do tempo de investimento só produziu despesas.

Um país transformado em canteiro de obras tem seu lado bom porque todo investimento de hoje é produção (e emprego) amanhã. Mas cobra seu preço em criação de renda e consumo. O ministro Guido Mantega tem afirmado que o governo Dilma vai empurrar o investimento de 19% do PIB para 24% do PIB. Se não for bem-sucedido, faltará oferta; se for bem-sucedido, virá pressão inflacionária extra.

O Brasil tem um enorme programa de investimentos. É o pré-sal (só a Petrobrás prevê investimentos de US$ 224 bilhões até 2014), são as obras para a Copa do Mundo e a Olimpíada, é o trem-bala, são as demais obras de infraestrutura, é a ampliação do sistema produtivo privado e tanta coisa mais.

Ou seja, não dá para desprezar o efeito colateral inevitável: quando o investimento decola também produz inflação. Por isso, a política fiscal (a maneira como o governo toca seus gastos) e a política monetária (política de juros) têm de atuar acima do normal, de maneira a compensar esse efeito sobre os preços.

CONFIRA

Por enquanto, é pouco

O anúncio dos cortes orçamentários feito ontem pelos ministros Guido Mantega e Miriam Belchior é o primeiro passo, absolutamente necessário, para o que tem de vir. Mas por enquanto é apenas palavra de ministros - o que é pouco - e um amontoado de números à procura de autoridades que os levem a sério.

Difícil acreditar

A falta de credibilidade do governo é sério obstáculo de partida. No ano passado, negou até o fim o que os analistas denunciavam: o descumprimento da meta fiscal. E depois aderiu ao teatro e a esquisitices contábeis para apresentar os resultados. Mas esse obstáculo pode ser rapidamente revertido se a sociedade vir que, além de palavras, há ação.

Inchaço

O governo e os políticos incharam tanto o Orçamento da União que o corte anunciado de R$ 50 bilhões fica parecendo conversa de comerciante que vende com 50% de desconto depois de ter subido em 100% o preço à vista.

AZAR

DORA KRAMER

O ocaso da cigarra 
Dora Kramer 

O Estado de S.Paulo - 10/02/2011

Pela primeira vez em anos o PMDB ocupa formalmente o poder, mas sente que não fez exatamente um negócio da China e, pela primeira vez em anos, se sente sem condições de usar seus truques de manobrista para pressionar o governo e reagir à situação adversa.

O governo Dilma Rousseff em que o PMDB ocupa a Vice-Presidência da República entra em seu segundo mês e até agora nada saiu como previsto pelo partido, que se imaginava sócio-fundador do mandato da presidente e, com isso, dono de direitos inalienáveis expressos na divisão mais ou menos igualitária dos espaços na Esplanada dos Ministérios e adjacências na administração federal.

O primeiro revés, diga-se, veio das urnas, que não deram aos pemedebistas as bancadas previstas na Câmara e no Senado. Eleito um número de deputados (78) aquém das expectativas, o partido precisou adiar seus planos de presidir a Câmara para daqui a dois anos.

E isso se as coisas melhorarem, porque do jeito que assa a batata do líder deputado Henrique Eduardo Alves no Palácio do Planalto e dentro da própria bancada do PMDB, é de se dar ouvidos ao ministro do PT que, ao se referir ao projeto dele de presidir a Câmara a partir de 2013, acrescenta: "Se estiver vivo até lá." Politicamente falando, evidente.

Cargos de segundo escalão, até agora nenhum que o PMDB considere à sua altura. Na Fundação Nacional de Saúde tudo caminha para o desmonte do feudo e em Furnas as exorbitâncias do deputado Eduardo Cunha provocaram outro dissabor.

A parceria de Henrique Eduardo com Eduardo Cunha, aliás é um fator de enfraquecimento dele, que também desagrada à bancada ao subordinar todos ao projeto presidência/2013. Um exemplo: o partido havia recebido o Ministério das Cidades, mas Henrique Eduardo cedeu ao PP em troca de votos adiante.

Os ministérios são capítulo especialmente desagradável ao PMDB. O partido ficou nas Minas e Energia, onde reina como sua majestade Elizabeth da Inglaterra. Na Agricultura, a Embrapa é do PT e a Conab do PTB. No Turismo, a Embratur é indicação de Antonio Palocci e a secretaria executiva é do PT. Na Previdência, onde a ordem ao ministro Garibaldi Alves é calar, a secretaria executiva é do PT.

A irrelevância da Secretaria de Assuntos Estratégicos, sem orçamento nem função, dispensa apresentações.

Do ponto de vista do que pretendia o PMDB ao se associar oficialmente ao PT, um acinte. Por ora assumidamente sem remédio, porque para todos os efeitos de opinião pública a presidente Dilma trava o bom combate.

É o que dá o olho-grande e nenhuma preocupação com o nome a zelar. Fica refém da má fama, prisioneiro de uma agonia construída com as próprias mãos, pagando o preço de não ter dado ouvidos aos poucos pemedebistas que ao longo dos últimos anos alertaram que os maus passos teriam cedo ou tarde sua consequência.

Agora, que parcela minoritária da bancada (12 em 78) se levanta publicamente contra a referência exclusiva no fisiologismo, a direção do mesmo modo ignora os reclamos.

Enquanto isso as principais lideranças vão se desgastando em escândalos, agindo de forma a corroborar a imagem negativa e o partido, ao perder espaços de governo, perde força eleitoral para 2012. No dizer de um dirigente, "acaba virando o DEM do PT".

Outro rumo. Se dependesse da vontade do PSDB, o destino do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, não seria o PMDB. Preferível, na visão tucana, o PSB ou até mesmo um novo partido.

A ida para o PMDB, nessa análise, teria dois inconvenientes: engrossaria as fileiras parlamentares governistas e, para Kassab, representaria o risco de amanhã ficar a ver navios internamente em matéria de poder.

Constatação. Na situação e na oposição, todo mundo em Brasília já percebeu: Antonio Palocci acumula as tarefas de ministro da Casa Civil e chefe de governo.