sexta-feira, dezembro 02, 2011

A placa teutônica - MONICA B., DE BOLLE


O ESTADÃO - 02/12/11
E se a Alemanha sair do euro? A pergunta, imponderável há poucos meses, está agora na mente de muitos analistas, economistas, investidores, gestores de política econômica e, talvez, mais importante do que tudo e todos, do povo alemão. Não é muito difícil imaginar o motivo. Pensem numa senhora de meia-idade, nascida nos tempos da cortina de ferro da Alemanha Oriental. Chamemo-la de Angela. Angela conhece bem a penúria daqueles anos, seja porque viveu diretamente a experiência da dominação soviética, seja porque morava bem ao lado. Com essa vivência, Angela consegue imaginar as dificuldades que assolam muitos países da região. Porém, ela também sabe que, se o seu país continuar na camisa de força do euro, o futuro das gerações mais jovens de sua família estará comprometido. Será que terão acesso à saúde gratuita, à educação de boa qualidade, ao mercado de trabalho? Ou será que terão de pagar impostos elevados e repartir as suas minguadas economias com os habitantes de outros países, enquanto penam nas filas dos hospitais e assistem à corrosão da renda pela inflação?

Eurobônus ou emissão de moeda pelo Banco Central Europeu (BCE) para salvar os países que já não conseguem mais se financiar? Pouco importa. A conta é da Alemanha, das diversas Angelas, angustiadas pelas dúvidas crescentes em relação ao futuro. É por isso que a outra Angela, a Merkel, a chanceler do país, insiste em rechaçar as propostas de "socialização das perdas" implícitas nos eurobônus ou no uso do BCE como emprestador de última instância. Mas o que tem a oferecer em troca é difícil, leva tempo, mais tempo do que os mercados estão dispostos a dar. A "barganha" de Merkel é a convergência para uma união fiscal entre os países do euro, que exige a aprovação dos diversos Parlamentos para ter legitimidade. E não é qualquer união fiscal. Tem de seguir os princípios da Alemanha, com regras claras e rígidas para os limites de déficit público e endividamento e que, se infringidas, submeteriam o transgressor a duras penalidades.

Não fosse a Europa uma região marcada por um histórico tão turbulento, pelos rancores das guerras, talvez a barganha de Merkel tivesse alguma chance de sucesso - afinal, faz todo o sentido. No entanto, a opinião pública de vários países já se mostra refratária às propostas de "germanização", encaradas com grande desconfiança, trazendo à lembrança memórias dolorosas de outro tipo de "germanização". Para muitos, a Alemanha já é a "vilã" do euro. Portanto, os argumentos de que o capital político investido pelo país na criação do euro e de que o custo da percepção negativa dos demais membros, se resolvesse sair da união monetária, impediriam esse desdobramento têm menos peso hoje do que tiveram até recentemente.

Outros argumentos usados para refutar a possibilidade de saída da Alemanha são o de que isso não interessaria ao país, já que o marco alemão se valorizaria muito diante das demais moedas, prejudicando a indústria exportadora, e o de que a própria saída da maior economia da eurozona desmantelaria a moeda única. No primeiro caso, vale lembrar que, embora a economia alemã seja forte, as contas públicas do país não são muito melhores do que as da França - a razão dívida/PIB é bem semelhante -, o que limitaria a valorização do marco. Já no segundo, a saída da Alemanha removeria os obstáculos às intervenções do BCE e à desvalorização mais acentuada do euro, ambas necessárias para auxiliar os países remanescentes.

Enquanto a crise europeia se agrava, os argumentos, os limites de tolerância, os custos políticos e econômicos de diversos cenários se alteram. O antes inimaginável cenário da placa teutônica se desgarrando das terras da moeda única tornou-se possível, quiçá até provável.

Gerhard Schröder, chanceler da Alemanha entre 1998 e 2005, disse certa vez que "a Alemanha é a favor da integração precisamente porque a dominação não interessa". Hoje, não há uma contraposição entre os dois conceitos. Integração com a Alemanha tornou-se sinônimo de dominação. Será isso realmente aceitável para todos os envolvidos?

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