sábado, novembro 05, 2011

RUY CASTRO - Cáries no além


Cáries no além
RUY CASTRO 
FOLHA DE SP - 05/11/11

RIO DE JANEIRO - Era um atendimento de emergência, domingo, ao meio-dia, num consultório dentário do Leblon. De repente, sob pesado silêncio, ouviu-se um ruído -um baque- na sala ao lado.
Como eu e o dentista estávamos sozinhos no prédio, só podia ser algo que havia se deslocado e caído, talvez pelo vento entrando por uma janela aberta. O dentista sorriu. Foi averiguar e voltou dizendo que nada caíra no chão, as janelas estavam fechadas e aqueles ruídos sem explicação eram normais à noite, depois do expediente, ou nos fins de semana.
Contou que, em outras ocasiões, ele já ouvira o som de um motorzinho de broca saindo de alguma sala do consultório. Ou de um raio-X disparando sozinho. Podiam ser também ruídos de passos subindo ou descendo a escada que levava ao andar de baixo, que ele dividia com outro dentista. E jurou que, certa vez, escutou nitidamente um gargarejo, embora o paciente ainda não tivesse chegado e não houvesse ninguém nos dois andares.
Para seu alívio -pensava que só ele ouvia coisas-, seu colega lhe disse que também escutava esses ruídos quando usava o consultório em dias mortos (epa!). E não só isso como, certa vez, percebeu duas vozes (uma, tranquila e profissional; a outra, angustiada) discutindo a necessidade de um tratamento de canal. Foi investigar e não havia ninguém. Não admira que nenhuma secretária que eles contratavam parasse no emprego -todas levavam cantadas invisíveis em certas horas.
Meu dentista acredita que uma pequena comunidade de dentistas e clientes fantasmas está usando seu consultório fora dos dias e horas regulamentares. Já o que me espanta é constatar que a partida para o além não livra o cidadão de problemas dentários. Mas é bom saber que, mesmo lá, há uma plêiade de profissionais para tratar das emergências.

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