terça-feira, novembro 29, 2011

Relatório sobre Síria desafia ONU - CLÓVIS ROSSI


FOLHA DE SP - 29/11/11

O relatório da comissão da ONU que investigou a violência na Síria vai colocar o Brasil e todo o sistema das Nações Unidas ante um desafio considerável, talvez até mais complexo do que o que antecedeu a intervenção na Líbia.

O relatório é duríssimo: diz que as forças de segurança sírias cometeram "graves violações dos direitos humanos", o que inclui execuções sumárias, prisões arbitrárias, desaparições forçadas, torturas, violência sexual, violação dos direitos das crianças -enfim o catálogo completo a que recorrem as ditaduras mais selvagens.

Para o Brasil, não dá mais para repetir a torpe declaração emitida após visita de uma delegação do Ibas (Índia, Brasil e África do Sul) a Damasco, na qual condenaram "a violência de todas as partes". Equivalia a igualar vítimas e algozes.

Agora, há um relatório com a chancela de Paulo Sérgio Pinheiro, o brasileiro que preside a comissão, descrito por Tovar Nunes, porta-voz do Itamaraty, como homem de "absoluta competência e lisura".

O que fazer então? É o que se começou a discutir na Comissão de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, logo após a leitura do relatório por Paulo Sérgio. Há, em princípio, três possibilidades:

1 - Aprovar resolução que convoque a Síria a cooperar com a comissão de inquérito, o que ela não fez até agora, a ponto de não ter permitido a entrada do grupo no país. Como o prazo para o relatório final vai até março, seria uma janela de oportunidade para a Síria mudar de comportamento.

2 - Enviar o relatório ao Conselho de Segurança da ONU -único organismo capaz de tomar decisões- e/ou também ao Tribunal Penal Internacional, já que há menções a crimes contra a humanidade.

3 - Mandar o documento diretamente ao secretário-geral para que este decida o passo seguinte (necessariamente seria consultar o CS, afinal de contas o coração do sistema).

Até ontem à tarde, não havia uma definição do Itamaraty a respeito do que fazer, mas meu palpite é o de que preferirá a opção número 1, a mais branda.

Acho um caminho inócuo, por dois motivos: o próprio chanceler Antonio Patriota já pediu a seu colega sírio, Walid al-Moulam, durante encontro em setembro, em Nova York, que permitisse a entrada da missão da ONU. Foi inútil.

A diplomacia brasileira também fez apelos para que o regime cessasse a violência. Foi igualmente inútil. Os parceiros da Síria na Liga Árabe até elaboraram um plano para pôr fim à crise, que o presidente Assad desprezou. Acabou expulso da Liga.

A aparente inutilidade dos apelos não quer dizer, no entanto, que os outros dois caminhos em exame em Genebra possam de fato resolver a questão.

Fechar a suposta janela de oportunidade seria colocar Assad contra a parede, não lhe deixando outra escolha que não matar e eventualmente morrer, como Gaddafi.

Mesmo que o CS imite a Liga Árabe e imponha sanções, a história prova que estas não comovem ditaduras a não ser a longuíssimo prazo (exemplo da África do Sul do apartheid). Conclusão inescapável: os sírios continuarão entregues à sua própria sorte (horrível, aliás).

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