domingo, novembro 13, 2011

MIRIAM LEITÃO - Mundo de mudança



Mundo de mudança 
MIRIAM LEITÃO 
O GLOBO - 13/11/11

Entrei junto com três casais no elevador do hotel em que estava em Nova York. Curiosamente, eles eram russos, chineses e indianos e estavam carregando sacolas de grifes. Tinham ido gastar sua prosperidade na capital do capitalismo, enquanto o mundo debate a crise do capitalismo. Wall Street tem manifestantes, e a cicatriz do 11 de Setembro virou um grande negócio.
É preciso comprar pela internet com dias de antecedência o ingresso para entrar no memorial ainda incompleto da tragédia. Os estrangeiros ficam em filas para comprar lembranças ou ver o local onde se erguem novas torres. A dor americana é sincera, mas, como sempre, tudo foi organizado para o local ser mais uma caixa registradora.
Ali por perto são feitas as manifestações que têm contaminado os EUA e outros países: o movimento Ocupe Wall Street. De costa a costa há eventos. Em São Francisco, alguns manifestantes lembram os da década de 60. Pela maneira de vestir e pela idade parecem ser os mesmos que protestam há cinco décadas. A primeira página do "New York Times" trouxe fotos dos vários manifestantes com cartazes de propostas estranhas como "Acabe com o Fed".
Uma economia sem Banco Central não existe em país algum do mundo por mais que se possa fazer uma longa lista dos erros que o octogenário Fed cometeu. O maior deles foi socorrer os bancos em 2008 sem qualquer punição para os que criaram a crise. Foi insultuoso o anúncio de que os mesmos que tomaram decisões insensatas, e que foram apanhados em tantas irregularidades, voltaram a receber polpudos bônus. É ainda um movimento à procura de uma bandeira, mas como a insatisfação é profunda pode encontrá-la; até porque tem razão em vários pontos.
Um dos cartazes estampados no "NYT" dizia: "Jovem supereducado e desempregado". Isso torna o movimento americano irmão das eclosões africanas, nas quais uma das razões da fúria foi o fato de que há uma geração de jovens que estudou mais do que seus pais mas não consegue emprego. A economia americana continua com taxas altas de desemprego.
Nova York é uma ilha em todos os sentidos, mas mesmo lá é possível ver os sinais de empobrecimento de americanos. Por outro lado, lojas cheias, filas na porta das mais conhecidas, longas esperas nos restaurantes provam que continua como sempre ocupada e desfrutada por estrangeiros. Só que desta vez a hegemonia é dos turistas de países emergentes.
Nunca vi tanto brasileiro em Nova York, nem na época do câmbio fixo dos anos 1990. Lojas já têm funcionários que aprenderam português para atender os brasileiros. Eu os encontrei nas ruas, nas lojas, nas esperas dos restaurantes, nos teatros. São vorazes nas compras, mas não mais do que os chineses. O combalido capitalismo americano está, como sempre, capitalizando-se com a poupança alheia.
A manicure que me atendeu, num salão perto do Central Park, me conta sua história: é chinesa, foi para os Estados Unidos há dez anos, lá decidiu ter o segundo filho que não podia ter na China, levou os pais. Visita a terra natal, não quer voltar, e quando digo que seu país está ficando rico, responde: "Não é a China toda. Alguns chineses estão ficando ricos."
O mundo vive um momento desconcertante. Tudo parece estar mudando de lugar ou ficando prisioneiro de alguma incerteza estrutural. O que realmente a Europa pode fazer com o euro? Os líderes europeus se enganam diante dos olhos do mundo. Todos sabiam que o que eles chamavam de crise da periferia da Zona do Euro chegaria ao centro. Era uma questão de tempo. Os dados de déficit e dívida dos 17 países da Zona do Euro ou dos 27 da União Europeia - incluindo o Reino Unido - mostram que tudo é insustentável.
Era óbvio que o problema não era apenas grego, que aceitar um calote só dos títulos gregos e emprestar um dinheiro exorbitante ao país não resolveria coisa alguma. A crise levanta vários dilemas, como o que fazer com o projeto de moeda comum a países com diferenças tão explícitas.
A solução que começa a ser sussurrada entre Berlim e Paris de reformar o projeto indica que eles começam a pensar no impensável: tirar alguns da Zona do Euro. O problema é que a França tem também um déficit e uma dívida enormes. Não é modelo para ninguém. A Standard & Poor"s divulgou a notícia errada de que teria tirado deles a nota máxima. Parece ato falho. A França não merece o triplo A.
Nos próximos anos a Europa ficará no crescimento em torno de zero; os Estados Unidos crescerão pouco, mas têm mais capacidade de se refazer; a estrutura de governança do mundo permanecerá errada. Os países cadentes têm poder demais; o G-20 está ficando irrelevante antes de virar uma alternativa. O presidente do Banco Central Europeu é um italiano no momento em que a Itália entra no olho do furacão.
O capitalismo continuará procurando seu caminho, como sempre, mas o mundo mudará muito. O primeiro programa na Globonews, ao voltar das férias, foi sobre o fato de que o PIB do Brasil talvez passe o do Reino Unido. Pareceria delírio tempos atrás. Mesmo assim não sabemos o que fazer com a nossa prosperidade.

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