sexta-feira, novembro 11, 2011

MERVAL PEREIRA - Um dia especial


Um dia especial
MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 11/11/11

Ontem foi um dia especial para o Estado do Rio, e não apenas porque estava lindo, um daqueles dias de luz, festa do sol, da canção de bossa-nova que nós cariocas gostamos de afirmar que só mesmo uma cidade como o Rio pode proporcionar. Havia razões concretas, palpáveis, para transformar o dia em especial, e não apenas vantagens intangíveis.

Muitos cariocas acordaram com uma boa notícia na manchete dos jornais - outros devem ter sabido na televisão de madrugada: Nem, o chefão do tráfico da Rocinha, havia sido preso.

Aconteceu também, por coincidência benéfica, a passeata contra a tentativa de alterar a distribuição dos royalties do petróleo, que prejudica de maneira brutal a economia do Rio justamente no momento em que o estado tenta se recuperar moral e financeiramente.

Mesmo que a mobilização para a passeata tenha sido facilitada pelos governos estadual e municipais, com a liberação do funcionalismo público e a utilização da máquina governamental a serviço do protesto, foram 150 mil pessoas, segundo a Polícia Militar, que se mexeram para chamar a atenção dos políticos de Brasília. Uma passeata "oficial" sem dúvida, mas que tinha um significado.

É inegável que havia no ar ontem uma sensação de que cada um dos habitantes deveria estar solidário, independentemente de sua tendência política, em defesa dos interesses do estado.

A tentativa de não apenas mudar a distribuição dos royalties do petróleo no novo sistema de partilha, mas, sobretudo, nos campos já licitados, é uma clara quebra de contrato que pode colocar em risco a economia do Estado do Rio.

Todo mundo pelas ruas entende que estão querendo tungar o que é nosso, mesmo os que não entendem nada de petróleo.

Na prisão de Nem, nem tudo foram flores. A notícia da prisão dos chefões do tráfico da Rocinha, destrinchada, tem aspectos que justificam o receio de que, sem uma mudança estrutural nas polícias do estado, não seja possível ter a esperança de imaginar-se um futuro com uma polícia-cidadã, não conivente com os crimes, que recupere a confiança da população.

Policiais federais que interceptaram o carro em cujo porta-malas Nem se escondia recusaram um suborno na casa do milhão de reais, mas houve uma tentativa de fazer o acordo criminoso por parte de alguns policiais civis.

Da mesma maneira que horas antes outro grupo de policiais federais havia prendido traficantes e policiais civis e militares que faziam sua escolta, em outra tentativa de fuga da Rocinha antes da retomada da maior favela da Zona Sul pelas forças de segurança do estado.

Desta vez, a operação policial para retomar o espaço público dos traficantes nas favelas do Rio teve um êxito mais completo.

Como nas ações anteriores, a polícia avisou que iria invadir a Rocinha com antecedência, para evitar um confronto com os traficantes que colocaria em risco a vida dos moradores das favelas ocupadas.

Mas ao mesmo tempo montou uma operação de inteligência, com a ajuda do Exército e da Polícia Federal, para impedir a fuga dos principais traficantes.

Teve pleno êxito, e a implantação de mais uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) parece que acontecerá sem maiores atropelos, com os traficantes desarticulados e, como bem definiu o secretário de Segurança José Mariano Beltrame, demonstrando toda a sua fragilidade.

Estabelecida essa marca, será preciso aprofundar a reorganização das polícias civis e militares do Estado do Rio, para que o esforço não se perca em novas formas de acordos com os traficantes.

Há indícios de que em algumas das favelas já pacificadas começa a ocorrer uma conivência criminosa entre polícia e bandidos, que preserva as aparências, mas permite que o domínio do território pouco a pouco volte a ser dos bandidos.

Seria ingenuidade achar que essas operações acabariam com o tráfico de drogas nas favelas ocupadas. Esse não poderia ser o objetivo da ação, por inviável.

Mas é inadmissível que o controle territorial volte a ser dos bandidos, apenas sem as armas expostas ao público. Tanto empenho e sacrifício não podem servir para montar uma farsa a fim de enganar a população.

Da mesma maneira, a questão dos royalties, além do seu aspecto jurídico, contém aspectos políticos relevantes.

O Estado do Rio estaria, com as perdas que a proposta de redivisão das receitas do petróleo provocaria, impedido de dar sequência à sua política de segurança pública, que é fundamental para a realização da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas em 2016, mas, sobretudo, tem que ser encarada como uma política permanente de Estado, importante não apenas para os moradores do Rio, mas também para o país.

O Estado do Rio deve perder R$91,47 bilhões até 2020 com a redistribuição de royalties e participação especial se o substitutivo for aprovado no Congresso, segundo o Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE).

Outros cálculos, que incluem perdas já dadas com a legislação do ICMS aprovada na Constituinte de 1988 - e que justificaram a criação dos royalties como compensação pela não cobrança do imposto do petróleo na sua origem - e o critério do Fundo de Participação dos Estados, que beneficia os estados menores, ampliam as perdas para R$125,6 bilhões até 2020, conforme mostrou ontem reportagem do GLOBO.

A mudança dos critérios para a distribuição dos royalties, portanto, tem uma dimensão social muito maior e pode afetar uma política de segurança pública que vem tendo êxito inegável.

Não é descabido, por isso, que o governador Sérgio Cabral lembre à presidente Dilma que ela teve aqui no estado 60% dos votos e que deve a seu povo uma retribuição à altura do apoio que recebeu.

A retribuição terá necessariamente que ser institucional, dispensando-se gestos demagógicos.

2 comentários:

Ivo Korytowski disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Ivo Korytowski disse...

Um dia muito especial mesmo! Excelente matéria. Transcrevi parte dela na postagem sobre os novos rumos do Rio no meu blog Literatura & Rio de Janeiro.